Há sítios onde a luz do dia não brilha ou, pelo menos, não devia brilhar – e o períneo é um deles. Mas as redes sociais, desde 2019, têm contrariado esse princípio. E, acredite ou não, apanhar sol nesta zona do corpo tem ficado cada vez mais popular por todos os benefícios que alegadamente acarreta.
Claro que quem começou a apanhar sol nesta zona do corpo teve de descobrir a prática em algum lado e tudo aponta para que se tenham inspirado no taoísmo, segundo a "Healthline". Esta é uma filosofia chinesa assente no princípio de que os humanos devem viver em harmonia com a natureza.
É por isso que, de acordo com esta, o períneo é tão importante, sendo que se constitui como o portão da vida e da morte. Fechar esse portão, ou seja, contrair o pavimento pélvico e apertar o períneo, “impede a libertação da energia sexual" que, por sua vez, prejudica a sua transformação em "energia vital vital e espiritual”.
De facto, é simples de nos rendermos ao "Perineum Sunning". Basta dar o corpo ao manifesto, que é como quem diz despir as cuecas e virar o traseiro em direção à luz solar (não conseguimos ser mais explícitos que isto). E, segundo a opinião (ênfase neste termo) de quem o faz, 30 segundos nessa posição são sinónimo de uma quantidade infindável de benefícios – mais vitamina D, mais energia, um sono mais tranquilo e um maior prazer sexual são apenas alguns.
Talvez até compensasse, se os benefícios fossem comprovados, mas a segurança e a viabilidade desta prática não são propriamente bem vistas pelos especialistas. É que esta parte do corpo, que fica entre o ânus e o escroto, no caso dos homens, e a vulva, no caso das mulheres, acolhe uma grande parte das terminações nervosas e dos vasos sanguíneos responsáveis por estimular os órgãos genitais. E como a pele desta zona é muito fina, apanhar sol de forma descuidada pode não ser a opção mais inteligente, aponta a "Health".
A teoria cai por terra a partir do momento em que olhamos para factos científicos. Primeiro, é indiscutível que receber vitamina D faz maravilhas. Esta substância forma-se no nosso corpo depois de os raios solares penetrarem a pele e desempenha várias funções, como a formação e a manutenção dos ossos, a absorção de cálcio e o funcionamento adequado de uma série de órgãos. Mas para isso acontecer, era preciso apanhar sol mais do que 30 segundos – mas nunca mais do que 15 minutos.
Além disso, a nossa pele "reage à exposição a raios ultravioleta da mesma forma, quer seja através do períneo ou da cara", frisa Susan Bard, médica dermatologista, em declarações à "Healthline". Isto significa que apanhar sol nesta zona é, por outras palavras, um desperdício de tempo, porque podemos obter os mesmos benefícios recorrendo à exposição de outras partes que, normalmente, já estão à vista.
No que diz respeito à libido, também não há ciência que comprove uma relação direta entre apanhar sol e o aumento do prazer sexual. Quanto ao aumento da energia e ao sono tranquilo, a exposição solar pode, sim, ter influência, mas nada tem que ver com o períneo.
Da mesma forma que ficou popular, os especialistas também já começaram a recorrer às redes sociais para alertar para os perigos do "Perineum Sunning". Zain Husain, médico dermatologista, relembrou os utilizadores do Tiktok de que a pele desta parte do corpo "é particularmente sensível". E é por isso que é mais propensa às queimaduras solares, conhecidas vulgarmente como escaldões. E como geralmente também não fica exposta ao sol, o risco de uma queimadura acaba por ser muito maior – e os traumas na região íntima, por sua vez, são dolorosos e demoram a cicatrizar.
Já para não falar de que essas queimaduras podem transformar-se em patologias piores. Por exemplo, se tivermos em conta estudos como os levados a cabo pelo jornal científico "JMIR Dermatology", percebemos que a exposição da pele aos raios ultravioleta aumenta o risco do cancro de pele – e aqueles que se desenvolvem em áreas menos visíveis, como o períneo, geralmente são mais graves.
Resumindo e baralhando, é seguro dizer que, neste caso, o períneo não é para brincadeiras. Até porque pode obter os mesmos benefícios apanhando sol noutras zonas que já estão à vista, assim como através da prática de exercício físico e uma alimentação saudável, por exemplo.