Longe vão os tempos em que dividíamos os partos entre cesarianas e partos normais. Enquanto não há dúvidas de que a primeira designação se refere ao nascimento de um bebé através de uma cirurgia, todos os outros tipos de partos eram englobados na definição de parto normal, fosse este com recurso a epidural, um processo sem grandes intervenções médicas, com ventosas ou fórceps, por exemplo.

Atualmente, o cenário é diferente. Para além das definições que sempre conhecemos, já se fala de partos  respeitados, induzidos, instrumentados e na água, para além de planos de parto, bolas de pilates para aliviar a dor, piscinas e muitos outros recursos.

"Durante quatro anos, achei e dizia a toda a gente que tinha tido um parto normal", conta à MAGG Rita Silva Freire, jornalista e autora do livro "Trazer ao Mundo", lançado a 13 de setembro, que contém relatos de várias mulheres sobre os seus diferentes tipos de parto.

Tal como a autora explica, e apesar de ter a perfeita noção de tudo o que se passou no parto do seu filho Manel, não estava a par de que o uso de instrumentos — neste caso a ventosa — fizesse com que o seu parto tivesse uma designação específica: "Só recentemente, no processo de escrever o livro e recolher testemunhos de mulheres e especialistas, é que percebi que o nascimento do meu filho foi um parto instrumentado".

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Rita Silva Freire admite que o seu desconhecimento pode ter tido algo a ver com o facto de não ter feito cursos ou aulas pré-parto, ou sequer questionar muito os médicos e enfermeiros durante a gravidez — algo que acredita que pode não acontecer às mulheres que apostem nestes mesmos cursos.

"Acho que as mulheres, hoje em dia, estão muito mais informadas do que há dez anos, por exemplo. E nestes cursos pré-parto acho que se ensina muita coisa e, acima de tudo, se consegue informação. Erradamente, achava que estas aulas eram só para quem queria ter um parto sem epidural e preparar-se para gerir a dor, as contrações. E como eu sempre fiz questão de ter alívio da dor, não os fiz", relata a jornalista.

Rita Silva Freire é autora de 'Trazer ao Mundo', editado pela Contraponto Editores
Rita Silva Freire é autora de 'Trazer ao Mundo', editado pela Contraponto Editores

Com o seu trabalho em "Trazer ao Mundo", Rita Silva Freire aprendeu muito sobre os diferentes tipos de parto e riscos. Mas também percebeu que "há coisas que podem fugir ao nosso controlo no momento do parto, muita coisa imprevisível, e só nos resta aceitar e confiar na equipa que nos está a acompanhar, mesmo que isso signifique que estamos a abandonar o nosso plano inicial".

Apesar de ser importante que sejam respeitadas as vontades das mulheres num momento especial como o parto, e embora a informação seja cada vez mais abrangente, existem ainda muitas dúvidas. Afinal, quantos tipos de parto é que existem? E todos são reconhecidos pelos especialistas?

Parto normal: quando não existe praticamente nenhuma intervenção médica

Antes de mais, é importante salientar que todos os partos se dividem em duas categorias: eutócicos e distócicos. "Os partos eutócicos são partos normais, sem grande intervenção médica, em que o bebé está cefálico e nasce pela vagina da mãe. Pode apenas existir a necessidade de fazer um pequeno corte nos músculos do períneo da mulher", explica à MAGG Paula Ambrósio, médica obstetra no Hospital Lusíadas Lisboa.

Já os distócicos, são partos que requerem intervenção médica, na qual se englobam "o uso de instrumentos, como os fórceps ou a ventosa, ou um parto por cesariana, claro está", esclarece a especialista.

Para Paula Ambrósio, é simples explicar o que é um parto normal. "É um parto em que a criança, sem grande manipulação do obstetra ou de quem estiver a fazer o parto, nasce de forma natural, pela vagina da mãe. Por vezes há a necessidade de fazer o tal corte nos músculos do períneo, por uma questão de espaço e para que a cabeça do bebé saia melhor, mas continua a ser um parto normal".

Como grande benefício, a especialista salienta que "o parto normal é mais fisiológico que existe", e em que a recuperação da mãe pode ser a melhor — e o parto até pode ocorrer sem dor. "Se eu der epidural à primeira contração, o parto pode não ter dor nenhuma".

No entanto, do lado das desvantagens, Paula Ambrósio salienta que, ao nascer, "a pressão que a cabeça do bebé exerce sobre o períneo da mulher e estruturas à volta, como a bexiga e o reto, podem causar consequências a nível da bexiga e do esfíncter da mãe".

