Quem nunca ouviu a sua voz numa gravação e nem se reconheceu? Ou a voz é mais grave ou mais aguda do que esperávamos, ou nem temos noção que aquele é o tom que damos às palavras.
Mas se antes esse era um problema bastante pontual, o problema é que agora que estamos confinados às nossas casas, a voz tornou-se a principal ferramenta de trabalho, e nem sempre sabemos usá-la para comunicar de forma eficaz.
Na semana em que se assinalada o Dia Mundial da Voz, celebrado a 16 de abril, a MAGG foi saber como podemos cuidar e usar a voz nas várias plataformas e chamadas que nos mantêm ligados em teletrabalho. Para isso falámos com Inês Moura, coach vocal, que treina líderes, políticos e outros profissionais cuja voz é a principal ferramenta de trabalho. Entre eles estão figuras conhecidas como o apresentador e modelo Rúben Rua e o cantor João Conde.
Mas afinal, em que é que uma coach vocal pode ajudar? "Conseguir falar de forma a captar e manter a atenção do público, evitar bloqueios na voz em momentos importantes, transmitir mais presença, segurança e serenidade na comunicação, melhorar a clareza do discurso, usar eficazmente variações no discurso e diminuir o cansaço/proteger a voz. Em geral as pessoas querem fazer-se ouvir, não só em quantidade, mas em qualidade", explica Inês, autora do livro "O Poder Secreto da Voz".
Como a voz ganhou agora mais expressão como ferramenta de trabalho à escala global, revelamos como tirar partido da mesma.
Como é que a voz influencia uma boa comunicação?
Não é difícil imaginar o quanto a voz pode ser desconcertante. Basta que esteja mais trémula ou o discurso seja hesitante para deixar aqueles que têm um menor foco de atenção à deriva nos primeiros minutos de conversa. Mas saber controlar estas características é possível e importante.
"A voz é um importante veículo para transmitir confiança, credibilidade e emoção no discurso. Quando a mensagem, ou mesmo a postura, não correspondem à voz gera-se uma sensação de falta de congruência e pouca autenticidade", explica Inês Moura.
Para "camuflar" estados de ansiedade ou nervosismo é preciso ter uma boa preparação e Inês acredita que podemos até usar essas emoções a nosso favor: "Um ensaio adequado com feedback profissional é fundamental para gerir esses estados e transformá-los em confiança na hora H. Existem também técnicas de postura, respiração, colocação de voz, tom, pausas e dicção, entre outras, que fazem o nervosismo desaparecer ou o tornam impercetível".
"Definir o que queremos dizer é fundamental mas também como vamos passar a mensagem"
A assertividade é outros dos fatores que pode ajudar numa boa comunicação, contudo para ser assertivo — ou seja, dizer aquilo que pensamos com a confiança de que as outras opiniões são igualmente válidas — é preciso usar a sua voz mental e questionar: "'Este é o momento certo?', 'é a pessoa certa?', 'o que vou dizer é verdade e útil?' para ganhar mais confiança no que vai dizer", aconselha a coach vocal.
A juntar a estes passos, recomenda ainda uma postura aberta, que transmita honestidade e franqueza, e uma clara articulação de palavras para transmitir segurança e determinação.
É a clareza do discurso que permite evitar uma má interpretação daquilo que queremos dizer. "Definir o que queremos dizer é fundamental, mas também como vamos passar a mensagem. Esta segunda etapa é, por vezes, descurada. Normalmente pensamos no que queremos dizer e, menos vezes, em como o outro se vai sentir", diz a especialista em voz.
Deve então começar a pensar estrategicamente: "O que quero que o outro sinta depois de me ouvir?". Inês Moura revela que ao fazer esta reflexão, será mais fácil alinhar a voz à nossa verdadeira intenção daquilo que se quer comunicar.
É possível a voz substituir a presença física?
Talvez não saiba, mas a verdade é que a voz diz muito sobre nós: idade, género, nacionalidade, estado de saúde, nível de educação e até nível de competência — tudo em escassos minutos. "Todos deixamos uma marca vocal", diz Inês.
Por isso, mesmo que esteja em teletrabalho e nem use Skype ou outras plataformas de vídeo, uma simples chamada pode denunciar a sua idade. Por isso, a voz pode realmente substituir a presença física, ainda que, como se costuma dizer, não seja a mesma coisa.
"A voz está, no contexto em que vivemos, a substituir a presença física. Com as medidas de isolamento social e a necessidade de comunicar por telefone ou videoconferência, a voz tornou-se um elemento-chave na comunicação à distância. Acredito que, neste momento, as pessoas têm a oportunidade de desenvolver ainda mais competências no uso da voz para lidar com os seus desafios online", explica a coach vocal.
A questão é como desenvolver essas competências? Partimos para o próximo ponto.
"Quanto melhor e mais saudável forem os nossos hábitos, mais saudável e duradoura será a voz"
A voz não só exige algum trabalho, como algum cuidado, uma vez que é o reflexo do mundo exterior e também do nosso mundo interior.
"Quanto melhor e mais saudável forem os nossos hábitos, mais saudável e duradoura será a voz. Também é importante cuidar do nosso diálogo interno, ou seja, os nossos pensamentos, crenças e limitações autoimpostas", uma vez que a autoconfiança e autoestima têm uma grande influência na voz, acrescenta a especialista.
Como é que podemos então cuidar da voz? A coach vocal aconselha a dormir bem, comer refeições leves, manter a hidratação com bastante água ou chá, evitar falar em ambientes ruidosos, proteger a zona da garganta em ambientes frios, limitar o uso da voz em períodos de maior desgaste e ainda adotar uma postura correta.
É assim que vamos ter uma voz como a de Rúben Rua?
Digamos que não é bem dessa forma que funciona, mas pode aproximar-se. Inês Moura explica que no início das sessões de coaching vocal, cada pessoa, até Rúben Rua, idealiza a voz que quer ter. Para lá chegar vai ter de trabalhar nesse processo em conjunto com o profissional e pode ser mais ou menos demorado.
E pode ser um dos casos que parte da ideia de que não gosta da sua voz — algo que não só é normal, como até tem um nome. "Condução óssea. Ouvimos a nossa voz de forma diferente das restantes pessoas porque também a ouvimos 'por dentro'. Na maioria dos casos as pessoas não gostam de ouvir a sua voz gravada", explica a coach vocal.
Perante estes casos, há duas possibilidades: treinar o que não se gosta com ajuda profissional ou continuar a ouvir a voz até se tornar habitual e deixarmos de a estranhar.
O que é certo, é que todos podemos temos ferramentas para conseguir dominar a voz e nem sempre significa que tenha de ser como a de um Rúben Rua. "É curioso que mesmo quando se vem com uma ideia pré-concebida de ter uma voz como a personalidade X ou Y, o cliente acaba por perceber que é mais interessante descobrir a sua própria marca vocal e pôr as imitações de parte", conclui Inês.