A escalada de novos casos de CODIV-19 nos últimos dias tem levado a várias reuniões governamentais e à aplicação de medidas inéditas e imediatas. O País passou para estado de alerta, mas o passo seguinte nunca foi dado em democracia, o de instituir um estado de emergência.

De acordo com a Constituição da República Portuguesa (CRP), o estado de emergência, tal como o estado de sítio, é aplicado numa situação de ameaça à soberania, à independência, à integridade territorial. "Podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública".

A aplicação deste ponto da CRP pode vir a acontecer em Portugal e pode ser um dos temas a discutir já na manhã desta quarta-feira, 18 de março, na reunião que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, convocou com o Conselho de Estado. Ainda que António Costa se tenha mostrado reticente no comunicado à comunicação social feito este domingo, 15 de março, quanto à aplicação desta medida, a palavra final é de Marcelo Rebelo de Sousa.

No Twitter Rui Rio, que apoia a declaração do estado de emergência, refere que "mais vale prevenir do que remediar", mas pode não ser assim tão simples. Que implicações é que isso pode ter no nosso dia a dia? O que é que está em causa nesta medida que nunca foi acionada em Portugal? A MAGG foi descobrir as respostas junto da constitucionalista Teresa Violante.

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Afinal, o que é o estado de emergência?

"Temos uma figura mais geral que é chamada de estado de exceção que no nosso sistema compreende o estado de sítio e o estado de emergência. São situações em que acontecem eventos externos que de alguma forma põem em causa o estado de normalidade constitucional", explica à MAGG a constitucionalista.

Podem ser situações que coloquem em causa a integridade do estado ou a soberania, no caso do estado de sítio — que não se aplica à situação de pandemia que estamos a viver — ou a situações de calamidade pública em que se recorre ao estado de emergência.

Este é então o que melhor responde à ameaça de propagação do COVID-19 em Portugal e permite dotar os poderes públicos de autoridade reforçada para fazer frente a situações de calamidade, como é o caso da suspensão de algumas liberdades e garantias dos cidadãos. 

O estado de emergência é, no fundo, uma medida apenas conhecida na teoria, uma vez que desde que foi aprovada a Constituição de 1976 não foi acionado nenhum dos estados de exceção em Portugal: "Estamos a andar em território desconhecido", diz Teresa Violante.

O único registo que existe é de 25 de novembro de 1975, data em que foi decretado o estado de sítio em Portugal, conforme lembrou o primeiro-ministro, António Costa, no comunicado deste domingo, 15 de março.

Quem pode declarar estado de emergência?

O estado de alerta é um mecanismo também usado para situações de catástrofe, mas com uma menor gravidade. O estado de emergência, tal como está configurado na CRP, não é uma faculdade, mas sim, de acordo com Teresa Violante, um dever do Estado: "Deve ser acionado sempre que a situação é de tal modo grave que põe em causa a integridade do Estado, o bem estar das populações e a saúde das populações".

E parece que a gravidade pode justificar a aplicação do estado de emergência, que para ser formalizado envolve três órgãos de soberania — o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo. É o Presidente da República quem tem competência para o decretar, ainda que este não o possa decidir de forma autónoma.

O processo começa com uma audição do Governo, passa para autorização da Assembleia da República (sem ser necessário reunir o plenário dado que pode ser dada pela Comissão Permanente), só então é decretado pelo Presidente da República e só no fim deve ser sujeito a referenda do Governo.

O que significa então o Conselho de Estado desta quarta-feira? "Na minha opinião, se estiver em causa o equacionamento e uma ponderação séria do estado de emergência, a convocação do Conselho de Estado pode até ser desaconselhada, porque estamos a falar de dados que têm uma natureza urgentíssima à luz da Constituição e da lei", refere a constitucionalista, acrescentando ainda que o Conselho de Estado não é de mobilização obrigatória para aplicar o estado de emergência.

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Que implicações tem o estado de emergência no nosso dia a dia?

É difícil saber para já que implicações específicas pode ter na vida dos portugueses. Isto porque a CRP prevê a aplicação da medida, mas requer um plano com regras especificas a aplicar. Neste plano é especificado o porquê de recorrer à medida, quais os direitos, liberdades e garantias afetados e a duração do estado de emergência.

Mas à luz do que tem acontecido em países como Espanha e Itália, onde cada cidadão tem de preencher uma declaração oficial que o autoriza a circular, como é o caso de profissionais de saúde que se deslocam para o trabalho, e serve para exibir às forças de segurança caso sejam interpelados na rua, o mesmo pode vir a acontecer em Portugal.

"A declaração do estado de emergência terá de especificar procedimentos para a aplicação da suspensão da liberdade de circulação. Por exemplo, procedimentos a adotar no caso em que a liberdade de circulação é imprescindível para garantir o direito à vida ou à saúde", refere Teresa Violante.

Contudo, há direitos que nunca podem ser restringidos, como é o caso do direito à vida, direito à integridade pessoal, direito à consciência e religião, direito de defesa em processo crime e a não retroatividade da lei criminal. Ou seja, significa que só podem ser objeto de suspensão aqueles direitos cuja suspensão seja indispensável para dotar os poderes públicos para enfrentar o perigo que corre.

A liberdade de expressão não parece estar em causa, de acordo com as declarações do primeiro-ministro este domingo: "Do conjunto dos direitos, liberdades e garantias dos portugueses aquele que podia estar em causa numa circunstância destas tem a ver com a liberdade de circulação, porque nada justifica a limitação de liberdade de expressão, de comunicação, de informação, ou de acesso a documentos administrativas".

O que pode então estar em cima da mesa? A limitação do direito ao livre movimento, ainda que haja permissão para aquisição de bens essenciais (compra consciente de alimentos) e deslocação a hospitais ou farmácias. As restrições podem ser maiores quanto à liberdade de manifestação, reunião e direito à greve.

O mesmo não se aplica no direito à justiça: "O funcionamento dos tribunais nunca pode ser suspenso. O que pode suceder é que o estado de emergência estipule que apenas vão funcionar os tribunais comuns", esclarece Teresa Violante.

Pode ainda acontecer que a circulação de mercadorias seja afetada, mas a declaração tem de estipular regras nesse sentido: "Se vier a existir, fará a pormenorização sobre como devem circular, em que horários, e a cadência, para garantir o abastecimento de bens essenciais, tanto para as pessoas como para estabelecimentos de saúde, por exemplo".

Duração do estado de emergência

Infringir as regras estabelecidas no plano do estado de emergência não é tão simples quanto uma chamada de atenção das autoridades: "Incorre em crime de desobediência. Pode ser punido com pena de prisão ou com pena de multa. No caso de ser um crime de desobediência simples, por exemplo, pode levar a uma pena de prisão até um ano", adianta Teresa Violante, acrescentando que a pessoa pode ainda ser detida no momento imediato de infração.

A declaração de estado de emergência tem um prazo de 15 dias — que podem ser renovados sem limitações de tempo — e no fim de cada período de 15 dias os três órgãos de soberania que oficializam o estado de emergência, são os mesmos que revêm o plano aplicado e fazem os ajustes ou cessão necessária.

"As preocupações da Constituição são garantir que, sob a carta de um estado de emergência, não caminhamos para uma ditadura, por exemplo. Daí a necessidade do envolvimento destes três órgãos", conclui a constitucionalista.