"A cesariana é o parto menos natural que existe"

No outro extremo estão as cesarianas, onde a extração do bebé é feita através de uma incisão no útero e, "para lá chegar, temos de cortar pele, gordura, músculo", explica Paula Ambrósio, considerando "a cesariana o parto menos natural que existe".

No entanto, e de acordo com a especialista, pode ser necessário recorrer a esta intervenção quando "o bebé não está na posição correta para nascer pela vagina, quando é grande demais e há o perigo de ficar entalado pelos ombros — em grávidas que passam por diabetes gestacional o risco é maior —, quando precisamos de tirar o bebé rapidamente da barriga da mãe e ainda não há dilatação completa, ou quando, de uma forma geral, o parto vaginal não é seguro para a mãe ou para a criança".

Apesar de existir a ideia de que uma cesariana é isenta de dor, dado que algumas mulheres com intervenções programadas não chegam a ter uma única contração, há grávidas que acabam numa cesariana depois de horas de trabalho de parto. Paula Ambrósio não tem dúvidas: as grandes contrariedades da cesariana são para a mãe.

"Em teoria, não há a questão da pressão na zona do períneo, não há o perigo de rasgar músculos, mas existem outros fatores. Sendo uma cirurgia, é mais arriscado para a mãe, pode haver uma lesão na bexiga, nos intestinos, uma hemorragia. Depois há também a questão da recuperação pós-parto, dado que que estamos a falar de uma incisão abdominal, onde todas as estruturas têm de recuperar. E claro, é doloroso", salienta a especialista.

Ainda há muitas cesarianas a pedido?

Outro dos grandes temas relacionados com a cesariana é a marcação destas intervenções sem necessidade médica — ou seja, sem indicação de patologia materna ou obstétrica. "Ao longo da minha pesquisa para o livro, ouvi muita coisa sobre cesarianas marcadas a pedido da mulher, por conveniência de agenda do médico ou de ambos", relata Rita Silva Freire.

E apesar de Fernando Cirurgião, diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier, afirmar que "as cesarianas a pedido nunca vingaram em absoluto de uma forma sistemática — não é que não se respeite a vontade da mulher, mas tem de existir uma indicação obstétrica ou indicação de patologia materna para tal", Paula Ambrósio afirma que continuam a existir "imensas nos hospitais privados".

Os dados também revelam as diferenças. De acordo com números do Instituto Nacional de Estatística, 33% dos partos feitos em Portugal em 2016 foram cesarianas: nos hospitais públicos, este tipo de partos representou 27,9% dos partos totais, enquanto que no privado os números subiram para 65,5%.

Para Paula Ambrósio, tudo depende da idade gestacional do bebé: "Acho que há um limite. Se uma grávida chegar às 40 semanas e me disser que não quer ter um parto vaginal, não tenho problemas em fazer uma cesariana, o risco de o bebé não se adaptar bem cá fora é extremamente baixo. Mas se estivermos a falar de cesarianas às 36 semanas, por exemplo, apenas e só por vontades e conveniências e não por uma razão médica, isso para mim é um crime e está fora de questão".

Fernando Cirurgião é diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier
Fernando Cirurgião é diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier

Já Fernando Cirurgião é da opinião que os partos vaginais devem ser sempre privilegiados, a não ser que exista uma razão médica para não o fazer, e recusa alguns preconceitos em relação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS): "Muitas mulheres têm ideia de que não se recorre à cesariana nos hospitais públicos por causa de custos, mas não tem nada a ver com isso. Não se recorre logo porque tenta-se privilegiar ao máximo os partos vaginais. Mas há realmente uma ideia incutida em muitas pessoas que o SNS tenta evitar as cesarianas a todo o custo por motivos financeiros".

Sabe o que é um parto instrumentado?

Tal como Rita Silva Freire, há muitas mulheres que desconhecem esta designação. Porém, a mesma é bastante simples e o próprio nome é indicador. "Um parto instrumentado é aquele em que usamos instrumentos, como o fórceps e a ventosa, que permitem retirar o bebé de dentro da mãe por via vaginal", esclarece Paula Ambrósio.

Para a utilização destas ferramentas de forma segura, a médica obstetra explica que "tem de existir uma dilatação completa, o colo do útero tem de estar completamente aberto, e a cabeça do bebé suficientemente descida". A especialista salienta também que estes instrumentos são utilizados quando é necessário fazer a criança nascer rapidamente, como quando "a dilatação está completa e a frequência cardíaca do bebé começa a descer".

