O número foi marcado e o bip bip começou a soar. Por terem sido conduzidas dos telemóveis até às antenas mais próximas por microondas (o tipo de radiação usada na comunicação por telemóveis), as palavras puderam fluir entre a MAGG e o físico e professor universitário Carlos Fiolhais. Havia um propósito para a conversa: perceber se as ondas eletromagnéticas utilizadas por estes aparelhos, tão comuns e cada vez mais sofisticados, são nocivas para a saúde, até durante o sono, caso o telemóvel se mantenha próximo do corpo, em particular do cérebro.

Em 2011 a Organização Mundial de Saúde considerou as radiações emitidas pelos telemóveis possivelmente cancerígenas, depois de uma avaliação coordenada pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro. Apesar de não se terem encontrado provas que associassem as microondas à doença, receou-se que pudesse existir uma relação, ainda que limitada, entre a radiação emitida por estes aparelhos e o cancro.

Mais recentemente, já em 2018, um estudo levado a cabo pelo National Toxicology Program e financiado pelo governo americano sugeriu que a radiação dos telemóveis poderia estar associada ao aparecimento de cancro em experiências feitas em ratos sujeitos a radiação de microondas com frequências iguais às dos telemóveis mas bastante mais intensas e prolongadas.

Os resultados não foram muito conclusivos, uma vez que a percentagem de aumento de cancros — todos eles em machos — não foi significativa. E, curiosamente, os animais expostos à radiação viveram em média mais tempo do que os outros. As experiências foram, numa segunda fase, realizadas em ratos de laboratório (cujo ADN é mais semelhante ao humano), que levaram "banhos" destas radiações durante dois anos: não foram encontradas ligações inequívocas entre a exposição às microondas e o desenvolvimento de cancros.

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Os estudos que conhecemos até hoje são inconclusivos. Não existem investigações que comprovem que as microondas dos telemóveis, com a potência que usamos, sejam perigosas para nós. Essas experiências extremas com ratos não são categóricas e elas não podem ser extrapoladas para humanos", refere Carlos Fiolhais.

Segundo o físico, no mundo científico, um, dois ou três estudos não são suficientes. É necessário uma estatística segura. Para tanto é fundamental que se continue a estudar, criando uma base sólida, construída com tempo, de provas fidedignas. Para obter as certezas que mais nos interessam, as experiências teriam de ser feitas com humanos, o que não é eticamente recomendável. Tem havido uso de telemóveis e, nos Estados Unidos, por exemplo, os tumores cerebrais têm diminuído.

Assim, dormir com o telemóvel perto “não é estatisticamente perigoso, tanto quanto sabemos" , diz Carlos Fiolhais. Mas, por mera precaução e bom senso, é melhor não deixar toda a noite o aparelho perto do corpo.

Em que é que o telefone interfere com o nosso corpo?

As alterações que já se verificaram, explica a neurologista Socorro Piñeiro, são referentes à "atividade cerebral, no tempo de reação, função cognitiva e nos padrões de sono", estando, no entanto, e mais uma vez, tudo em aberto, uma vez que ainda estão a ser "realizados estudos para se confirmarem estas conclusões."

"A principal consequência da interação desta radiação com o corpo humano é o aquecimentos dos tecidos", explica. No entanto, "a maior parte desta energia é absorvida pela pele e pelos tecidos superficiais, pelo que é pouco provável que aumente a temperatura do cérebro."

Sobre a distância a que se usa o aparelho, a mesma especialista avança que apesar da radiofrequência eletromagnética poder penetrar no cérebro até cerca de seis centímetros de profundidade, sabe-se que "a potência e a exposição a estas ondas diminui à medida que aumenta a distância em relação ao dispositivo". Assim, "se forem utilizados a 30 ou 40 centímetros do corpo, as pessoas serão menos expostas dos que as que utilizam o aparelho perto da cabeça."

