Antes do Facebook, existia o hi5. E já nesta datada rede social era possível partilhar com a nossa lista de amigos (e não só) o nosso estado relacional, podendo escolher entre solteiro, comprometido ou o tão famoso “é complicado”. E ao escolher a opção de “numa relação”, era fácil inserir o perfil do nosso namorado para que fosse vísivel a quem visitasse a nossa página.

Desde aí até ao Facebook e ao Instagram foi um saltinho, e são muitas as pessoas que escolhem mostrar ao mundo virtual fotografias dos seus companheiros, extensas declarações de amor e, de uma forma geral, várias demonstrações públicas de afeto.

Mas será essa exposição uma consequência direta da felicidade de um casal ou, pelo contrário, as fotografias maravilhosas e românticas podem camuflar problemas numa relação?

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A psicóloga cliníca e coach profissional Filipa Jardim da Silva afirma à MAGG que depende dos casos, mas a “exposição frequente pode não ser proporcional à qualidade da relação e intensidade de afetos”.

Quando a felicidade nas redes sociais esconde conflitos nas relações

Seria de esperar que imagens e publicações a transbordar de amor fossem significativas de uma relação correr às mil maravilhas —mas nem sempre é assim.

Consciente ou inconscientemente, é possível que o recurso às redes seja uma forma de projetar a relação ideal que desejavam ter e que não têm."

“Não há verdades absolutas, dado que existem muitas realidades”, afirma Filipa Jardim da Silva que, apesar de afirmar que não é possível fazerem-se generalizações, assume que a exposição de momentos intímos de uma relação nas redes sociais pode ser uma tentativa de atingir um ideal que não corresponde à realidade.

“Consciente ou inconscientemente, é possível que o recurso às redes seja uma forma de projetar a relação ideal que desejavam ter e que não têm, como se procurassem criar uma realidade diferente da existente”, afirma a psicóloga.

De acordo com a especialista, é possível que existam casais em que as constantes demonstrações públicas de afeto traduzam inseguranças e insatisfação na relação.

“Estes são os casos dos casais que admiramos online e que depois, quando estamos com eles pessoalmente, não sentimos a cumplicidade projetada nas redes sociais, muitas vezes, até pelo contrário”, lamenta Filipa Jardim da Silva.

O que nos leva a partilhar a nossa intimidade

A partilha pública dos detalhes de uma relação traduz também valores pessoais e características individuais, explica a especialista, considerando que “consoante a educação, crenças e às vezes até contextos profissionais, poderá fazer mais sentido a um casal partilhar menos ou mais da sua vida íntima”.

Filipa Jardim da Silva acrescenta que antes de publicar um momento online, é importante questionar-se sobre o porquê de o querer fazer nas redes sociais.

“Quando a resposta que surge traduz insegurança na relação, preocupação com a perceção dos outros, vontade em projetar uma determinada realidade ou comparação e ou rivalidade com outras pessoas, então poderá ser importante parar e refletir sobre a informação recolhida”, afirma a psicóloga clínica.

Por outro lado, Filipa Jardim da Silva refere também que se a resposta encontrada “traduzir serenidade, afeto genuíno e alinhamento com a realidade real, então possivelmente é uma informação que aponta para uma partilha pública de afetos saudável e alinhada com caraterísticas de personalidade”.

Os casais jovens expõem mais a sua vida?

Pare um segundo e tente recordar-se do seu primeiro namoro no liceu ou na faculdade. Caso já existissem redes sociais nessa época, é provável que se lembre de alguns momentos mais íntimos que foram parar às páginas de hi5 ou Facebook.

Na verdade, seja devido à imaturidade da idade ou à ânsia em partilhar com os pares a felicidade ou o momento que estão a viver, existe uma tendência para os mais jovens serem mais facilmente seduzidos pelo mundo online, principalmente na era atual, em que partilhamos quase tudo nas redes, desde o almoço ao look do dia.

Filipa Jardim da Silva reforça que não existem regras e casais de todas as idades poderão partilhar publicamente o que sentem.

“Ainda assim, proporcionalmente, tenderemos a encontrar mais casais jovens a partilhar publicamente o que sentem com muita frequência, sobretudo face à intensidade dos afetos que a experiência da relação lhes oferece”, afirma a especialista.

É importante que o casal esteja de acordo — também nas partilhas online

Como em quase tudo na vida, importa encontrar um equilíbrio no que é partilhado nas redes sociais e também é imperativo que um casal esteja de acordo na forma como a sua intimidade é exposta ao mundo.

“Se a exposição não estiver alinhada com os dois elementos do casal, por exemplo, poderá gerar uma sensação de desrespeito e até de perda de privacidade por parte da pessoa que não se revê neste nível de partilha pública”, explica Filipa Jardim da Silva, que considera importante que este seja um tema sempre falado a dois, para garantir um consenso relativo.

É natural que surjam dúvidas, sobretudo quando o afeto e os sorrisos aumentam quando o flash dispara e diminuem quando este se desliga."

A especialista acrescenta que, “quando existe uma assimetria, em que uma das partes quer sempre encontrar o melhor ângulo fotográfico em muitos momentos a dois para partilhar online e a outra parte quer sobretudo viver o aqui-e-o-agora, podem surgir inseguranças e questões sobre as motivações da partilha”.

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Serão tradutoras de afeto ou indicam que é mais importante mostrar a relação amorosa, por estatuto ou popularidade, do que realmente vivê-lo e experiênciá-lo?

“É natural que surjam estas dúvidas, sobretudo quando o afeto e os sorrisos aumentam quando o flash dispara e diminuem quando este se desliga. Na mesma linha de raciocínio, na era atual, corremos o risco de investir excessivamente numa realidade projetada que é necessariamente distinta da realidade real, a nível individual e conjugal”, salienta a psicóloga clínica.

Quando existe mais investimento e dedicação ao que se partilha online do que à realidade real, Filipa Jardim da Silva alerta que “a relação pode ressentir-se e perder força. A verdadeira felicidade vem da qualidade de atenção dedicada ao momento presente, pelo que é sempre importante que, com mais ou menos demonstrações públicas de afeto, não percamos de vista o essencial”.