Em termos de prós e contras deste tipo de parto, as ventosas não representam grandes contrariedades para a mãe, dado que não precisam de muito espaço e não exercem pressão nas paredes vaginais. Já para o bebé, a utilização da ventosa pode resultar em hematomas na pele da cabeça, "devido à pressão aplicada".

Com os fórceps, o cenário inverte-se: dado que ocupa mais espaço na vagina, faz pressão nos músculos e paredes vaginais da mulher, mas funciona como um capacete para o bebé, protegendo a cabeça.

Não há partos induzidos, mas sim induções de trabalho de parto

Apesar de o termo parto induzido ser cada vez mais ouvido, Paula Ambrósio rejeita a existência da designação e explica que "a indução é um processo que leva a um trabalho de parto, que provoca contrações antes de estas surgirem naturalmente".

Assim, para a médica do Hospital Lusíadas Lisboa, "trata-se de um processo e não de uma forma de parto", sendo o mais correto falarmos de uma indução de trabalho de parto, que depois pode resultar num parto vaginal, instrumentado ou mesmo cesariana, caso a indução não seja bem sucedida.

De acordo com a especialista, o objetivo do processo é desencadear o início do trabalho de parto, e pode ser necessário recorrer às induções quando "há algum problema com a gravidez, quando existe pouco liquido amniótico ou quando o risco de se continuar a gravidez é maior do que o risco associado a parar a gestação".

De uma forma protocolar, está estabelecido que caso uma gravidez chegue às 41 semanas, deve seguir-se para uma indução. "A vantagem deste processo é mesmo essa, reduzir os riscos de uma gravidez que não deve durar mais tempo", conta Paula Ambrósio, que salienta a grande desvantagem: o falhanço da indução e a necessidade de seguir para uma cesariana.

Para além deste desfecho, e dado que estamos a falar de um processo que inicia o trabalho de parto de uma forma artificial, as induções também podem provocar contrações mais intensas e dolorosas.

Partos naturais e respeitados? Uma especialista não reconhece valor a estas designações

"Para mim, um parto natural é quando corre tudo bem com a mãe e com o bebé", afirma Paula Ambrósio, que não tem problemas em afirmar que a designação de parto natural não é um termo médico, "o natural não se aplica em obstetrícia".

Questionada sobre se os partos naturais não são aqueles em que a mulher recusa intervenções médicas e administrações de fármacos como a oxitocina ou para alívio da dor, como a epidural, a especialista salienta que há muita desinformação.

"Hoje em dia, há muitas grávidas que não querem isto ou aquilo [referindo-se aos fármacos] porque acreditam que isso vai aumentar as suas probabilidades de ter um parto normal, mas isso não é verdade. Em relação às intervenções, quando a mulher não quer fazer nada, normalmente acaba numa cesariana."

Para a médica obstetra, o cenário atual de muitas grávidas recusarem intervenções médicas é sinónimo de "assumirem que as medidas criadas não são boas. Criou-se uma ideia de que as intervenções no parto são coisas más, e que por isso é que existem tantas cesarianas, mas não foi por milagre ou coincidência que as taxas de mortalidade materna ou infantil diminuíram".

Paula Ambrósio também reforça que existe o outro lado da questão: " Claro que também se caiu no extremo da intervenção máxima, eu tenho colegas que só fazem cesarianas, tem de existir um meio termo".

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Outra designação que a médica recusa é a dos partos respeitados: "Eu respeito imenso as minhas grávidas, elas respeitam-me a mim, logo todos os meus partos são respeitados. E desde que existam condições médicas para existir liberdade, por mim tudo bem. Se uma grávida me diz que gostava de não fazer oxitocina para ver como as coisas evoluem, tudo bem, não fazemos. Mas tenho de a avisar que isso pode atrasar o trabalho de parto e ainda terminar em cesariana. Mas se o bebé estiver bem, se a mãe estiver bem, por mim também se pode fazer".

Paula Ambrósio respeita tudo aquilo que é seguro para a mãe e para o bebé, e assume que dá liberdade desde que as condições de segurança estejam asseguradas. "Mas há colegas que dão muito mais do que eu, não concordo nem alinho com determinados planos de parto, mas isso tem a ver com a minha perspetiva e com aquilo que acho que consigo fazer. Tenho colegas que são muito mais permissivos, depende de cada um, das suas experiências".

A especialista refere ainda que um "parto respeitado não pode ser um parto indisciplinado, é respeitado até onde pode ser". Para Paula Ambrósio, "quando entramos numa ótica de potenciais perigos e riscos, como respeitadora da saúde do bebé e da mãe, tenho obrigação de dizer aquilo que penso, e a grávida é que tem de se decidir a respeitar o que eu proponho".