Com as crianças, o cuidado deve ser maior. A parede óssea no crânio é mais fina, comparativamente à de um adulto. Por isso, a penetração das ondas pode ser maior, não existindo, porém, "evidência de danos". Ainda assim, é preciso cautela, sobretudo se pensarmos que este grupo vai ter um tempo de exposição maior pelo facto de interagirem com a tecnologia desde muito novos.

Vivemos mergulhados em ondas

Vivemos emersos em radiação, com ou sem telemóvel na mão, no bolso, na orelha ou junto à almofada. Só que há radiações mais ou menos perigosas. Aquela que é emitida pelo telemóvel dificilmente poderá alterar a estrutura das nossas moléculas. São denominadas, por isso, radiações não-ionizantes.

Quando mais curtos forem os comprimentos das ondas eletromagnéticas, mais perigosas estas serão. Por ordem de comprimento de onda, das maiores para as menores, existem as ondas de rádio, as microondas, as infravermelhas e, do outro lado da banda do visível, as mais perigosas, as ultravioletas, os raios X e os raios gamas.

Porque é que as ondas de comprimento curto são perigosas? “Tem tudo a ver com a capacidade de interacção que elas têm com as moléculas biológicas”, explica o físico. "As moléculas que temos dentro do corpo podem ser destruídas por radiação de comprimento de onda curto, o que poderá gerar problemas de saúde graves, como o cancro."

Mas este não é o caso das ondas de rádio ou das microondas. "Nós vivemos dentro delas. As microondas são emitidas e recebidas pelas nossas antenas, tal como as ondas de rádio, mas também existem no espaço, porque o sol e outras estrelas da galáxia emitem-nas. O próprio espaço está cheio de microondas que vêm do Big Bang.”

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E acrescenta: ”Se fizessem mal à vida, já não estaríamos cá. Aliás, se há vida e vida diversificada é porque os seres vivos conseguiram viver durante milhões de anos expostos às radiações que existem por todo o lado.” Ainda assim, reconhece que “existe um acréscimo artificial de microondas na Terra, desde que esta tecnologia passou a ser usada.”

Os raios X e os raios gama também são emitidos por estrelas, como é o caso do sol. No entanto, “a Terra tem um escudo invisível — a atmosfera — que nos defende desse tipo de radiações.” O mesmo acontece com as radiações ultravioleta, embora estas consigam entrar parcialmente pelo "buraco do ozono", que está a ser tapado desde que se proibiram os gases destruidores do ozono.

Mas existe o princípio da precaução

Apesar de haver consenso entre a comunidade cientifica acerca da não perigosidade da radiação dos telemóveis na saúde, existem regras bem estabelecidas no seu uso, designadamente limitações à potência de emissão.

De acordo com um regulamento criado — o Specific Absorption Rate — o telemóvel pode emitir, no máximo, 1,6 watts de energia absorvida por quilograma de corpo. Estão ainda publicadas estatísticas que informam sobre a absorção de energia que diferentes telemóveis emitem por microondas.

São normas que fazem valer o principio da precaução: não tendo a certeza, o melhor é sempre prevenir”, avisa Carlos Fiolhais. “O melhor é usar dentro de certas normas, isto é, não abusar. Não devemos ter receio dos perigos, desde que se respeitem as normas."

E acrescenta: “Todos os aparelhos eléctricos e electrónicos estão regulamentados. Existem regras para a emissão de radiações necessárias, até por uma questão de poupança energética. já que a emissão e recepção das microondas exigem energia.”

Não existindo provas dos perigos dos telemóveis, mas tendo em conta o princípio da precaução e o bom senso, será preferível não dormir com o telemóvel na cama. "Como não há necessidade, não faz sentido fazer isso", diz Carlos Fiolhais, que diz dormir com o telemóvel não na cama mas na mesa de cabeceira. “Só devemos usar os telemóveis ou qualquer outro aparelho quando é preciso.”

(artigo publicado em 2018)