Tomás de Mello Breyner e Rute Caldeira viraram-se para a meditação em momentos de vida difícil. O fundador do projeto "Pequeno Buda", que leva a meditação às salas de aula de várias escolas no país, atirou-se à pratica depois de lhe ser diagnosticado síndrome de Ménière, um problema no ouvido interno caracterizado pelo ouvir de um zumbido constante, que mexeu drasticamente com a sua vida. No caso de Rute Caldeira, autora de vários livros e do blogue "Uma Dieta Espiritual" foi um estado emocional frágil, provocado por dura uma perda de uma familiar, que a fez voltar-se para este hábito.
Nos dois casos, foi transformador. Passados vários anos, é à meditação que ambos se dedicam. E foi junto deles que fomos à procura de respostas para desmistificar os oito maiores mitos em torno desta prática que leva ao foco, concentração, autodescoberta e boa gestão emocional. "Meditação é voltar a casa, é voltar à essência", descreve Tomás de Mello Breyner.
Mas é obrigatório não pensar em nada? A prática é toda igual? Acontece sempre sentado? É preciso estar sempre de olhos fechados? E é sempre religioso? Nada disso. A meditação é "um mundo", como descreve Rute Caldeira, que lançou recentemente, durante a quarentena, um curso online de meditação. Há formas de a praticar muito variadas. Imagine, até o pode fazer a andar.
Vejamos.
1. A meditação é toda igual
Não. Existem várias correntes de meditação: a budista, a hindu, a chinesa, cristã e a guiada. "Uma pessoa quando é introduzida à meditação acha que existe só um tipo de meditação e ponto final. Não é assim. Existem muitos, mesmo muitos, tipos de meditação", explica Tomás de Mello Breyner.
Ainda que todos tenham um objetivo comum que passa por acalmar a mente e controlar os pensamentos, através de um objeto (respiração, corpo ou até uma vela) e de um sujeito (nós), há diferenças entre os diversos tipos.
Rute Caldeira divide-os, aliás, em dois grupos: as práticas ativas e passivas. As primeiras "incluem movimento porque têm como objetivo a catarse física para cansar a mente", diz, indicando que esta é uma boa solução para pessoas mais ansiosas. "Podem-se conseguir através de movimentos físicos específicos e repetitivos."
Aqui entram, por exemplo, o Karuneshe, que "é quase como se fosse uma dança, com uma sequência muito simples", que obriga a que se esteja focado no corpo e no meio." Há ainda "a meditação mais ligada ao mindfulness em que a pessoa pode estar a pintar ou a envolvido noutra acção, que o faça estar ali presente", indica Tomás de Mello Breyner.
Dentro das práticas passivas, encontram-se outros tipos: a Anapana ou Vipassana, que se focam na atenção plena à respiração. Aqui, sim, a meditação passa por estar sentado no chão, de olhos fechados, concentrado na observação do ar a entrar e a sair do corpo. Mas nem aqui é tudo igual: "A partir da respiração, há vários exercícios: em que se conta a respiração, a técnica do quadrado, em que se contam os segundos a inspirar, manter ar dento e expirar", diz Tomás.
Há ainda a meditação transcendental, que utiliza mantras e que se tornou muito popular graças ao realizador de cinema David Lynch, mais "ligada ao hinduísmo e à religião." Ou a Trataka, da corrente budista, que é praticada de olhos abertos, tendo como objeto de atenção é uma vela.
2. Toda a meditação se faz sentado e de olhos fechados
Já vimos que não. "Tudo pode ser meditação", esclarece Tomás de Mello Breyner. O que importa é que a acção em causa leve ao estado meditativo, que vários surfistas ou joggers, por exemplo, relatam. "Pode diferenciar-se o estado meditativo das práticas da meditação. Existem exercícios específicos para chegar ao estado meditativo, mas este pode atingir-se de outra forma."
Atingindo esse estado, abre-se o "espaço para a intuição, para as emoções virem ao de cima. As coisas tornam-se mais claras." O critério fundamental é que se esteja no momento presente, com a mente focada e com o ego desativado.
