Uma vida saudável e ativa sem nenhum problema de saúde detetado anteriormente não levava Olga a imaginar que, aos 44 anos, lhe seria diagnosticada uma doença grave e sem cura. Mas, em setembro de 2020, uns primeiros sintomas alertaram para o facto de algo não estar bem.

Olga Patrício tem 44 anos e um diagnostico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), confirmado há cerca de sete meses. À MAGG, explica que tudo "corria bem e normal" até ao verão de 2020. "Em junho tive uma queda em casa e fiquei com um grande hematoma na coxa direita. Depois disso ainda fiz muito exercício, fui de férias em julho, estive fora de Portugal e quando regressei, isto já em setembro, na praia, a caminhar nos passadiços, por vezes, o meu pé direito, de x em x metros, começava a notar diferenças na altura do chão e esse foi o meu primeiro sintoma."

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Na mesma altura, já em casa, começou a sentir que, quando andava de chinelos, não conseguia segurar bem o sapato com os dedos. "Senti que havia ali algum problema", conta. A situação levou-a a consultar a médica de família que prescreveu uns primeiros exames que nada detetaram. Com os sintomas a piorar, foi depois encaminhada para um neurologista. Seguiram-se meses de acompanhamento com vários exames, e num TAC à coluna foi-lhe diagnosticada uma hérnia discal que necessitava de ser operada.

"Com a pandemia as consultas atrasaram e quando fui chamada para a consulta antes da cirurgia já estávamos em 2021", conta. Nessa altura, perceberam que a hérnia tinha desparecido e que, em palavras do médico que a estava a seguir no Hospital de São José, a coluna de Olga estava "imaculada".

Sentindo que os sintomas continuavam, e não havendo nada que explicasse o que estava a acontecer, Olga passou por momentos de muita angústia. Seguiu-se o acompanhamento na Fundação Champalimaud, o seguimento para o IPO de Lisboa — "não pela suspeita de ser doente oncológica, mas para fazer exames de forma rápida e num sítio de confiança", diz Olga — e em junho de 2021 começou a ser acompanhada no Hospital de Santa Maria, na especialidade de neurologia. "Em agosto repeti um eletromiograma e foi aí que o professor Mamede de Carvalho me deu o diagnóstico."

O que é a Esclerose Lateral Amiotrófica? Há formas de prevenir a progressão da doença?

Passou quase um ano entre a altura em que Olga começou a detetar os primeiros sintomas da doença e o mês em que foi realmente diagnosticada.

"No dia do diagnóstico o que senti foi um alívio por finalmente ter um documento a dizer o que e que eu tinha. Nesse ano que passou, de 2020 até ao diagnóstico, chorei muito mais e passei muito pior do que desde o diagnóstico. Eu sei que para quem está de fora pode ser estranho, mas agora pelo menos eu sei aquilo que tenho", frisa.

Mas, afinal, o que é a Esclerose Lateral Amiotrófica? Tem cura? Há formas de prevenir a progressão da doença? Para responder a todas estas perguntas a MAGG falou com o neurologista Mamede de Carvalho, profissional que, nos últimos cerca de 30 anos, dedicou a sua carreira ao tratamento e à investigação desta doença, tendo publicado mais de 250 artigos sobre ELA.

Professor Mamede de Carvalho
Professor Mamede de Carvalho é neurologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte e Diretor do Instituto de Fisiologia da FMUL

"A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa do sistema nervoso que está enquadrada nas doenças raras, mas que, para os neurologistas que observam pessoas que chegam com defeito de força ou funcional, não é uma doença rara. É até difícil haver muitas pessoas que não conheçam alguém que tenha sido afetado por esta doença, por isso não é tão raro assim", começa por explicar o professor Mamede de Carvalho à MAGG, referindo que a ELA é a terceira doença neurológica degenerativa mais frequente, depois do Alzheimer e do Parkinson, estimando-se que afete cerca de 700 pessoas em Portugal.

De acordo com os estudos populacionais, em média, prevê-se que os primeiros sintomas desta doença surjam entre os 60 e os 65 anos, mas, segundo Mamede de Carvalho, "o problema é que este valor acaba por ser contaminado por haver muitas pessoas jovens (40/50 anos) que têm a doença. Isso causa um impacto numa fase da vida em que as pessoas têm uma grande capacidade produtiva e de trabalho".

Segundo o especialista, ao contrário do que acontece com a doença de Alzheimer e Parkinson, em que há muito poucos doentes diagnosticados com idades abaixo do 60 anos, com a ELA o mesmo não acontece, sendo também esta a doença neurodegenerativa que progride com mais velocidade.

"Os doentes que nos chegam tardiamente têm menor chance de beneficiar dos meios disponíveis de tratamento"

Apesar de não haver cura, o neurologista Mamede de Carvalho frisa que há formas de conter o rápido avançar da doença, dando mais qualidade de vida aos paciente, e que quando mais cedo a ELA for detetada melhor.

"Se nós seguirmos um doente precocemente, podemos acompanhá-lo e somos capazes de detetar atempadamente complicações (como a insuficiência respiratória), de forma a termos uma intervenção eficaz com benefícios em termos de aumento de sobrevida. Além disso, quanto mais cedo começarmos o tratamento com o medicamente aprovado (riluzol) mais benefícios haverá", explica, acrescentando que "os doentes que nos chegam tardiamente têm menor chance de beneficiar dos meios disponíveis de tratamento".

No caso de Olga, apesar do diagnóstico ter levado um ano a chegar, a doença foi detetada numa fase muito inicial — o que faz com que haja esperança de que os tratamentos consigam atrasar o avanço da ELA.

