Depois de não terem conseguido provar que não representavam qualquer tipo de ameaça à saúde, a 29 de março o juiz Elihu Berle, da Califórnia, aprovou uma lei que obriga empresas de café a incluírem um aviso relativo ao potencial cancerígeno do seu produto. Entre as marcas está a gigante Starbucks. Em causa está a presença de um composto químico produzido no processo de torrefação de café, de acordo com aquilo que o britânico “The Guardian” adianta.

O composto não é totalmente novo. Em 2002, a Agência Sueca da Segurança Alimentar revelou que ele não estava apenas nos processos industriais ou no tabaco — também estava nos alimentos. E hoje sabemos que está em vários, altamente consumidos. O nome desta substância é acrilamida.

De acordo com o Instituto Ricardo Jorge, este contaminante "forma-se pela reação de Maillard” que ocorre através da junção de açúcares simples e aminoácidos específicos quando expostos a temperaturas superiores a 120º." A nutricionista Ana Lúcia Silva explica à MAGG que a sua presença "parece estar relacionada sobretudo com produtos de origem vegetal, como biscoitos, pão torrado, muitos produtos de origem cereal, incluindo o café."

Segundo o mesmo instituto, “a acrilamida é classificada pela International Agency for Research on Cancer (IARC) como sendo um composto com prováveis efeitos cancerígenos para os humanos”, tendo sido, por isso e na última década, estudada por todo o mundo. Forma-se, sobretudo, em alimentos cozidos no forno ou fritos, ricos em hidratos de carbono.

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Desde que a agência sueca deu o alerta têm-se vindo a tomar providências a fim de reduzir o perigo. Em 2007 e em 2012 a Agência Europeia para a Segurança Alimentar lançou medidas para reduzir o seu consumo através da dieta. E agora é a vez dos fabricantes: entra a 11 de abril em vigor um regulamento criado a 20 de novembro de 2017 pela Comissão Europeia, “que estabelece medidas de mitigação e níveis de referência para a redução da presença de acrilamdia em géneros alimentícios”.

As novas medidas são lançadas no seguimento de estudos realizados em animais em que, de acordo com o regulamento, “a Autoridade confirma avaliações anteriores de que a acrilamida nos géneros alimentícios aumenta potencialmente o risco de desenvolvimento de cancro nos consumidores de todas as faixas etárias.” No mesmo documento lê-se que “a acrilamida está presente numa ampla gama de géneros alimentícios de uso corrente” e que “em alguns géneros alimentícios eram significativamente superiores aos teores presentes em produtos comparáveis da mesma categoria de produtos.”

Limitar a toxicidade através da prevenção

As medidas lançadas — e que chamam especial atenção para as batatas fritas, o pão, biscoitos, café e substitutos — funcionam como uma ferramenta de prevenção, uma vez que são necessárias doses muito altas para o risco em questão.

Ana Lúcia Silva concorda com a medida: "Faz sentido porque ao limitar a exposição à toxicidade, há menor risco que ocorra o desencadear da doença."

Quem sofre mais com a exposição à substância, de acordo com o que relata o "El Pais” são os trabalhadores das indústrias, uma vez que contactam com a acrilamida, “seja por inalação, contacto com a pele.” Segundo o mesmo jornal, mesmo assim, não houve registos de maior incidência de cancro, doença para o qual o tabaco (que também possui o composto) continua a ser a maior fonte.

Ou seja, a quantidade deste composto presente na comida poderá ser reduzido para surtir os efeitos cancerígenos. Ainda assim, e dado que está presente em muitos produtos (o que poderá aumentar a sua ingestão), é preciso ter cuidado. De acordo com o que adianta o regulamento da Comissão Europeia “entre 10% a 15% dos alimentos que apresentam excesso de acrilamida podem reduzir este valor mediante a aplicação de boas práticas”.

O valor mínimo estipulado para que a acrilamida se relacione com a probabilidade do aparecimento de cancro é de 170 miligramas por quilo de peso. Segundo a edição online do jornal espanhol, uma pessoa que pese 80 quilos necessitaria de 13.600 microgramas da substância por dia.

De acordo com Javier Marhuenda, académico da Academia Espanhola de Nutrição, é difícil chegar a essa dose. Com os novos valores de referência para os fabricantes emitidos pela Comissão Europeia, uma pessoa de 80 quilos teria de comer mais de 27 quilos de batatas fritas por dia para chegar ao número perigoso.

Há várias substâncias consideradas cancerígenas. E, ainda que tenham de ser ingeridas em doses altas para representarem o risco, estão presentes em muitos alimentos. Por isso, quanto mais se reduzir o seu consumo e quanto maior for o critério nas escolhas alimentares, mais protegida fica a saúde. Quanto mais natural for a alimentação, melhor.