Jane Setter é fonetista e professora britânica na Universidade de Reading, no Reino Unido. Durante 30 anos Setter estudou a forma como falamos e como isso nos afeta no dia-a-dia, conseguindo resultados surpreendentes.
A investigação mostra que a influência da voz, da entoação e do sotaque acontece desde que somos bebés, e isso é visível logo no choro.
As descobertas ajudam-nos não só a perceber como funciona a fonética do ser humano, mas também como é que podemos adaptar-nos para que a forma como falamos tenha uma influência positiva nas interações com os outros.
Tudo isto está no novo livro "Your Voice Speaks Volumes", lançado por Jane Setter a 24 de outubro. "Não é o que dizes, mas a forma como dizes" é a frase escrita na capa, que acaba por dar alguns sinais sobre aquilo que pode encontrar no livro.
Deixamos aqui algumas das descobertas.
1. Um bebé a chorar já tem sotaque
É possível que este seja um dos resultados mais surpreendentes da investigação. Isto porque todos nós pensamos que só depois da primeira palavra é que se percebe o nosso sotaque.
Mas a experiência dos bebés com as vozes começa quando estes ainda estão na barriga da mãe, mais precisamente no quinto mês de gestação. É nesta altura que estão mais atentos à voz da mãe, que conseguem ouvir através do líquido amniótico, mas não só.
De forma natural a investigadora acabou por testar que não os bebés não estão atentos apenas à voz da mãe. Setter passou muito tempo com uma grávida e quando a criança nasceu, esta não só sorria para os pais, como reconhecia as suas vozes.
A investigadora adianta ainda que no choro dos bebés recém-nascidos é possível identificar alguma entoação semelhante à da língua materna.
2. Identificar Jihadi John através da voz
Antes de as autoridades darem a confirmação, já Jane Setter sabia: o terrorista que em 2014 apareceu em vários vídeos, todo vestido de preto e com a cara tapada, a decapitar pessoas em Estados Islâmicos tinha um sotaque britânico, o que sugeria que tivesse ligação ao Reino Unido.
As suspeitas da investigadora foram mais longe, sugerindo até que, dado o sotaque, Jihadi tinha frequentado a universidade.
E foi isso mesmo que as autoridades confirmaram quando identificaram Jihadi e descobriram que nasceu em 1988 no Irão e que a família se mudou para o Reino Unido em 1994, quando ele tinha 6 anos.
Foi aqui que Jihadi estudou, chegando mesmo a ir para a Universidade de Westminster, em Londres. Setter conseguiu identificar tudo isto apenas através do sotaque que o terrorista revelava nos vídeos.
3. O sotaque das classes altas não é considerado o mais amigável
Os sotaque marca regiões, mas também classes sociais e isso às vezes pode ter uma conotação negativa. É o caso da pronúncia dos britânicos de classe alta que, de acordo com o jornal "Daily Mail", não são considerados os mais amigáveis.
Para testar a veracidade desta ideia, o sociolinguísta Howard Giles pediu a várias pessoas que avaliassem o sotaque de oradores conforme a sua inteligência, liderança, simpatia, confiante, classe social, sentido de humor, etc.
E a verdade é que as pessoas associaram a colocação de voz da classe alta à inteligência, à autoridade e à classe social, mas quanto aos parâmetros da simpatia, confiança e sentido de humor, os números não foram satisfatórios.
Já quanto a sotaques rurais, como os do País de Gales, foram identificados como mais amigáveis e confiáveis, mas não como educados e as pronúncias urbanas, como a de Birmingham, tiveram conotações mais negativas em quase todos os parâmetros de estudo.
A investigação acabou assim por provar que os oradores são julgados socialmente pelo sotaque.
4. Alguns sotaques não ajudam a encontrar o amor
Parece que a pronúncia também é um fator que influencia a vida amorosa. É que uma pesquisa realizada por uma agência de encontros constatou que, no caso britânico, o sotaque com mais sucesso é o de Edimburgo, por representar normalmente uma pessoa educada e com um bom trabalho.
Com base também no reality show britânico "Love Island", o sociolinguísta Gerry Howley constatou que vários participantes eram criticados pela forma como falavam — ora devido à voz irritante, ora porque as mulheres tinham mais sotaques regionais do que os homens.
5. As mulheres gostam de vozes graves
Este ponto resulta de ideias ancestrais em que um homem forte era sinónimo de um marido protetor, que cuidaria da família e que daria filhos fortes e saudáveis.
Ora, hoje em dia já não partimos para uma relação com este pensamento, mas no livro, Jane Setter refere que a voz é um indicador de quão forte uma pessoa é fisicamente, estando por isso uma voz grave associada à ideia de um homem poderoso.
6. Os homens nunca devem tentar fazer uma voz sexy
Porquê? Porque quando tentam parecer sexy, acabam por parecer menos atraentes do que o normal. Pelo menos é este o resultado de uma investigação em que foram gravadas algumas frases ditas por 20 homens e 20 mulheres.
Estes tinham de fazer várias vozes: normal, dominante, confiante, inteligente e sexy. Depois das gravações, outras 20 pessoas avaliaram os oradores e os resultados revelaram que as vozes das mulheres eram consideradas mais sexy e atraentes, ao contrário do que aconteceu com os homens, que pareceram ainda menos atraentes.
7. Como é que uma mulher consegue mostrar confiança através da voz?
É simples: diminuindo o tom e tornando a voz mais profunda. Esta é uma das formas de as mulheres imporem uma atitude autoritária.
Margaret Thatcher, Primeira-Ministra do Reino Unido até 1990, teve de se impor perante um mundo dominado por homens. E apesar de no início dizerem que tinha uma voz aguda, Thatcher adotou estratégias para mudar e uma delas foi precisamente diminuir o tom. Além disso, aprendeu a controlar a voz e a falar mais devagar.
Estas foram algumas das estratégias adotadas de forma a dar um tom mais confiante ao discurso e marcasse uma posição de liderança.