No passado domingo, 15 de agosto, Inês Aires Pereira recorreu às redes sociais para anunciar a sua segunda gravidez, ainda recente. Apenas quatro dias depois, esta quinta-feira, dia 19, a atriz partilhou um vídeo em que relata que sofreu uma forte hemorragia, momentos antes de entrar em direto no programa "Cristina Convida" e que se encontra, neste momento, em repouso. "Tive simplesmente de sair, meter-me num carro e ir a correr para o hospital", explicou.
Da possibilidade de aborto aos motivos que dão origem a hemorragias na gravidez, foram várias as dúvidas que vieram à tona como consequência do episódio. O tema é sensível e as opiniões dividem-se face à origem das perdas de sangue, à terminologia correta e, consequentemente, à melhor forma de lidar com a situação.
"Sangue é sangue e é naturalmente preocupante", avança o especialista Fernando Cirurgião, diretor do serviço de obstetrícia e ginecologia do Hospital São Francisco Xavier, à MAGG.
Hemorragia não é sinónimo de gravidez de risco
A terminologia pode ser a chave para desmistificar aquilo que, de facto, é (ou não) motivo para alarme. Não podemos considerar que uma hemorragia no primeiro trimestre de gravidez seja, efetivamente, um "deslocamento da placenta", esclarece o especialista. "No entanto, não podemos minimizar e menosprezar a sensação de angústia e o medo de perder o bebé, independentemente do tempo de gravidez".
"As hemorragias são comuns e não significam, de todo, que estejamos perante um aborto. Importa dizer também que, se até já houve uma ecografia prévia, em que já se detetou o batimento cardíaco do bebé por volta das sete semanas, a probabilidade de ser apenas um susto é relativamente grande", esclarece desde já o especialista, que suporta a afirmação com dados estatísticos: face a gravidezes evolutivas, entre 20 e 30% das mulheres comunica perdas pontuais de sangue.
"Uma hemorragia não é sinónimo de aborto, até porque há abortos que não conduzem sequer a uma situação de hemorragia", confirma Fernando Cirurgião.
Hemorragia no primeiro trimestre
Se os batimentos cardíacos do bebé já tiverem sido detetados e a grávida não relatar outro tipo de sintomas, como perda de sensibilidade mamária ou um desaparecimento súbito de enjoos que tinha anteriormente, tudo indica que se trate de uma hemorragia por consequência da implantação do embrião no útero.
"O tecido que reveste interiormente o útero e que será a tal futura placenta pode, às vezes, ser corroído ao longo do processo de fixação. O embrião tem de se fixar assim que chega ao útero e é um processo não só de invasão como de corrosão, porque tem de ir buscar circulação a algum lado para encontrar sangue para se alimentar", explica o especialista. Este processo pode eventualmente atingir um vaso sanguíneo com um calibre maior e, consequentemente, dar origem a perdas de sangue. Pode não ser patológico e personificar apenas uma resposta natural do corpo.
O que fazer em caso de hemorragia?
"Por vezes, é pena não haver uma linha direta neste campo de apoio obstétrico, para que o profissional que acompanha a grávida consiga tranquilizá-la e explicar que o que tem de fazer naquele momento é ficar em repouso relativo e não, como acontece muitas vezes, meter-se no carro a caminho do hospital – sendo que até pode ser mais prejudicial", salienta Fernando Cirurgião.
É importante perceber que, independentemente de visitar (ou não) um serviço de urgências, as perdas de sangue acabam por parar de forma espontânea."Primeiro, aparece sob forma de sangue vivo, depois vai ficando escuro, sendo que o escuro não tem de assustar, é apenas sangue velho. Até que, naturalmente, acaba por parar", explica Fernando Cirurgião.
"É quase como se fizéssemos um golpe num dedo e deixássemos pingar. Numa fase inicial, o sangue que corre é vermelho vivo e, passando uns minutos, começa a escurecer, pela oxidação. E é basicamente o que acontece com o sangue vaginal", acrescenta.
É importante salientar que o tempo que uma hemorragia leva a parar totalmente, de forma espontânea, varia de mulher para mulher, sendo que está intimamente relacionado com a secreção vaginal, que também aumenta durante a gravidez.
Ou seja, enquanto existirem vestígios de sangue da hemorragia, por mínimos que sejam, a secreção vaginal pode ficar "tingida" e acaba por, muitas vezes, ser (erradamente) confundida com a continuidade da perda de sangue. "É quase como deixar cair uma gota de tinta preta numa lata de tinta branca, o que acontece é que fica tudo manchado", simplifica o especialista. "São meros restos que ficam acumulados e que vão sendo libertados, aos poucos, à medida que o tempo passa, sem motivo para alarme."
O bebé sofre com as perdas de sangue?
Quando estamos perante uma hemorragia no primeiro trimestre de uma gravidez evolutiva, o especialista Fernando Cirurgião afirma que as consequências para o desenvolvimento prático do bebé são nulas. "Sendo esta situação isolada, não vai alterar em nada o desenvolvimento daquele bebé", explica. "É por isso que não devemos precipitar a hipótese de um deslocamento da placenta, quando se trata de uma placenta prévia, porque não tem esse significado todo."
“A culpa é minha?”
Independentemente de se tratar de perdas de sangue sem qualquer tipo de origem aparente ou de perdas de sangue na sequência de relações sexuais, a sensação de culpa tende a dominar os pensamentos da mulher.
“‘Bom, se me diz que a perda de sangue se deu na sequência de relações sexuais, até nos deixa a todos muito mais descansados, é o que costumo dizer”, conta Fernando Cirurgião.
“Sangue é sangue e assusta, tudo bem. Mas há outros fatores a avaliar, como o facto de o colo do útero estar mais sensível ou vascularizado durante a gravidez, por exemplo. Tudo isto pode dar origens a perdas pontuais de sangue, que nada têm que ver com o compartimento onde está o bebé”, completa.
E a ideia de que se uma relação sexual deu origem a uma perda de sangue durante a gravidez significa que temos de deixar a intimidade de lado é totalmente falsa, confirma o especialista. O ideal é apenas deixar que a perda de sangue ativa acabe por parar de forma espontânea, sendo que o especialista costuma aconselhar uma semana de pausa, para tranquilizar tanto a grávida como o parceiro.
De acordo com Fernando Cirurgião, não há um grupo populacional de risco no que às hemorragias do primeiro trimestre diz respeito. No entanto, fatores como a idade materna, normalmente acima dos 40 anos, maus hábitos, tabaco, bebidas alcoólicas, problemas da tiróide e, ainda, diabetes devem ser avaliados previamente e considerados no momento de avaliação do alegado risco das perdas de sangue.
Posto isto, há situações de hemorragia que são inevitáveis, mas há cuidados que podem contribuir para a sua prevenção. Francisco Cirurgião destaca o suplemento de ácido fólico como essencial para o bom desenvolvimento do tecido que, mais tarde, vai dar origem à placenta, aliado a bons hábitos alimentares e ao exercício físico.
" É evidente que uma vida relativamente calma, com hipótese de pausas ou sestas ao longo do dia, durante a gravidez, por exemplo, seria o cenário ideal para assegurar o bem-estar da grávida e do bebé", salienta o especialista Fernando Cirurgião.