Em 2013, depois de sido diagnosticada com cancro e de iniciar a quimioterapia, Marine Antunes, teve de cortar o cabelo. Tinha 13 anos, estava nervosa, com medo que a família reagisse mal, que as irmãs ficassem comovidas com o seu novo aspeto. Mas nenhum dos seus receios se cumpriu. Bem pelo contrário. Ao chegar a casa, ainda antes de cruzar a porta, ouviu: “Fogo, graças a Deus. Estou farta de ter irmãs. Agora és o Mário.”

Hoje, Marine, natural de Matas, tem 28 anos e continua em remissão. A batalha contra o linfoma durou um ano, experiência que a fez lançar o blogue “Cancro com Humor”, em 2013. Da plataforma online o projeto passou a existir também em formato físico, na forma de dois livros. Entretanto, também já ganhou um modelo presencial, através das palestras que dá a médicos, futuros médicos, universidades, empresas, câmaras municipais ou escolas. Já visitou centenas de sítios, dentro e fora do País. Nestas conversas, relata a sua história e reflete sobre como é importante encarar a doença com humor, sem nunca deixar de ver o lado positivo, o copo meio cheio.

“A positividade é um músculo que se trabalha. De tanto repetirmos uma ideia, ela acaba por se tornar na nossa verdade. E, quando estamos doentes, precisamos de manter isso, porque é a única forma de continuarmos a vida com normalidade”, diz à MAGG.

Marine Antunes, 28, já lançou dois livros: 'Cancro com Humor' e 'Cancro com Humor 2'

Mas humor não são “piadolas” gratuitas. As sessões com Marine não são espetáculos de stand-up — apesar de ter exercido esta profissão, antes de lançar o projeto. Não é ser leviano, porque o assunto é sempre sério. Passa, antes, pela capacidade de sorrir, de não perder a alegria em viver, até num momento angustiante como este. “O humor é a capacidade de relativizar. Basta um sorriso, um estado de espírito que nos diz que vai ficar tudo bem”, diz. “O humor serve quase como oxigénio.”

A família sempre ajudou. Foi, aliás, a mãe quem iniciou esta forma de encarar a doença. “Tinha sido diagnosticada há poucos dias e estávamos à mesa, calados, assim numa paz podre, porque a vida tinha mudado. A minha mãe apercebeu-se desta postura apreensiva e negativa e deu literalmente um murro na mesa. Disse: ‘Tirem essas caras dramáticas porque sou eu quem manda nesta casa e ninguém vai morrer de cancro.'"

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A parte mais difícil do processo, lembra, são as perdas. “São as pessoas que estão contigo e que depois deixam de estar. Quase todas as minhas companheiras de quarto faleceram”, conta.

Mesmo quando esteve internada — no Hospital Universitário de Coimbra — Marine divertiu-se. “Uma vez eu e a minha colega de quarto, que tinha 27 anos, saímos às escondidas para fazermos uma sessão de cinema na sala de espera, que era onde estava a televisão. Sabíamos que àquela hora não estava lá ninguém e que ia dar um filme. Planeámos isto durante uma semana”, conta. “Só que a dois minutos do filme, a minha amiga tirou o cateter do soro da mão e tivemos de chamar uma enfermeira.”

Não sabe se ela sobreviveu ou não ao cancro. “Foram muitas mortes seguidas e houve uma fase em que eu não quis saber mais. Tinha de escolher os pensamentos positivos. Espero que ela esteja bem. No meu coração, ela está viva.

Com o namorado Tiago Castro — ator que interpretou a personagem Crómio na novela “Morangos com Açúcar” — lançou, em 2018, um novo projeto. Chama-se “Se Podes Sonhar, Podes Concretizar” e materializa-se através de visitas a diferentes escolas, para falar de temas mais sensíveis, com crianças dos 5 aos 12 anos — desde o bullying ao preconceito. Como ponto de partida, ela usa o seu exemplo da luta contra o cancro e ele usa o exemplo da personagem que interpretou no programa da TVI e a sua própria experiência pessoal. "Já falámos com mais de seis mil jovens."