Osho, famoso guru (sim, o da série da Netflix "Wild, Wild Country"), defendia que o estado meditativo está em cada um de nós: "Ele dizia que a meditação é intrínseca ao ser humano e desmistificava esta ideia de que para meditar é preciso estar de olhos fechados", conta, referindo que esta figura defendia a meditação No Dimension, em que há música e movimento.
O objetivo é o mesmo já referido por Rute Caldeira: "É tipo uma coreografia em que se repete constantemente os movimentos. Dá-se a repetição continua da mesma ação, que leva a um automatismo que ajuda a que se entre num estado de meditação", diz. "É como na meditação com respiração, só que neste caso o objeto é o corpo e música."
3. O objetivo da meditação é não pensar em nada
Este é um dos mitos mais assustadores referentes à meditação. Se lhe disserem para não pensar na cor vermelho, em que é que vai pensar automaticamente? Exato. Aqui a lógica é a mesma. Ter como objetivo primário a ausência de pensamento só vai gerar-lhe mais pensamentos.
"Esta é uma ideia que leva a que muitas pessoas não meditem, porque pensam que não conseguem deixar de pensar", diz Rute Caldeira. "Mas o grande convite da meditação é outro: tornarmo-nos observadores de nós mesmos." Tomás de Mello Breyner, atualmente a organizar um retiro detox de silêncio e meditação, vai na mesma linha: "Tentar não pensar em nada, aumenta ainda mais os pensamentos."
Mais do que o propósito absoluto de esvaziar a mente, a meditação, em todas as suas formas, pretende gerar o estado de consciência plena, pretende acalmar a mente e baixar o ruído frenético que nos ocupa a cabeça.
"O objetivo da meditação é chegar ao estado de não pensar, ao controlo da flutuações mentais. Mas existem técnicas para isso. Não é sentar e esvaziar a mente. Isso não funciona", acrescenta Tomás. É por isso que é comum adotar-se um objeto de atenção, seja a respiração, uma imagem ou um mantra que permite dar lugar ao foco e relaxamento. Com a repetição, a ideia é que quem pratica a meditação se torne num só com esse objeto. Torna-se automático.
Quando os pensamentos surgem, a prática não nos manda afastá-los, fugir deles ou julgá-los. "Existem cerca de 80 mil pensamentos por dia na mente. E quando vamos meditar, eles vão aparecer. E nós vamos simplesmente deixá-los fluir."
Tomás compara-nos ao céu: "Nós somos como o céu azul. Os pensamentos são como as nuvens", diz. "É deixá-los aparecer e desaparecer, como as nuvens. A nossa essência, como o céu, é firme e estável."
Com a prática, há momentos em que se atinge o limbo, que é o tal estado meditativo: "Com a prática prolongada e persistente, neste ganho da minha consciência no que penso e sinto, há momentos em que conseguimos entrar no vazio, que é o vazio cheio. Passaram-se uns minutos e eu nem sei no que pensei. É a passagem pelo limbo. É o relaxamento."
4. A meditação é sempre relaxante
"O objetivo é relaxar, mas pode nãos ser relaxante", frisa Tomás. "É comum as pessoas chorarem, terem explosões emocionais muito fortes. O processo pode ser duro."
Faz sentido. É que, muitas vezes, ignoramos a realidade, chutamos para canto acontecimentos e sensações do dia-a-dia. Na meditação, abre-se o espaço da total honestidade, sem espaço para o orgulho, para a raiva ou para o stress. E a transparência do pensamento puxa a paz, mas também puxa a emoção.
"Muitas vezes, não vemos bem a realidade das coisas no nosso dia-a-dia. Estamos muito controlados pela mente pensante e pelo racional", diz o fundador do Pequeno Buda. "Quando entramos em meditação, temos perspetivas diferentes, mais ligadas ao amor, à nossa essência e à nossa paz. Isso pode ser forte e pode deixar-nos mais sensíveis."
Também Rute Caldeira já viu explosões emocionais a acontecerem. "Pode ser catártico, sobretudo quando se trata de meditações dinâmicas", refere. "Estamos ali no caminho do meio: dá-se a libertação e o relaxamento-, mas em termos emocionais há aspetos para gerir, que foram reprimidos durante muito tempo."
