A MAGG falou com Helena Águeda Marujo, professora auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa desde 2011 e co-autora do livro “Positivamente”, com Catarina Rivero, uma referência na área da Psicologia Positiva. A especialista garante que estamos cada vez mais à procura de sermos felizes, mas isso não significa fingir que a tristeza não existe.
A tristeza faz parte da felicidade?
Naturalmente, é uma dança. O bom e o mau estão constantemente ligados. Mas, muitas vezes, a descoberta da felicidade advém da capacidade dos seres humanos em transcenderem o negativo. Não é de o negarem, não é de não terem direito a experimentar as emoções negativas, é de saberem utilizá-las de forma a que elas se transformem em qualquer coisa positiva. O problema da tristeza é ficar-se estagnado nela. Sem conseguir sair, sem ter horizontes de futuro. Sem acreditar que somos mais do que a tristeza. Da mesma forma, acreditarmos que somos só felicidade também é negar a condição humana em toda a sua totalidade.
Vivemos numa era em que as pessoas estão mais tristes ou mais felizes?
Depende. Do momento, dos países, das comunidades dentro dos países, do género. Os estudos atuais da felicidade vão mostrando que, Portugal por exemplo, melhorou no seu ranking do ano passado para este. Se me perguntar se neste momento os portugueses estão mais felizes do que no ano passado, a resposta é sim. Mas se estivermos a falar dos venezuelanos, a resposta é não.
Pergunto no caso específico dos portugueses.
No caso dos portugueses sim, os sinais atuais são de melhoria com alguma confiança no futuro.
E porque é que estamos mais felizes?
Está relacionado com as condições económicas, sócio-económicas e à capacidade de vermos alguma esperança naquilo que é o caminho que estamos a fazer enquanto sociedade.
Acha que as pessoas se estão a esforçar mais para serem felizes?
Acho que sim. Há talvez uma maior consciência sobre os nossos estados emocionais, uma maior vontade de ter poder sobre eles. Portanto, de tomar decisões sobre como é que eu quero estar em cada momento e não apenas “estou assim, estou assim, pronto. Não há nada a fazer.”
E como é que estamos a fazer isso?
Há uma procura muito grande de estratégias, que podem ser formações, leituras, mudanças intencionais que as pessoas fazem. Na minha experiência direta, é um caminho que acontece numa altura em que temos aumentos de patologias, doença mental, algumas epidemias em alguns pontos do mundo — da depressão, ansiedade, obesidade, consumos de substâncias ilícitas. Portanto, estas duas coisas estão a caminhar em simultâneo. E quanto mais nos apercebemos que estamos a adoecer, mais nos apercebemos que temos de fazer alguma coisa. Estamos à procura de soluções de forma ativa.
A depressão está a aumentar em Portugal?
Há muitos anos que a Organização Mundial de Saúde tinha previsões assustadoras relativamente ao aumento de depressão até 2020. Em Portugal não temos dados viáveis, mas penso que sim. Ainda não temos indicadores, precisamos de fazer algum trabalho ao nível dos indicadores nacionais na área da doença e da saúde mental. Aliás, agora está a ser criada uma plataforma de saúde mental em Portugal, portanto há um trabalho a fazer para termos dados mais rigorosos. Mas se virmos por indicadores como o de consumo de psicotrópicos, temos infelizmente sinais de que há um aumento e resultados preocupantes em Portugal.
As pessoas consomem mais psicotrópicos porque têm consciência que são infelizes e querem mudar isso?
É uma das soluções que a sociedade nos oferece atualmente. Felizmente ou infelizmente, são acessíveis, são facilmente prescritos numa consulta de medicina geral. É mais imediato do que fazer todo um trabalho de auto-reflexão, psicoterapia, por exemplo, de aprender estratégias comportamentais, psicológicas, emocionais. Dá mais trabalho, é mais exigente, implica muito mais investimento do que ter uma receita e comprar um medicamento. Mas o objetivo é o mesmo, que é tentar ter mais saúde e viver melhor.
Então mas e os índices de depressão? Porque as pessoas se estão a esforçar mais para serem felizes, há mais casos de depressão?
Não, não. Isso acontece porque temos outras variáveis que estão a fazer aumentar a depressão: a queda dos laços interpessoais, o facto de vivermos numa sociedade capitalista com características muito competitivas e individualizadas. De termos diminuído a inter-ajuda, de termos mais desigualdades — Portugal tem dados muito preocupantes de desigualdade entre ricos e pobres, e há uma relação muito forte entre a desigualdade e a saúde mental. Estão a acontecer outros fenómenos, sociais, económicos, até ambientais. Só que depois as pessoas sentem-se infelizes e vão à procura de soluções. Uma das soluções que é fácil e está mesmo à frente dos nossos olhos é a solução farmacológica.
Mas há outras soluções.
