Em dois meses Portugal registou sete casos de crianças infetadas com sarampo. Este número, num curto espaço de tempo, corresponde ao total de dez casos registados em 2019. Estes dados estão a deixar as autoridades de saúde em alerta e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças já pôs a hipótese do ressurgimento de um surto de sarampo na União Europeia.

Será que isto poderá mesmo acontecer? "Com o descuido das vacinas, acho que podemos ter problemas graves se as pessoas nesta altura não tiverem o cuidado de manter a vacinação ativa das crianças", defende Fernando Chaves, pediatra do Hospital Lusíadas, em Lisboa.

Contudo, numa análise aos números já revelados, o especialista refere que os casos registados este ano não têm ainda que ver com "a história do SARS-COV-2", diz e acrescenta: "Provavelmente o que refletem é o alargamento da malha vacinal decorrente ainda das correntes migratórias e das modas", referindo-se ao aumento do número de pais que nos últimos tempos optaram por não vacinar as crianças.

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O pediatra Fernando Chaves acredita que se as crianças continuarem sem ser vacinadas, daqui a seis ou sete meses, as consequências podem ser graves. Isto porque, para já, sabe-se que entre 15 de março e 15 de abril, foram vacinados menos 13.277 bebés em Portugal, de acordo com o "Jornal de Notícias", números que refletem o medo dos pais em se dirigir aos estabelecimentos de saúde para cumprir o Programa Nacional de Vacinação (PNV).

Do plano faz parte a então vacina VASPR (dada aos 12 meses e aos cinco anos), incluída num comunicado emitido pela Direção Geral de Saúde (DGS), a 25 de março, com medidas excecionais e temporárias no qual era estabelecido: "Vacinação recomendada até aos 12 meses de idade, inclusive. As crianças devem cumprir atempadamente a vacinação recomendada no primeiro ano de vida, que confere proteção precoce contra onze doenças potencialmente graves". Apesar do alerta, os pais continuaram sem se sentir seguros e adiam a administração das vacinas.

"Criou-se algum alarmismo em torno da criança e recém-nascido"

Mal foram fechadas as creches e infantários em Portugal, as crianças foram consideradas um grupo de transmissão de doença e evitou-se o contacto com a população de risco, como é o caso dos idosos. Também nessa altura, e com medo das contaminações, as idas ao hospital com crianças foram evitadas ao máximo.

"A meu ver na área da pediatria, criou-se algum alarmismo em torno da criança e recém-nascido. Pela primeira vez pediram que estivéssemos focados não nos nossos filhos, mas nos nossos pais e avós. Este excesso de alarme que se criou à volta das crianças levou a que muitos pais tivessem medo de se deslocar a algumas instituições para fazer a vacina", refere o pediatra Fernando Chaves, que não compreende a falta de pro atividade dos próprios hospitais.

"Bastava dizer não se preocupe, as salas de espera estão vazias, há uma hora marcada, não se vai cruzar com ninguém para que os pais ficassem mais descansado", continua o especialista.

Contudo, apenas há 15 dias foi relembrado pelas autoridades de saúde que a pediatria é uma especialidade que exige acompanhamento, nomeadamente no que diz respeito às vacinas. É por isso que desde o início do surto de COVID-19, o pediatra Fernando Chaves sempre aconselhou aos pais que acompanha a ir ao centro de saúde cumprir o PNV.

"As doenças que as vacinas evitam são muito mais graves numa criança do que uma infeção pela COVID-19", alerta o pediatra, acrescentando que o descuido com a vacinação pode vir a refletir-se daqui a alguns meses.

A vacina de sarampo aos 12 meses é tão importante como a segunda aos 5/6 anos?

"A primeira vacinação é sempre a mais importante. Ou seja, a dos 12 meses é essencial", refere o pediatra Fernando Chaves. Adianta ainda que a primeira dose da vacina do sarampo não pode esperar dois ou três meses para ser tomada porque corre-se o risco de agravar os números atuais — apesar de destacar que estes podem estar relacionados com casos importados, como maior parte do que se registaram o ano passado.

Contudo, Fernando Chaves revela que os dados são uma chamada de atenção, quer para a necessidade de vacinar, como de realizar consultas. "Estas coisas das teleconsultas, nomeadamente na área da pediatria, são um disparate pegado. É preciso pegar na criança, olhar para a criança, ver os ouvidos, auscultar, falar com os pais. A teleconsulta é uma falsa segurança para os pais", alerta.

Já relativamente ao sarampo, pode existir um menor risco de contaminação pelo facto de os bebés e crianças não frequentarem creches e infantários, mas estarem resguardaras não é razão para não vacinar: "Daqui a umas semanas vai voltar a estar tudo nos infantários. Estamos a falar de um mês, mês e meio", refere o pediatra Fernando.

O especialista acredita que o período até as crianças retomarem os estabelecimentos de educação vai depender de outros países, uma vez que Portugal age à sua semelhança. "Se os países que estão a abrir as escolas e infantários daqui a 15 dias ou três semanas tiverem bons resultados, pode ter certeza absoluta que vamos também seguir esse caminho. Ou seja, até ao fim de junho, as crianças vão voltar aos infantários por várias questões: não haver risco ou porque os pais precisam de voltar ao trabalho", diz o pediatra.

"Se eu digo 'venha vacinar', não pergunte se é seguro, senão eu não diria para vir"

Seja em centros de saúde ou hospitais privados, estão a ser tomadas medidas de segurança de forma a evitar um aglomerado de pessoas e garantir que existe o afastamento necessário. É por isso que os cuidados de saúde são feitos por marcação, de forma a que as pessoas entrem e saiam, evitando ajuntamentos na salas de espera.

"As pessoas também têm de pensar que o vírus não está atrás da porta à espera que alguém passe para dar uma mordida no calcanhar", diz o pediatra, relembrando que é preciso uma série de fatores para que haja transmissão da COVID-19 — a razão que tem afastado os pais dos centros de vacinação — como o facto ter de haver um contacto próximo com alguém infetado durante pelo menos 15 minutos.

"É preciso pensar que do outro lado da barreira estão profissionais de saúde obviamente também preocupados com esta situação. Se eu digo 'venha vacinar', não pergunte se é seguro, senão eu não diria para vir", refere o pediatra do Hospital Lusíadas, em Lisboa.

Sabemos que os portugueses são um tanto desconfiados, mas neste caso é preciso confiar nas recomendações dos profissionais. "Se alguém na área da política, da saúde, sejam os governantes ou DGS, dizem o que devemos fazer, porque é que não haveríamos de fazer?", conclui o especialista.