Na opinião da autora do blogue "Uma Dieta Espiritual", "cada meditação oferece-nos aquilo que precisamos", ao trazer uma "aprendizagem e conhecimento de mim mesmo."
5. A meditação é sempre religiosa
Não. "A meditação pode ser simplesmente mindfulness, que não tem nada que ver com religião", frisa Tomás. "Este é um ponto muito importante." A meditação, diz, "não pertence a ninguém", ainda que a tradição budista seja aquela que trabalha "com maior profundidade a mente."
6. Uma sessão de meditação demora muito tempo
Também não. E basta ver as meditações guiadas que estão disponíveis na aplicação Headspace: não duram mais de 15 minutos.
"Podem ser pequeníssimas", diz Tomás, que dá o exemplo de se estar, simplesmente, num banco de jardim, a observar os sons e os cheiros. "A meditação não precisa de ser de uma hora. Pode começar de cinco minutos para focar a mente", considera também Rute Caldeira.
As caminhadas na natureza podem ser, na realidade, outra forma de meditação ativa: "Há meditações que são caminhadas mindfulness. Pratico quase todos os dias. Vou em silêncio e vou em atenção plena do meu corpo e do que está á minha volta. E são 15 minutos", diz Rute Caldeira, que na sua página de Youtube disponibiliza meditações de cinco a seis minutos.
7. Os benefícios da meditação demoram muito tempo a fazer-se sentir
Tomás de Mello Breyner defende que existem os efeitos de curto e de longo prazo. "No curto prazo sente-se automaticamente mais calma e relaxamento. Mas é como se fosse um perfume — depois desaparece."
Para efeitos mais permanentes, é necessária alguma prática e tempo. "Tem de ser uma prática trabalhada, uma boa rotina", diz. "Aí, deixa de ser um perfume e esse cheiro passa a ser o nosso natural. O que se sente no curto prazo torna-se permanente. Desenvolvem-se capacidades que se aplicam, naturalmente, no dia-a-dia."
Um dos maiores efeitos tem que ver o domínio das emoções. "Conseguimos manter-nos no nosso centro, calmos", explica. "Ajuda-nos a não sermos dominados por todas as emoções do momento. Ajuda-nos a não estar sempre nos extremos: feliz, triste, zangado."
É, como lhe chama, o "caminho do meio", que o budismo defende. "Os pensamentos e emoções deixam de nos reger. Isto permite fazer uma gestão mais saudável da vida porque se está em paz e relaxado."
Rute Caldeira defende outra ideia: os efeitos permanentes podem manifestar-se logo no curto prazo. Prova disso é o início da sua relação com a meditação. Ainda sem saber que se tratava de meditação, depois de iniciar caminhadas de mindfulness descalça e de aplicar exercícios de meditação, diariamente, viu alterações drásticas na sua forma de estar.
"Ao final de uma semana, eu mudei completamente. Eu não era a mesma pessoa", conta. "Tinha tido uma perda muito dolorosa na minha vida e sentia-me muito revoltada, muito reativa. Ao final desta semana, estava muito mais calma. Teve um impacto muito bom em mim."
No entanto, salienta, a regularidade é mesmo fulcral: "Acordava todos os dias à mesma hora e praticava a meditação em jejum. Eu programei a minha mente para aquilo", conta. "Portanto, para se sentirem os efeitos de imediato, depende de como é que se abraça a meditação."
8. Nem toda a gente devia fazer meditação
Existe uma teoria de que pessoas com ansiedade, por exemplo, podem ver o seu quadro clínico piorar devido à meditação. No entanto, nem Rute nem Tomás concordam. Até porque, como já vimos, existem meditações muito diversas que podem fazer match com diferentes tipos de pessoa.
Para os instrutores, toda a gente devia meditar. "Meditação é voltar a casa, voltar à essência", diz Tomás de Mello Breyner. "Não acho que alguém não deva praticar. Se ficaram nervosos não estavam no sítio certo, com a meditação certa. Mas sem dúvida que é para toda a gente."
Rute Caldeira frisa que é importante saber o tipo de meditação. "A meditação é excelente para toda a gente. O surf pode ser uma meditação", considera. "Em termos de gestão emocional, gestão de problemas, todos devíamos meditar."