O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, entrou esta segunda-feira em direto no novo "Programa da Cristina" e deixou o país em alvoroço. É porque a televisão é privada, é porque ligou para a SIC e não para a TVI, é porque um Obama no Jay Leno é fixe, mas um Marcelo na Cristina já é a puxar para o popularucho.
O que é certo é que, em Portugal, a memória é curta e, às vezes, temos que reavivá-la para mostrar que isto de termos políticos a falar-nos no ecrã da sala não é assim tão inovador. Aliás, Portugal começou a fazê-lo, precisamente, há 50 anos.
A 8 de janeiro de 1969 Marcello Caetano apareceu no ecrã pela primeira vez a falar diretamente com o telespetador, naquele que é o primeiro de 16 programas chamados "Conversas de Família", o então Presidente do Conselho falava ao país, depois do aval de Ramiro Valadão, homem forte da RTP, numa tentativa de dar um toque de modernidade a um Estado que de Novo só tinha o nome.
"Pareceu-me conveniente que houvesse possibilidade de contactos frequentes entre os que têm a responsabilidade do poder e o comum dos portugueses", começa por explicar Marcello Caetano no primeiro programa, que se debruça sobre o Orçamento do Estado de 1969. Destaca ainda a passagem da escolaridade obrigatória de 4 para 6 anos e a execução do terceiro Plano de Fomento, que veio confirmar a internacionalização da economia portuguesa.
Ao longo de 17' 22'' longos minutos, não há direito a perguntas e o Presidente do Conselho fala para uma série de microfones postos à sua frente, num plano fechado e, claro, a preto e branco.
"Os atuais meios de comunicação permitem conversar diretamente com as pessoas, sem formalismo. sem solenidades, sempre que seja julgado oportuno e necessário. É essa conversa em família que vou tentar estabelecer de vez em quando através da rádio e da televisão", explica ainda. De facto, o programa, que não tinha dia marcado, era transmitido pela RTP, pela Emissora Nacional e algumas rádios privadas, como é o caso da Renascença.
Ainda que monocórdico em cores e temáticas, o programa acabou por revolucionar a televisão portuguesa, uma vez que foi no "Conversas em Família" que se usou um teleponto pela primeira vez. O aparelho, que nem no Telejornal era usado, foi a forma encontrada pela equipa de produção para que as falas e os gestos do primeiro-ministro parecessem mais naturais.
No último episódio, transmitido a 28 de março de 1974, Marcello Caetano recorda "os milhares de pretos e brancos" que o receberam sempre que se deslocava a África. "Enquanto estiver neste cargo não deixarei de ter presentes os portugueses do Ultramar no pensamento e no coração", garante, não tendo noção ainda do quão fácil seria cumprir o prometido. É que o 25 de Abril estava logo ali.