Na conferência de imprensa de domingo, 22 de março, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, pediu aos portugueses para pararem de comprar máscaras de proteção, porque, de acordo com o que disse, "aquele pano [máscara] não é impermeável, vai ficar húmido, os vírus vão passar, portanto não vale a pena". Esta frase levanta várias dúvidas. Então afinal "não vale a pena" os infetados usarem máscara para evitar a transmissão uma vez que o vírus passa na mesma? E os não infetados não a deverão usar porque a máscara não os protege? Será que é mesmo assim?

E quanto aos médicos? Em blocos operatórios ou alas infecciosas, sempre usaram máscaras cirúrgicas, as mesmas que as pessoas passaram a usar na rua. Quer dizer que também eles estão constantemente desprotegidos? Depois de Graça Freitas defender que as máscaras criam a ideia de falsa proteção e apelar à importância do distanciamento social, é normal que muitos tenham ficado confusos quanto à eficácia das mesmas.

Máscaras só dão "falsa sensação de segurança", alerta a Diretora-Geral da Saúde
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A MAGG foi à procura de respostas para perceber afinal o que está aqui em causa: uma real ineficácia das máscaras ou um discurso na tentativa de travar a população na corrida às máscaras que começam a escassear para o pessoal médico?

Quais as máscaras que protegem efetivamente?

Nem sempre o que é mais caro significa que é melhor, mas no que toca às máscaras esta ideia pode ser aplicada. As mais eficazes, de acordo com a DGS, são as FFP2 que têm capacidade de filtração e retenção de partículas. Só que além de caras, só são normalmente utilizadas por médicos e pessoal de enfermagem em situações particulares. Além destas existem ainda as N95 (vulgarmente conhecidas como bico de pato) que também evitam a entrada de partículas.

No que diz respeito a todas as outras máscaras, como as cirúrgicas, este "é um tema que tem muito que se lhe diga", diz à MAGG Almeida Nunes, médico de medicina interna no Hospital Lusíadas de Lisboa.

Isto porque há vários riscos associados. Um deles é o facto de a pessoa que usa a máscara (ou luvas) ter uma falsa sensação de proteção, tal como indicou Graça Freitas em comunicado. Outro deles é o mau uso da mesma: "Já ouvi que as máscaras podem ser um foco de proliferação da infeção. É evidente que se eu usar a mesma máscara um, dois, três dias seguintes, obviamente que isso vai acontecer", refere o especialista Almeida Nunes.

Ainda assim, fica por perceber porque é que Graça Freitas vem agora dizer que as máscaras cirúrgicas não protegem quando até ao momento têm sido indicadas pela DGS para pessoas com COVID-19 e usadas para uso dos profissionais de saúde.

Ana Vera-Cruz, médica do serviço de medicina interna no Hospital de Santarém, parece ter a resposta: "Os profissionais de saúde são dotados de formação para a utilização correta e segura de máscaras, além disso as máscaras que são utilizadas pelos profissionais de saúde no tratamento do COVID-19 não são as mesmas que as pessoas normalmente compram e utilizam, vulgarmente conhecidas por máscaras cirúrgicas. São máscaras dotadas de um mecanismo capaz de filtrar partículas minúsculas", esclarece.

As máscaras que usamos na rua, explica a médica Ana Vera-Cruz, funcionam apenas como uma "barreira física que impede a projeção de grandes partículas expelidas pelo utilizador, mas não possui nenhum mecanismo que faça a filtração". Contudo, e ainda que a DGS indique que as máscaras devem apenas ser usadas por pessoas infetadas, o médico de medicina interna Almeida Nunes mostra-se ainda favorável quanto ao seu uso por pessoas não infetadas quando vão, por exemplo, à farmácia ou ao supermercado.

Só que nestes casos deve ser usada de forma descartável para garantir a higiene e segurança e o problema é que já não há máscaras suficientes, quer para a população, quer para os profissionais de saúde, levando as pessoas a usá-las de forma incorreta. Será então por isso que a diretora da DGS disse que "não vale a pena" usar máscara de forma a reduzir a compra das mesmas?

Medidas do Governo

De acordo com o especialista Almeida Nunes, "deveria ter sido prioritário o Governo português ter acautelado a proteção de todos os profissionais de saúde e não o fez devidamente". Isto porque, uma vez que já tínhamos o exemplo do que estava a acontecer noutros países asiáticos e europeus, desde início do surto em Portugal (ou antes) devia ter sido elaborado um plano de contingência.

"As nossas autoridades governamentais deviam ter em linha de conta que presumivelmente iríamos ter necessidade de X máscaras de proteção, X kits e já nem falo de ventiladores, porque é uma política muito mais dispendiosa e difícil — ainda que também nesse aspeto deveríamos ter acautelado muito melhor", refere.

A juntar à falta de precauções do Governo, Graça Freitas, no briefing do Ministério da Saúde, esta segunda-feira, 23 de março, disse que a compra de material será feita na medida do necessário, o que, na opinião do médico de medicina interna Almeida Nunes, também não está correto e devia estar a ser feita uma compra atempada para ter em armazém de forma a não haver (mais) faltas — porque já existem. "Há muitos médicos, enfermeiros, técnicos de radiologia, a trabalhar sem proteção", acrescenta.

Não estou infetado. Vale a pena comprar máscaras?

A resposta é não. "Não se justifica uma corrida às máscaras cirúrgicas, uma vez que a sua utilização visa apenas impedir a propagação do vírus. Excetuando os casos que têm indicação médica para a utilização de máscaras, as pessoas não beneficiam em utilizá-las. Muito pelo contrário", defende a médica de medicina interna Ana Vera-Cruz e membro do grupo de médicos no Facebook que se disponibiliza a esclarecer dúvidas online.

É por isso que a médica de medicina interna Paula Pereira explica à MAGG que a máscara não é o mais importante para nos protegermos: "Obviamente que o facto de usar máscara não substitui a higiene das mãos e o distanciamento adequado, etc. Todos os procedimentos juntos é que vão evitar o contágio", esclarece.

Em que situações devem então ser usadas? Apenas mediante recomendação médica e segundo as indicações de segurança, ou seja, deve ser trocada sempre que estiver suja ou húmida ou mais precisamente "ao final de 4 horas mesmo que pareçam bem", refere a médica Paula Pereira. A especialista acrescenta ainda que devemos evitar tocar na máscara com as mãos.

A melhor forma de se proteger é então, de acordo com a médica Ana Vera-Cruz, cumprir com o isolamento social e as medidas de higiene e segurança. Estas últimas devem ser aplicadas sempre que tenham de sair de casa e passam por aquelas que já ouvimos várias vezes, mas que nunca são demais reforçar.

  • Manter uma distância de pelo menos dois metros em relação a outras pessoas;
  • Sempre que tocar numa superfície ou objeto manuseado por outras pessoas deve lavar ou desinfetar as mãos imediatamente para evitar contaminar-se a si e aos seus objectos pessoais;
  • Não deve tocar na cara (em especial nos olhos, nariz e boca) sem lavar ou desinfetar previamente as mãos.
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Outras práticas também recomendadas, e não tão usuais, são sugeridas pela médica Ana Vera-Cruz: "Utilização de calçado especificamente para quando sai de casa e, ao chegar, mantê-lo num lugar isolado, junto com a roupa utilizada. Tomar um duche e posteriormente vestir roupa lavada. Devem também ter o cuidado de higienizar os objectos manuseados com frequência como telemóvel ou chaves".