2020 é um ano marcado pela mudança. A pandemia pode ter ter trazido muitas coisas más, mas a verdade é com ela surgiram também centenas de marcas nacionais criadas por pessoas que aproveitaram as adversidades para se lançarem no mercado com ideias novas e amigas do ambiente. Ana Faria é uma dessas pessoas.
Em janeiro deste ano, decidiu que estava na altura de fazer alguma coisa para mudar o mundo e lançou a Puranna, que começou por ser uma marca composta apenas por ela e pela máquina de costura. Com o tempo, o projeto foi crescendo e à Puranna já se associaram caras conhecidas do mundo da sustentabilidade, como é o caso de Catarina Barreiros.
Natural de Guimarães, Ana Faria cresceu numa família ligada à industria têxtil que, pelas suas características, nunca a fascinou. "Eu lembro-me de ser pequenina e ver o meu pai preocupado porque tinha encomendas que não podiam sair, porque havia uma variação de cor que nem era possível ver a olho nu , mas que não passava no controlo de qualidade e já estavam milhares e milhares de metros produzidos, ou porque era produzido alguma coisa e depois o cliente ia à falência e ficava lá milhares e milhares de rolos já produzidos sem nenhuma finalidade. Isso magoava-me muito, mesmo por uma questão até da própria poluição", começa por contar à MAGG.
Ana Faria viveu alguns anos no Brasil e foi lá que se começou a questionar a cerca de tudo. "Acho que foi a primeira vez na vida que me questionei acerca da vida e do que estou aqui a fazer, qual é o meu impacto aqui, o que é que eu vim cá fazer, qual é o meu dom, do que é que eu gosto e foi aí que decidi aprender a costurar."
Depois de regressar a Portugal, Ana Faria decidiu criar a Puranna, e começou por produzir, inicialmente, artigos pequenos como por exemplo, discos desmaquilhantes reutilizáveis. Mais do que o produto em si ter a finalidade de ser usado várias vezes, também a sua confeção é sustentável visto que a jovem recorre à utilização do chamado dead stock (numa tradução livre, armazenamento morto), isto é, material que não foi vendido e que, muito provavelmente, nunca será.
"É mais do que reciclar, é mais do que encontrar coisas biodegradáveis e continuar a produzir, é reutilizar o que nós já temos produzido em Portugal ou então quando temos de produzir que sejam coisas nacionais de modo a que possamos criar menor impacto no planeta quanto for possível”, refere Ana Faria. “O grande objetivo da Puranna é causar o mínimo de impacto no meio ambiente", acrescenta, afirmando que “nem sempre é possível também devido aos envios, mas a ideia é mesmo diminuir essa pegada.”
Sendo de Guimarães, recorda a que "há uns anos se dizia que o Rio Ave ditava as tendências da moda", isto porque todas as fábricas aproveitavam o rio para despejar muito do que produziam, e esclarece a vontade que sempre teve de fazer algo para mudar isso. Sabendo a quantidade de tecido que é desperdiçado nas fábricas, começou à procura de excedentes que pudesse aproveitar dando-lhes uma segunda oportunidade.
O que é feito ao dead stock das fábricas?
Ana explica que a maioria dos milhares de metros de tecido de dead stock vai para o lixo, mas que também é possível ser desfeito para mais tarde ser utilizado em interiores de sofás — o que raramente acontece.
“Quando chegam as marcas e as industrias que querem produzir, já vêm com os próprios desenhos, com as próprias cores, então muito dificilmente alguém pega em dead stock. É difícil que tenha uma finalidade a não ser o lixo”, fala pelo que vê que acontece no negócio da família.
Foi essa finalidade que Ana quis dar aos tecidos, criando a Puranna que se dedica, principalmente, à confeção de artigos para cuidados com a pele, como toalhas e discos desmaquilhantes reutilizáveis, o que implica o uso de pouco tecido. “Mesmo assim eu já percorri dezenas e dezenas de fábricas, encontrei coisas maravilhosas e comecei a ver o dead stock como um tesouro. É inacreditável o que podemos encontrar e criar”.
O projeto foi crescendo e ao mesmo juntaram-se os dois primos, que, em simultâneo, continuam a trabalhar na fábrica da família, mas que, pela primeira vez, perceberam as mais valias do dead stock. “Para eles, ter um rolo com 50 metros não era nada porque lidam com milhares de metros e de encomendas enormes todos os dias”, refere Ana.
Muita da inspiração de Ana Faria vem da influenciadora Catarina Barreiros, que lançou recentemente a loja online “Do Zero”. Depois de um live em que Catarina falava sobre a importância de se reutilizar o que já estava produzido, Ana sentiu que tinha de lhe passar as suas ideias e aproveitou a ida de Catarina a Guimarães para lhe falar do projeto que levou à parceria entre as duas.
A parceria com Catarina Barreiros
“A Catarina foi incrível e ficou ainda mais entusiasmada do que eu. Ela viu toda a fábrica, todos os processos que acontecem, a parte da escolha do fio, da tecelagem, a parte da produção, a parte do embalamento, mostrámos o que tínhamos de dead stock e ela ficou muito feliz e deu-nos ânimo para prosseguir com isto.”
Na fábrica da família, Ana produz agora, artesanalmente, roupa de cama e de mesa que são as primeiras peças que já estão à venda no site de Catarina Barreiros. Contudo, mais novidades irão surgir.
“O que nós estamos a fazer agora é lançar pouco para que as próprias costureiras não sejam sobrecarregadas e para que possam fazer aquilo com calma e amor”, explica. A empresa da família serve apenas como uma ajuda para conseguir chegar ao dead stock de outras fábricas que “até agora ninguém estava disposto a mostrar porque não valia nada para eles.”
A coleção em parceria com Catarina Barreiros vai ter inicialmente apenas três opções e a ideia é produzir em pequenas quantidades. “Não faz sentido pegar num dead stock e produzi-lo em grande quantidade, se depois também não conseguimos dar uma finalidade porque vamos gastar mais recursos ainda como luz e mão de obra”, afirma Ana referindo que é isso que querem evitar.
Os preços pretendem “honrar as pessoas” que trabalham para a marca. Não só para a coleção que tem em parceria com Catarina, Ana e os primos procuram sempre pessoas que, por alguma razão, precisam de um “dinheiro extra”, por questões familiares ou porque tiveram de receber uma reforma antecipada.
“Em vez de estarmos a procurar confeções que nos possam fazer aquilo em larga escala, vamos valorizar as pessoas que estão mesmo aqui ao nosso lado. É esse o nosso objetivo e acredito que tenha sido também por essa razão que a Catarina aceitou fazer esta coleção connosco. Não fazia sentido começar com outra pessoa qualquer sendo que foi ela a nossa inspiração”, remata a fundadora da Puranna.