Ângelo Rebelo é um dos nomes mais conhecidos em Portugal quando falamos de cirurgia estética. Com uma carreira de 40 anos em Medicina, e três décadas de experiência na especialidade de cirurgia plástica, o fundador e dono da Clínica Milénio é também conhecido como o cirurgião dos famosos — ou não passassem pela sua clínica muitas celebridades, com as festas de aniversário da Milénio a ilustrarem as páginas das revistas cor de rosa.

Mas Ângelo Rebelo vai muito mais além do que operar pessoas conhecidas. Homem de ação, é o primeiro a salientar que a medicina estética trata doentes, ajuda pessoas e ampara-as na sua busca por mais auto-estima e bem-estar. Não tem problemas em afirmar que é totalmente a favor de operar adolescentes, desde que seja para os ajudar e não para os colocar igual a um qualquer look inatingível.

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E mesmo numa altura em que cada vez mais se fala de beleza natural, é contra fundamentalismos. "Não podemos ignorar, nem ser fundamentalistas ao ponto de termos uma pessoa de 150 quilos à frente e dizer que aquela pessoa não é gorda nem obesa. É gorda, é obesa, e pode-se tratar", salienta o médico cirurgião em entrevista à MAGG.

Quis o destino que 2020, ano em que comemora 40 anos de carreira, fosse também o ano da COVID-19, algo que não tem problemas em afirmar que prejudicou a sua atividade, tal como tantas  outras à volta do mundo. Mas salienta que o caminho é para continuar.

Numa entrevista sobre o seu percurso de vida, mas também sobre as tendências de estética atuais, pandemia e muito mais, fomos de 1980, ano em que Ângelo Rebelo se licenciou em Medicina, até 2020.

Porquê a Medicina? Foi influenciado por alguém de família?
Não, não tenho nenhumas influências familiares, nenhum médico na família. Mas desde miúdo que sempre gostei muito de brincar aos médicos. Entretanto fui crescendo, não era muito virado para as letras e sempre gostei mais das ciências. Cheguei a fazer um teste psicotécnico com cerca de 15 anos que confirmou a minha tendência para ciências. Mesmo quando estava a começar o liceu, tinha alguns amigos que trabalhavam a ajudar no Instituto Português de Oncologia (IPO), e a minha tendência para a área da saúde era tão grande que fui falar com eles para saber como é que eu conseguia entrar também — até porque estava habituado a trabalhar e a estudar ao mesmo tempo. Acabei por entrar para o IPO com 18 anos, e fiz o meu curso todo de Medicina a trabalhar lá.

Já a estudar Medicina, acaba por se interessar pela cirurgia plástica.
Quando eu entro em Medicina, já tinha mais ou menos definido na minha cabeça que queria seguir a especialidade de cirurgia. Queria ação, queria cortar. Até comecei a frequentar as autópsias de forma voluntária para conhecer bem o corpo humano. Depois, de forma voluntária também, comecei a frequentar as urgências e acabei por ter contacto com a cirurgia. Já estava no quinto ano da especialidade quando pedi para começar a fazer bancos de cirurgia plástica, e inspirado pelos ensinamentos do professor Batista Fernandes e também do ambiente das urgências, de ver o que se passava ao vivo, percebi que era aquilo que queria fazer e ia lutar por o conseguir.

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Ângelo Rebelo celebra 40 anos de carreira em 2020. Carlos Ramos

A cirurgia plástica em contexto de urgência é muito diferente da ideia que temos de cirurgias electivas, certo?
As urgências são muito marcantes, são uma escola impressionante. Um médico tem de passar pelas urgências para saber lidar com situações de imprevistos que podem surgir mesmo no nosso dia a dia. Foi uma experiência muito interessante. Falando da minha especialidade, temos contacto com acidentes, queimados, grandes traumatizados, são perdas de partes do corpo. Sobretudo naquela época, nós fazíamos tudo, operávamos tudo. Foi uma escola muito interessante e, graças a isso, comecei a frequentar a outra parte da cirurgia plástica, a cirurgia programada.

"A maioria da cirurgia estética não é apenas pelo belo prazer de as pessoas quererem alterar coisas — isso é um preconceito errado"

Fui tendo contacto com esse lado, trabalhei muito junto do Dr. Manuel Barreto, e ele convidou-me para trabalhar com ele no setor privado, onde se fazia cirurgia estética. E aprendi e fiquei com esse bichinho a partir dessa altura. Achei que a cirurgia estética era a cereja no topo do bolo.

