Ser solteira é — à falta de melhor termo — f*da. Podem vir com aquelas conversas pseudo-emancipadas, do estilo "eu sou a minha melhor companhia!", "adoro estar sozinha!", "me, myself and I", que eu dou-vos já a única resposta possível: T-R-E-T-A-S. Ninguém gosta de estar sozinho e quem gosta ao ponto de não fazer qualquer esforço ativo para não estar é porque já desistiu da vida ou teve acontecimentos trágicos que o / a fizeram deixar de acreditar no amor.
Acontece, não critico, mas eu acredito no amor. E continuo a acreditar, mesmo que me olhem como um caso perdido, uma mulher "fora de prazo" ou alguém que nunca vai arranjar "alguém". E esse é, talvez o busílis da questão aqui. Arranjar "alguém" é fácil. Basta só adequar as expectativas à ocasião, não colocar demasiado peso em fatores como paixão, companheirismo, nível intelectual e financeiro, valores e expectativas de vida e, pronto, aí têm alguém.
Mas estou a divagar.
Sou uma utilizadora assídua das aplicações de encontros amorosos. Tinder, Happn, Bumble. Digam qual é, eu já lá estive ou estou lá. Algumas das ideias pré-concebidas mais frequentes sobre este tipo de plataformas são:
- quem lá está só procura sexo
- são só pessoas casadas a encornarem os respetivos cônjuges
- são perfis falsos
Há de tudo, obviamente. Mas, da minha experiência, a maioria das pessoas que lá está, está genuinamente à procura. Do quê? Depende. Alguns, de facto, de passar um bom bocado (leia-se, sexo), outros à procura de companhia (para jantar, beber um copo ou passear. Muito comum em visitantes estrangeiros de outros países, que têm uma abordagem muito mais descontraída a este tipo de apps do que nós, portugueses, que fazemos um bicho de sete cabeças de tudo e somos moralistas até mais não). Outros querem genuinamente uma relação.
O problema das aplicações, sobretudo agora nesta era pós-confinamentos e final (pelo menos psicológico) de pandemia é o tempo. Ninguém quer perder tempo. Não há paciência para manter um diálogo, para criar as condições propícias para um diálogo. Não há tão-pouco o empenho. Poderão dizer que falar é sobrevalorizado e eu até concordo. Mas, no meu caso, preciso que me deem um pouco de paleio antes de eu ter sequer vontade de lhes saltar em cima (ou vice-versa. Ou à vez).
Casados, comprometidos de longa duração e até um psicoterapeuta (que falava mais da vida dele do que queria saber da minha) dizem-me todos as mesmas coisas:
- "devias sair e conhecer pessoas!"
- "não vais arranjar ninguém se não fores para o mundo real!"
- "porque é que não te inscreves num _________ (preencher com uma atividade qualquer onde só andam ou pessoas do mesmo sexo ou pessoas com orientações sexuais diferentes da minha)?"
Estes conselhos vêm de pessoas que ou não estão no mundo do dating há mais de uma década ou têm o privilégio de ter uma vida social que lhes permite conhecer pessoas de diferentes meios todas as semanas. Eu adorava mas não tenho. Os meus amigos estão todos casados e com filhos, os amigos deles idem. E as poucas tentativas casamenteiras que fizeram correram muito mal. Quem é que quer ser o responsável por causar constrangimento e mal estar no seio de um grupo de amigos? Been there, done that, lição aprendida. Não quero mais, obrigadinha.
Ou então são conselhos de malta que acha que é mais "real" conhecer alguém na noite, sob o efeito de álcool, do que ao longo de várias conversas (que, de resto, dão trabalho, porque é preciso juntar letras e palavras e não apenas balbuciar grunhidos às 3 da manhã. Nada contra. Eu gosto de acordar cedo e já tive a minha fase de sex, drugs and rock 'n roll).
E, depois, há aqui problemas adicionais, a juntar ao facto de ter 38 anos (que, em mommy language, significa útero quase inútil), dar mais importância ao trabalho do que à caça incessante de um macho, e conseguir pagar as minhas contas ao fim do mês sem a ajuda dos paizinhos e / ou de um marido.
Sou vagamente conhecida. Quando digo vagamente, é mesmo ao nível de pseudo-celebridade lista Z, graças a uma página de Facebook criada em 2014, chamada A Gaja, a aparições esporádicas na televisão e outros meios de comunicação social, plataformas onde falo e / ou escrevo sobre temas que um homem decente e sério não quer que a sua mulher escreva: sexo, política, temas da atualidade e opiniões em geral.
Porque, digam o que disserem, o homem médio português, por muito moderno que se considere, ainda é um marialva que se sente afrontado por uma mulher que seja mais (mais tudo, mais vista, mais ouvida, mais notada, mais reconhecida) do que ele. Traumas. Há psicoterapeutas para alguma coisa e não vou ser eu que vou fazer esse trabalho. Mais uma vez... Been there, done that, lição aprendida. Não quero mais, obrigadinha.
Mas não quero estar a por a culpa nos moços. Tal como disse, a culpa de ter voltado ao Tinder e ainda não ter tido nenhum date é mesmo minha. Sinto-me preguiçosa, sem vontade de fazer o investimento físico, de tempo e esforço de me depilar (não vá algo rolar), arranjar o cabelo, as unhas, vestir uma roupa que não esteja amarrotada, fingir ser esteticamente alguém que não sou só para agradar para, duas horas depois, voltar para casa. Só ou acompanhada. Sinto que as pessoas com quem vão falando, por muito interessantes que pareçam, não são interessantes o suficiente. E, depois, o mais desconcertante de tudo: há falta de paixão e entusiasmo.
Todos praticam imensos desportos (os quais não podes criticar e que têm de ser encarados como uma religião), todos têm imensas bandas que amam e já viram em imensos festivais (que tens também de gostar senão "não temos nada em comum"), todos têm imensos hobbies e nunca compreendem como é que nunca fizeste, não experimentaste, não és praticante. Ah, e viajam imenso, claro. Viajam imenso porque, na bolha lisboeta do Tinder e no Bumble, toda a gente é muito viajada e já foi pelo menos três vezes a Bali. E tudo isto está muito bem mas também é tudo muito previsível e assético.
Não há humor nem espontaneidade. Há muito desamor mascarado de solteirice. Há muito homem (e, muita mulher, creio, não explorei esse campo ainda) a achar-se super bem resolvido e a ir para estas apps 15 dias depois de sair de casamentos de 20 anos. Porque, compreensivelmente, não querem estar sós. Mas também não querem o trabalho de conhecer alguém de raiz. Querem só um buraco tapado. A estrada leva um bocado de alcatrão mas depois passa um camião, vem uma chuvada e o buraco fica de novo à vista (isto são analogias de quem viveu muitos anos numa terra cheia de estradas esburacadas).
Outro dia disse a um moço, numa dessas conversas, "surpreende-me". Ele respondeu uma banalidade qualquer e acrescentou: "és muito esquisita". Fiquei a olhar para aquilo. E, mais uma vez, desisti. Antes esquisita do que genérica. Venham as próximas tentativas. Pode ser que um dia acerte.