Marine Antunes e o namorado Tiago Castro, depois de uma palestra do projeto 'Se Consegues Sonhar, Consegues Concretizar'

A propósito do Dia Mundial Contra o Cancro, que se celebra esta segunda-feira, 4 de fevereiro, a MAGG pediu a Marine Antunes que elaborasse uma espécie de manual para lidar com pessoas com cancro — desde o que pode e não pode dizer, à forma como se deve comportar.

“Quando temos cancro há toda uma concentração para não vomitarmos para cima de ninguém, por isso, para facilitar a vida a quem está doente, eis algumas dicas daquilo que não pode ser feito ou dito a um doente oncológico.”

1.  "Até", a palavra proibida

"Nunca dar um elogio a começar com ‘até’: ‘Até ficas bem careca’; ‘Até estás com bom ar’. Ninguém acredita no ‘até’. Se o fizerem, não se admirem de ouvir: "Obrigada. ATÉ gostei de te estar contigo.”

2. Não deixar de sorrir

"Nunca deixar o sorriso e as piadas em casa quando se visita o amor [namorado ou namorada]. Nem esquecer o baralho de cartas, que serve para qualquer eventualidade — podem até ser barrados à porta se se esquecerem de ambas as coisas, ouvi dizer."

3. Não mudar o tom de voz

“Ao ir ter com um amigo com cancro, nunca alterar o tom de voz para aquele arrastado e agudo enervante, só porque se está aflitinho: ‘Entãoooooo, como estássss hojeeee?’. Menos."

4. Não ter medo de dizer a palavra cancro

“Não dar outros nomes ao cancro, com medo de dizer cancro, enquanto se dão as mãos. Acreditem, isso faz-nos sentir um bocadinho pior: ‘Como está o teu problema, quer dizer, situação delicada, hum... a doença, essa, o coiso, esse coiso, como está o coiso?'.”

5. "Não ter tempo para nada", a expressão proibida

“Nem pensem em lamentar o facto de 'não terem tempo para nada' a um doente oncológico. Ouvir um saudável lamentar a sua falta de tempo dá uma náuseazinha gigante. E olhem que não é da quimioterapia."

6. Façam rir os vossos amigos

"Não tenham medo de brincar e de fazer rir o amigo careca. Precisamos de quem nos anime e faça rir, sobretudo numa cama de hospital. Acreditem, se forem assim, vão estar no Top de ‘Visitas a Repetir’.”

7. Em visitas ao hospital, acomodem-se

“Nunca deixar de puxar uma cadeira, nas visitas hospitalares. Não tenham medo de se instalarem. Mostrem-se confortáveis, sejam naturais, riam-se, liguem a televisão, sentem-se na beira da cama. Aquela casa agora também é vossa. Nunca fiquem de pé, com a carteira na mão, com o carro em quatro piscas, porque estão mortinhos para se porem a andar.”

8. Odiar hospitais não é um argumento válido

“Nunca, jamais, never, digam a frase: ‘Não te fui visitar porque odeio hospitais". É a frase mais cruel e o gesto mais ignorante que alguém pode ter. Já nem me lembro do nome da pessoa que me disse isto. Ups.”

9. Nunca perder a esperança

“Nunca pestanejem sequer, se a pessoa vos perguntar: "Achas que tudo ficará bem?”. Sejam convictos e crentes, porque, sim, tudo ficará bem. A esperança tem de ser alimentada, diariamente e ninguém tem o direito de nos tirar o tapete. Alimentem o pensamento positivo. E afastem todos aqueles que forem presenças tóxicas.”

10. Cuidado com as reações quando souberem que o amigo tem cancro

“Por último, mas não menos importante. Quando o vosso amigo vos disser que tem cancro, não se ponham a apalpar a virilha e as mamas, logo ali, assustados com a história, para 'saberem se também têm'. Não há nada mais esgotante do que ver o pavor do outro — a panicar sem motivo — enquanto, ao mesmo tempo, consolamos o desgraçado: ‘Está tudo bem contigo, vais ver…’."

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