Não evita de forma absoluta o aparecimento de doenças, mas a atividade física, conjugada com uma boa alimentação e descanso suficiente, é uma poderosas arma de prevenção. Da mesma forma, também funciona como escudo no tratamento de doenças oncológicas, ao fortalecer os músculos, tecidos absolutamente fundamentais quer para uma melhor qualidade de vida do doente, quer para a reação a todo o processo de tratamento. O excesso de massa gorda terá, logicamente, o efeito inverso.
A propósito do Exercise Summit, que decorreu no passado sábado, 12 de maio, no Lagoas Park, em Oeiras, a MAGG falou com Marília Cravo, oradora na conferência “Exercício em doentes oncológicos: Qual, porquê e para quê?”.
A médica, com área de atividade em gastrenterologia e risco oncológico e exames endoscópicos de gastrenterologia, defende que um doente com cancro não deve deixar de treinar. E se não tinha esse hábito, deve adquiri-lo. Investigações já o provaram: todos devemos fazer exercício porque, não havendo garantias de saúde eterna, um corpo forte, com uma boa composição de massa magra (a muscular) luta muito melhor do que um que tenha uma estrutura débil.
Melhor reação aos tratamentos
De acordo com a médica, o mundo ocidental atravessa uma “epidemia de excesso de peso ou obesidade, que não escapa mesmo às pessoas doentes.” Marília Cravo esteve envolvida em estudos com pacientes com cancro gástrico e do pâncreas e, apesar de serem dois grupos "que, à partida, teriam dificuldades alimentares e desnutrição, entre 40% a 50% tinham excesso de peso ou obesidade."
Este excesso de peso interfere na forma como pessoas com cancro reagem aos tratamentos, pois “encobre muitas vezes uma situação caracterizada simultaneamente por perda de massa muscular concomitantemente com aumento da gordura visceral, intra-abdominal”, explica. Este cenário, depleção de músculo esquelético e excesso de gordura abdominal é designado por obesidade sarcopénica", acrescenta. Daqui resultam vários problemas, incluindo uma menor tolerância ao tratamento de quimioterapia, devido a um efeito tóxico maior, que poderá levar a uma "menor sobrevida [tempo de vida a partir do diagnóstico] a longo prazo."
A que se deve esta toxicidade? Os fármacos utilizados para o tratamento da quimioterapia são hidrossolúveis e o músculo tem água, ao contrário da massa gorda, que é isenta. Por isso, quando um paciente tem pouca massa magra e excesso de massa gorda, é possível que lhe sejam dadas "doses tóxicas", uma vez que na prescrição é tida em conta apenas a superficie corporal total, sem se considerar a divisão do peso pelos diferentes tipos de massa.
É isto que faz com que “o aumento da massa muscular e a redução da gordura abdominal aumentem a tolerância aos tratamentos contra o cancro".
Gera menos complicações em cirurgias
Pelos mesmos motivos, a sarcopénia está também associada a “maiores complicações pós-operatórias", o que poderá resultar também numa "menor sobrevida a longo prazo.”
"O exercício físico, associado a uma nutrição adequada, pode ajudar a combater a perda de massa muscular." É, no entanto, importante que seja adaptado ao doente diagnosticado, ou seja, a atividade física tem de ser adaptada ao seu estado atual. Esta adaptação é fundamental quer para quem já praticava regularmente, como para quem não praticava.
Os doentes com sarcopénia têm um risco de morte mais elevado. "Num estudo que incluiu uma população de 1500 doentes com diferentes cancros — desde pulmão, a estômago ou mama — verficou-se que aqueles que tinham sarcopénia tinham um risco de morte superior, entre duas a quatro vezes."
Melhora a sensação de bem-estar
Está provado que o exercício físico é uma componente importante, não só para o bem-estar físico, como psicológico. Acontece que com a prática do desporto se estimula a libertação de hormonas, como a “endógena de endorfinas”, como refere a médica do Hospital da Luz.
As endorfinas são, aliás, conhecidas como as hormonas do bem-estar, sendo associadas à redução de sintomas de depressão e de ansiedade, desempenhando também um papel importante no alívio da sensação de dor e no aumento da resistência, bem como disposição física no geral.
Melhora a sua capacidade funcional
É lógico. Mais músculo e menos gordura, significa mais força e maior agilidade que, em pessoas com cancro podem ficar comprometidos. “Ao aumentar a massa muscular, o exercício físico em doentes oncológicos melhora a sua capacidade funcional contribuindo para melhorar a sua qualidade de vida.”
Quanto ao tipo de exercício, Marília Cravo adianta que “o de resistência pode ser mais benéfico por contribuir de forma mais notória para aumentar a massa muscular”, apesar de sublinhar que o aeróbico também poder ser vantajoso, pelo "aumento da capacidade respiratória do doente."
Melhora a síndrome de fadiga crónica
"Existem estudos de casos controlo e estudos prospetivos em que os doentes a quem foi prescrito exercício físico tiveram melhoria do síndroma de fadiga crónica associada ao cancro com melhor qualidade de vida", diz a médica. Esta síndrome reflete-se num cansaço grande permanente, tendo como efeitos a fadiga muscular, falta de concentração e falhas de memória.
Pode ter efeito anti-tumoral
“Estudos experimentais mostram também que o exercício físico pode exercer um efeito anti-tumoral”, diz Marília Cravo. Ou seja, “por provocar uma resposta inflamatória com recrutamento de células linfoides [desempenham um papel importante no sistema imunitário] as quais podem inibir o crescimento do tumor”.
É daqui que resulta “o princípio da imunoterapia”, um tipo de tratamento que utiliza a capacidade do sistema imunitário para combater uma doença, produzindo uma resposta ou aumentando a resistência do corpo à mesma.
Segundo Marília Cravo, o músculo assume um papel crucial na imunoterapia devido à mioquina, uma substância que produz e que entra na circulação sanguínea, chegando depois a diferentes órgãos. Esta substância "tem a capacidade para recrutar para o tumor células imunológicas NK (natural killers)" que ajudam a combater o tumor.