Na minha área da Psicologia Positiva, uma das coisas que sabemos é que podemos ajudar as pessoas de forma a que elas aprendam estratégias de promoção da saúde mental e do bem-estar que são preventivas da doença mental. A formação na área do otimismo ajuda a prevenir a depressão, da mesma forma que treinar a esperança (que se treina) tem frutos ao nível dos resultados académicos.
É possível pensar de forma positiva na tristeza?
É. Ainda agora organizámos o primeiro simpósio luso-brasileiro de Psicologia Positiva no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, na Universidade de Lisboa, e uma das palestrantes foi Núbia Correia. Com uma história de vida ligada à depressão e a ataques de pânico, apresentou-se como alguém que é um exemplo ao ter essas problemáticas psicológicas e mesmo assim ser uma pessoa feliz.
A felicidade é importante. Mas qual é o impacto negativo de negar a tristeza?
Há várias escolas de pensamento. Há quem defenda que, mesmo estando triste, é possível decidir que não quer estar e fazer coisas no sentido de mudar isso. Podem ser o exercício físico por exemplo, uma vez que na prática de exercício o organismo lança hormonas na corrente sanguínea que têm um efeito de relaxamento e de bem-estar. Portanto, há coisas que podem ser feitas se eu quiser deixar de estar triste, e há pessoas que conseguem de facto tomar essa decisão. Não é fazerem de conta que não estão tristes, é reconhecer essa tristeza, valorizá-la, perceber a sua função mas criar condições para não se deixarem ir. Nós somos mais do que a tristeza. A tristeza faz parte de nós, mas não é a nossa totalidade.
Só que nem sempre é fácil tomar a decisão de largar a tristeza.
Há momentos na nossa vida em que precisamos de tempo para tomar a decisão de sair da tristeza. Precisamos de lamber as nossas feridas. Um luto difícil, o fim de uma relação, uma situação de desemprego… É preciso respeitar o tempo, deixar que as pessoas façam o seu luto, mas é importante também dar-lhes a oportunidade de saberem que é possível — quando estiverem em condições — sair desse estado e continuar o seu caminho.
Mas é importante dar esse tempo, não é? Porque às vezes as pessoas negam simplesmente a tristeza, e depois vem tudo em catadupa.
Há muitos debates sobre isso na Academia. A perda de um companheiro ou de um emprego são alguns dos exemplos em que sabemos que vai demorar tempo para ultrapassar a tristeza. Mas para algumas pessoas a decisão é de serem lutadoras.
Como assim?
Lembro-me de um caso de uma senhora que conheci que tinha um bebé que, desde que nasceu, só chorava. Não se conseguia perceber porquê, fez inúmeros exames. Chorava de dia e de noite. A senhora estava exausta, não dormia há vários meses. Ela teve um acidente de carro, adormeceu ao volante e o bebé morreu.
Como é que se supera uma coisa dessas?
Ela disse-me que teve de decidir se nunca mais seria feliz na vida depois deste acontecimento, se se iria sentir culpada a vida toda, se se iria auto-flagelar, se nunca mais iria cantar, se nunca mais iria dançar. A escolha dela foi olhar para esta história de vida da seguinte maneira: ela tinha sido a melhor mãe possível para o bebé. Ela adormeceu ao volante porque durante cinco ou seis meses, já não me recordo exatamente do tempo, tinha sido a melhor mãe possível. Ela também ficou muito mal com o acidente mas, quando recuperou, todos os dias pegava no carro e passava pelo sítio onde tinha tido o desastre. Com as lágrimas a caírem, com o pai do bebé em alta voz a dar-lhe motivação e ânimo.
Porque é que ela fazia isso?
Porque percebeu que se não fizesse isso, provavelmente nunca mais conseguia voltar a guiar, provavelmente nunca mais conseguia passar naquele sítio. Quando eu a conheci ela já tinha voltado a ser mãe e tinha uma relação muito pacificada com a sua história de vida. Ela decidiu que tinha direito à felicidade apesar do que lhe tinha acontecido.
É uma história de luta.
Há um espaço de decisão individual que tem de ser respeitado. Quem sou eu para avaliar se isto é o bom ou o mau para toda a gente? Para esta mãe foi a melhor maneira, foi a escolha dela. Foi uma lutadora extraordinária para decidir que a vida dela não ia ser apenas infelicidade depois daquele acontecimento. Não posso fazer um julgamento moral. Nem em relação àqueles que o mais depressa que conseguem saem das experiências negativas, nem em relação àqueles que não conseguem fazer isso.
Precisamos mesmo de sentir tristeza para dar valor à felicidade?
Não necessariamente. Mas a experiência da tristeza pode ser um caminho para a felicidade, também. Mas não é necessário. Crianças que tiveram infâncias felizes, muito seguras e que foram muito amadas, sabem o que é a felicidade sem terem passado pela tristeza.
*texto originalmente publicado em 2018 e readaptado.