Neste mundo pandémico, vivemos num emaranhado de regras. Os decretos ditam as normas, mas é confuso na mesma. É que de 15 em 15 dias, há rotinas que mudam radicalmente, outras que se alteram ligeiramente e há ainda as que se mantêm.
No decreto presidencial, há expressões dúbias, frases compridas, uma linguagem muito pouco amiga da compreensão rápida — sem esquecer o tamanho das letras. Este fim de semana posso circular entre concelhos? O meu concelho é de risco fraco, elevado, muito elevado ou extremamente elevado? Se for elevado, tenho de cumprir que regras? E de risco fraco? Até que horas posso estar na rua? Nada é estanque, está sempre tudo a mudar.
A pensar no nó de questões, um programador e um designer, amigos e colegas de trabalho há cinco anos, uniram forças e decidiram pôr em prática uma ideia: criar o Pandemia Clara, um site simples, em que basta selecionar o dia e o concelho para estar a par de todas regras que, nessa data, estão em vigor — desde a circulação entre concelhos, ao recolher obrigatório, números máximos de ajuntamentos, horários de restauração e estabelecimentos comerciais e ainda as mais elementares e transversais a todo o país, como a utilização de máscara.
"As ideias simples funcionam", diz Luís Carmona, designer, 38 anos, natural de Oeiras. "É isto que as pessoas querem saber: as medidas para hoje no sítio em que vivem."
Foi ele que teve a ideia e, logo no domingo, 21 de novembro, sexta-feira, lançou o desafio a Nelson Duarte, 37 anos, natural da Covilhã. Luís definiu o aspeto e modo de funcionamento da plataforma e Nelson implementou. Em três dias, na segunda-feira, 23, o Pandemia Clara já estava online.
Em muito pouco tempo, o projeto sofreu um upgrade: a certo ponto, ao invés de usarem a linguagem utilizada também pelo governo, copiando ipsis verbis as medidas descritas na lei, decidiram simplificar: "Escrever de forma clara, como se fala, para toda a gente perceber", explica Luís. Nesta etapa, contaram com a ajuda essencial de um terceiro elemento, mais familiarizado com as regras e ritmos da escrita: Eva Dinis, amiga de Luís Carmona.
Esta vontade de, sem nenhuma recompensa imediata, criar uma plataforma que auxiliasse toda a gente faz parte da essência da dupla, que há mais de uma década trabalha na área do digital. "Nós gostamos muito de fazer estas coisas", explica Luís, que admite que, ao procurar por plataformas do género, começou logo a dar aso à imaginação, pensando em como poderia fazer ainda melhor. "Surge da minha natureza como designer."
Depois, há a vontade de ajudar, presente desde o início da pandemia. "Nós temos o privilégio de estar a trabalhar em casa nesta altura. Não levámos cortes, nem fomos despedidos", frisa Nelson. "Há uns meses pensávamos mesmo numa forma de fazermos voluntariado. O nosso perfil não é tanto de sair à rua, mas pensámos em ajudar com as nossas capacidades técnicas."
E, passados dez meses, esta vontade de contribuir ganhou forma no Pandemia Clara. Uma das maiores preocupações tendo em conta a velocidade de mudança, admitem Luís e Nelson, é a de não desinformar quem consulta o site. Por isso, além do esforço para descodificar aquilo que leem nas fontes oficiais, caso se detete algum erro, está sempre um email disponível para onde as pessoas podem contactar. "Queremos fazer voluntariado cívico, tentando informar as pessoas, não correndo o risco de desinformá-las."
As regras por cada dia e concelho surgem até dia 7 de janeiro, mas a dupla chama a atenção: "Usámos as regras atuais e níveis de risco atual de cada concelho, ou seja, do estado de emergência de 9 a 23 de dezembro."
É que, apesar de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, ter referido que seria muito provável a extensão do estado de emergência até esta data de 2021, falta ainda publicar o decreto que dite as regras. Ou seja, o nível de risco dos concelhos pode vir a sofrer alterações, assim como as restrições. "Por isso é que temos a vermelho no site a nota de que tudo pode mudar entretanto."
Há um outro separador no site Pandemia Clara, relacionado com a vacinação. "O principal são as medidas por cada dia e concelho. Mas decidimos adicionar uma parte de vacinas, em que o utilizador pode pôr a idade, o tipo de doenças, e através disso, saber em que fase do plano de vacinação é que está."
Toda a informação disponível, explicam, vai sendo atualizada até ser necessário. O desejo é que não seja durante muito tempo. Mas nem é tanto pelo volume de trabalho. "Todos queremos que isto acabe."
Outro pormenor: para quem quiser apoiar Luís e Nelson, é só aceder ao botão "pague-nos um cafezinho".