O que é que tornou a cirurgia estética tão apelativa para si?
A transformação. Enquanto que na cirurgia reconstrutiva estamos a repor algo que foi estragado, aqui estamos a alterar, a transformar algo que as pessoas não gostam ou que as prejudica mesmo. Aliás, a maioria da cirurgia estética não é apenas pelo belo prazer de as pessoas quererem alterar coisas — isso é um preconceito errado.

Não se trata apenas de vaidade ou devaneio, a percentagem de pessoas que o faz por essas razões é mínima. Tudo o resto da cirurgia estética tratam-se de situações que têm de ser tratadas de um ponto de vista cirúrgico, que não têm outra solução. Uma gigantomastia (mamas gigantes) em crianças de 13 anos ou mulheres de 50 é uma situação que não é comportável com a vida saudável das pessoas. E tal como este exemplo, há muitos. Não é o caso de Portugal, nem de muitos países europeus, mas há países em que a cirurgia estética é contemplada nos serviços nacionais de saúde.

Acha que Portugal deveria ter a especialidade mais contemplada no Serviço Nacional de Saúde?
Claro. Eu, como especialista na matéria, acho que sim, e ficava muito feliz de as pessoas todas terem acesso à cirurgia estética. Mas temos de ser realistas, e olhando para o sistema que temos, há outras prioridades. Isto tinha de existir uma grande transformação para todas as áreas serem contempladas sem prejuízo ou em detrimento de outras. E para isso tem de haver muito esforço e organização política.

"No meu dia a dia, altero a vida de muita gente"

Já falámos que a cirurgia estética pode ser conotada com futilidades. Mas não é também uma forma de as pessoas recuperarem autoconfiança e amor próprio?
Claro, faz parte da saúde da pessoa. Obviamente que uma pessoa que não está bem, e que tem uma autoestima destruída por isto ou por aquilo, isso vai-se repercutir em tudo, desde a vida familiar, afetiva, profissional. Uma pessoa que não está bem consigo produz menos, produz contrariada, mal. No meu dia a dia, altero a vida de muita gente. Pessoas que entravam na minha consulta apagadas, com uma apresentação cabisbaixa, e que, nos pós-operatórios, foram florescendo e ganhando uma atitude mais extrovertida e desinibida. A maneira de vestir muda, muda tudo, mesmo a nível pessoal e de relação com os outros.

Atualmente, quais são as maiores tendências de cirurgia estética?
Nas mulheres, é a mama. Se até aqui há uns anos as gorduras e as lipos eram a tendência número um mundial, agora é a cirurgia da mama, sem dúvida. Há muita gente a procurar esta cirurgia. Mas é preciso perceber que isto não se resume a próteses, e sobretudo nos últimos meses, as cirurgias sem próteses estão a crescer muito. Noto muito isto nas consultas, muitas mulheres vêm com a ideia fixa das próteses, mas nem sempre é assim. As próteses são só um complemento, usado em situações específicas. A forma da mama deve-se à cirurgia em si, e às nossas técnicas.

As mulheres continuam a ser quem procura mais a cirurgia estética?
Sim, continuam. Neste momento já temos cerca de 20% de homens a requerem estas cirurgias e, se forem mais novos, procuram muito a remoção de gorduras. Já na meia idade, as cirurgias de rejuvenescimento do rosto, liftings, são das mais procuradas.

Mas atenção que nem tudo na medicina estética é cirúrgico, até porque esta é uma área que beneficiou de avanços brutais nos últimos tempos. E há muitos tratamentos que podem ser feitos em substituição de cirurgias, mas temos de perceber o indicado e recomendado para cada pessoa. Tanto em medicina como na cirurgia, há que ser especialista, há que ser formado nas áreas que se pretende atuar. As pessoas que procuram tratamentos estéticos, seja em medicina ou cirurgia, devem procurá-los nos sítios adequados e com pessoas adequadas, e não devem ter vergonha nem medo de perguntar a especialidade do médico que têm à sua frente e a experiência na área que a vai tratar.

Eu, cirurgião plástico e estético, no passado, fiz tudo. Com o desenvolver dos anos, fui aperfeiçoando, o que significa que não faço tudo o que fazia há uns anos. Preferi optar por reduzir o número de coisas que fazia e aperfeiçoar-me nas áreas que continuei a fazer, e tenho outros colegas que fazem o que eu não faço. Aqui na clínica, fazemos tudo, mas eu não faço tudo — faço aquilo a que me dediquei e que achei que devia fazer melhor.

Hoje em dia fala-se cada vez mais de beleza natural e de aceitação do corpo. Notou um decréscimo das cirurgias estéticas nos últimos tempos?
O que é feio para um, é bonito para outro, por isso prefiro falar do bem-estar da pessoa. Não podemos ignorar, nem ser fundamentalistas ao ponto de termos uma pessoa de 150 quilos à frente e dizer que aquela pessoa não é gorda nem obesa. É gorda, é obesa, e pode-se tratar. E quando tenho uma situação dessas na minha consulta, ajudo essa pessoa e quero ajudar porque, em primeiro lugar, estamos a falar de saúde. Depois vem a parte estética.