Olga foi uma das participantes de "Tabu": "Sinto que o programa reforçou a minha esperança"

Após o diagnóstico, seguiram-se alguns meses de introspeção, mas Olga decidiu, desde o primeiro dia, que tinha de "encarar a doença de frente" e lutar por ela e também para o bem dos dois filhos, de 5 e 13 anos. À MAGG, assume que houve alturas em que se escondeu, mas houve um momento em que percebeu que não o podia continuar a fazer. Foi esta vontade de se libertar que a levou a aceitar o desafio de ser uma das participantes da segunda emissão do programa "Tabu", da SIC.

"Tabu", uma adaptação do original belga "Taboe", é um formado conduzido por Bruno Nogueira que tem como objetivo fazer humor com temas que são socialmente sensíveis ou alvo de preconceito e estigma.

Depois de, no primeiro episódio de "Tabu", Bruno Nogueira ter vivido uma semana com Micaela, Sérgio, Luís e Inês (quatro pessoas com diferentes deficiências físicas), no segundo episódio foi a vez de Lídia Anjos, Francisco dos Santos, Cláudia Chiripus e Olga Patrício (quatro pessoas com doenças incuráveis) terem a oportunidade de contar as suas histórias.

Olga
Lídia Anjos, Olga Patrício, Francisco dos Santos e Cláudia Chiripus foram os quatro participantes da segunda emissão de "TABU"

"Quando aceitei tinha três meses de diagnóstico. Não tive nenhum receio e encarei logo como um desafio pessoal. Sinto que o programa reforçou a minha esperança também por conhecer casos gravíssimos e ver que a atitude não é esconder. Deu-me uma sensação de liberdade: a liberdade de finalmente poder contar. Não há nada melhor do que poder falar abertamente", afirma Olga, frisando que espera que a sua história ajude outras pessoas que possam estar a passar pelo mesmo ou por situações semelhantes.

Antes da emissão de "Tabu", Olga também ainda não tinha conseguido contar aos filhos do diagnóstico. Agora, ganhou coragem para o fazer e confessa que a reação do mais velho foi melhor do que aquela que esperava.

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"À mais pequena disse só que estava doente, porque com 5 anos ela ainda não tem capacidades para perceber. Ao mais velho já lhe expliquei qual é a doença, disse-lhe que era uma doença grave, mas que estou aqui para lutar, que estou a fazer tudo o que está ao meu alcance para contrariar e que enquanto existir vida há esperança", diz, referindo que o filho tem estado tranquilo.

"O meu medo era mesmo que ele ficasse muito preocupado, mas expliquei-lhe mesmo que a Internet não tem todas as informações e há exceções", conta, referindo-se ao facto de a pesquisa sobre a doença indicar uma esperança média de vida de três a cinco anos.

À MAGG, o neurologista Mamede de Carvalho frisa que, de facto, a Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença de progressão rápida cuja esperança de vida é entre três a cinco anos, mas alerta para o facto de haver várias exceções. "Obviamente há doentes com uma evolução muito lenta. Tenho doentes que sigo há mais de 20 anos e acompanhei doentes que tinham 30 anos de evolução."

Após o diagnóstico, é assim importante que os doentes comecem a ser seguidos. "Duas coisas que nós sabemos que prolongam a sobrevida é o riluzol [único fármaco aprovado na Europa no tratamento específico da ELA] e a segunda é a ventilação não invasiva", continua o especialista.

O aprender a não pensar muito no futuro e a viver um dia de cada vez

Apesar de esta ser uma doença maioritariamente sem causa aparente, 10% dos doentes apresentam uma alteração genética, explica Mamede de Carvalho, e Olga faz parte dessa percentagem.

No caso de Olga, há conhecimento de que o avô materno foi diagnosticado com a doença, mas nem o contacto próximo com um caso na família a faz pensar muito no futuro e nas dificuldades que possa vir a enfrentar.

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"Não penso muito no futuro e concentro-me no meu dia a dia. Posso até pensar num futuro próximo, mas não penso como vou estar daqui a cinco ou dez anos. Tive de fazer um esforço à minha mente para me concentrar naquilo que eu consigo fazer e não naquilo que já não consigo."

Para já, as únicas limitações verificam-se a nível motor (com impossibilidade de correr), mas no dia a dia Olga consegue ir desenvolvendo todas as suas atividades que fazia anteriormente. "Tento andar tranquila e pensar em coisas que sejam positivas, é nisso que me concentro. Há momentos em que até me esqueço que tenho isto."

"Não têm faltado ensaios [clínicos] nesta doença", frisa o neurologista Mamede de Carvalho.

Neste momento, a esperança de Olga é também a de que a investigação da ELA avance e que possam vir a surgir tratamentos mais eficazes no combate à doença.

De acordo com o especialista Mamede de Carvalho, "não têm faltado ensaios [clínicos] nesta doença". "Neste momento, os avanços visam procedimentos terapêuticos dirigidos a doentes que têm mutações específicas e tem havido desenvolvimento a nível de intervenções terapêuticas para alterar o ambiente genético dos doentes de forma a tentar reverter e estabilizar a situação clínica", esclarece, referindo que também em Portugal a sua equipa está a tentar iniciar alguns ensaios terapêuticos com fármacos inovadores no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. "O esforço continua, mas não tem sido fácil."

Em termos extra hospitalares, o neurologista realça ainda que a APELA (Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica) tem tido um papel essencial no apoio aos doentes com ELA, quer no sentido do seguimento (com apoio a nível de fisioterapia, equipamentos, aconselhamento em termos de assistência social ou apoio psicológico) como também a representar e defender os interesses dos doentes nos vários sentidos. "A APELA tem um papel muito relevante e espero que se desenvolva ainda mais, mas tem feito um trabalho notável num País pouco dado a filantropia", remata.