Na minha experiência, o que acontece hoje em dia é que as pessoas têm mais informação. E atualmente também ninguém gosta de procurar uma cirurgia e obter um resultado artificial. Na minha forma de trabalhar, eu sempre procurei uma forma de naturalidade e acho que isso também é uma chave para um determinado tipo de sucesso. As pessoas não vêm procurar uma cirurgia preocupadas em ficar deformadas ou com um ar artificial. No passado, acontecia muito — e ainda acontece muito pontualmente — entrarem-me pessoas no consultório a dizer que estiveram anos a pensar na cirurgia porque tinham medo de ficar alteradas e deformadas. E isso é válido, porque existiam técnicas que provocavam alterações artificiais nas pessoas. Eu não sou defensor desse tipo de operações, mas sim de um look natural. Gosto de resultados o mais naturais possíveis, sem qualquer tipo de artificialismo, e isso nota-se muito nas cirurgias e nos tratamentos de rosto. Mas atenção que sigo a mesma linha nas cirurgias de corpo.

Já lhe aconteceu recusar cirurgias por ver pessoas com muita coisa já feita e cujos resultados pretendidos iam ficar demasiado artificiais?
Claro, recuso cirurgias com alguma frequência por esses motivos e por outros. Aqui o importante é perceber que numa consulta de cirurgia estética é fundamental existir uma frontalidade do médico, honestidade e empatia entre doente e médico.

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O cirurgião plástico é fundador e proprietário da Clínica Milénio. Direitos reservados

Esta empatia é mais de metade do êxito que se pretende. E tem de se perceber a expectativa que o doente traz para uma consulta destas. Às vezes, a expectativa não é aquela que o cirurgião pode dar como resultado e isso tem de ser muito bem ponderado, o especialista tem de ter capacidade para travar essa falsa expectativa e explicar à pessoa o que consegue e não consegue fazer.

Qual é a sua posição em relação às cirurgias estéticas em adolescentes e, falando aqui mais de mulheres, dado que são a maioria, raparigas muito jovens?
Sou totalmente a favor. Os adolescentes têm todo o direito a ser tratados, não têm de ser marginalizados nem postos de parte só porque estão dependentes de um número que está no cartão de cidadão. Isso é uma coisa que eu nunca aceitei. Eu sou médico, e ponho sempre o meu juramento como médico como prioridade. E isso significa que se uma jovem de 13 anos me aparece com uma gigantomastia, com três quilos de mama em cima, eu não percebo porque é que eu não hei-de ajudar essa jovem. Claro que nestas idades há sempre o aspeto legal, mas muitas são as vezes que os menores de idade já aparecem em consulta com o encarregado de educação.

"Sou totalmente a favor [de cirurgias estéticas em adolescentes].Têm todo o direito a ser tratados"

Claro que se me aparece aqui uma criança a dizer que quer ficar igual a X ou Y, e eu vejo que não existe nada a ser tratado, claro que é demovida disso. Mas se tenho uma miúda com quilos de mama em cima, se tem orelhas de abano —  algo que afeta muito o crescimento das crianças e que eu aprendi que deviam ser operadas desde cedo —, isso é diferente.

Falando do contexto atual que Portugal e o mundo atravessa com a pandemia da COVID-19. Como é que tudo isto está a afetar o seu setor e a sua clínica?
Claro que afetou, principalmente no primeiro confinamento. Estivemos dois meses praticamente parados. Agora temos lutado para levar tudo para a frente, tenho pessoas que têm de ser acompanhadas, sempre com os devidos cuidados de segurança e com as normas impostas pelas autoridades de saúde. Mas também toda a vida, com a minha experiência de 40 anos, trabalhei com normas e regras de segurança. Nunca operei ninguém sem pedir exames e análises, por exemplo. A pandemia é um fenómeno que afetou tudo e todos mas, a mim, a única diferença é que tenho de pedir um teste de COVID antes de operar. Mas não deixei de operar por causa disto, tudo foi seguido ao detalhe.

Mas claro que a pandemia trouxe muita coisa negativa. Para além de ter estado parado dois meses, ainda não consegui recuperar a 100% o movimento que tínhamos antes disto. O que noto é que as pessoas que vêm à consulta agora são pessoas mais desinibidas, e não tão influenciáveis pelo medo e pelo pânico que está instalado. Pessoas que até aproveitaram este tempo mais paradas para pensar em si e decidem cuidar de si.