Podíamos dizer que "A Promessa" prometia muito ao início, mas o pior é que está muito longe da verdade. Desde os primeiros teasers da nova novela da SIC que a história não nos puxava, porque por mais que tenha sido uma fórmula vencedora durante décadas, quantas vezes mais é que vamos ver a irmã boa e má, a família rica e pobre, e um segredo que assombra tudo e todos? Pois, bocejo.
Mas somos pessoas de fé, por isso embalados pelo autêntico galheteiro de emoções que foi a primeira partida de Portugal no Euro 2024, felizmente a culminar na vitória da Seleção Nacional contra a Chéquia por 2-1, estávamos prontos para ver o primeiro episódio da nova aposta de ficção da SIC.
Vamos a breves contextos para perceber o panorama geral da história: Laura (Victória Guerra) e Verónica (Joana Ribeiro) são duas irmãs que vivem num aldeia remota, "onde não se passa nada", tal como o local é caracterizado, com o irmão, Nuno (Diogo Martins), a mãe, Maria (Sofia Alves), e a avó paterna, Lurdes (Custódia Gallego), sendo que percebemos logo ao início que o pai já morreu.
O que entendemos logo também é que Laura é claramente a irmã boazinha, que tal como a mãe, quer permanecer na aldeia e ajudar a família com o seu trabalho como enfermeira no hospital, embora tenha o grande sonho de ser cantora. A dicotomia irmã boa / irmã má (ou o efeito Ruth/Raquel, para quem se lembra de "Mulheres de Areia") fica completa com Verónica, que não podia querer sair de Trás-os-Montes mais cedo para "ser rica", objetivo que é também muito apoiado pela avó, embora esta seja outra que não se importe de enganar a própria neta para a vida lhe correr melhor.
Corta para a família rica, o núcleo Fontes Morais, que mora num palacete em Sintra, e é também — obviamente — assombrado por desgraças e segredos. António (José Wallenstein) é o patriarca, um homem que depois da morte do irmão ficou encarregado de cuidar do sobrinho, Miguel (João Catarré), que está numa cadeira de rodas e é paraplégico.
Com a responsabilidade do sobrinho, que terá sofrido um acidente grave cujas circunstâncias ainda não são conhecidas, veio também a casa milionária do irmão, a empresa e o dinheiro, que nos parece agradar muito à mulher de António, Helena (Ana Padrão), mais uma vilã desta história, que para além de drogar, agredir e estar sempre a tentar despachar Miguel para um hospital em Londres, surge com um olhar muito suspeito na cena de flashback onde vemos a morte de Fausto, irmão de António.
Estamos tão a achar que Helena matou Fausto, tentou fazer o mesmo com Miguel, mas a coisa ficou pela metade? Estamos, sim senhora.
O núcleo dos ricos fica completo com Tomás (Lourenço Ortigão) e Camila (Paula Magalhães), filhos de António e Helena, o primeiro o típico bad boy que estoira o dinheiro da família, e a pobre menina rica fútil. E estamos tão prontos para o bocejo número dois.
Para concluir este ramalhete, como é que esta gente toda se encontra? Segurem a respiração que vai ser longo. António quer arranjar uma noiva séria para Miguel, e conta com a ajuda da governanta, Isaura (Rita Ribeiro), que está em contacto com Lurdes, que lhe promete que Verónica, a neta doidona por sair da aldeia, é a mulher certa para a "função". Ora, mas claro que Lurdes vendeu uma versão um pouco alterada à neta, que acha que, na verdade, António quer é arranjar uma noiva para Tomás.
As duas mulheres estão mortinhas por dar à sola de Trás-os-Montes, mas o resto da família, com Maria a ser determinante nessa questão, não está para aí virada, mesmo com a promessa de que o "Dr. Fontes Morais", um homem da terra, quer é dar trabalho a todos os elementos.
A coisa acaba por se dar graças a manobras de diversão da irmã má, Verónica, que apenas num dia, consegue com que a irmã seja despedida do trabalho de enfermeira no hospital, escorraçada pela mãe do bar onde cantava, criticada por toda a aldeia pela fama de ladra/talvez menina de casa de alterne, e num golpe pouco calculado, mas certeiro, ainda faz com que a humilde casa da família seja reduzida a cinzas. Tudo pronto para entrar na camioneta para Lisboa? Siga.
No entanto, durante este primeiro episódio, para além de uma história fraca, pontas soltas, interpretações tãoooooooo forçadas e um piscar de olhos às realidades das novelas brasileiras que não se aplicam num contexto português — como António Fontes Morais, o CEO milionário, deslocar-se da capital até à mansão em Sintra de helicóptero, quando na verdade, estaria a fazer a IC19 por mais dinheiro que tivesse —, houve muita coisa a não fazer qualquer sentido. E claro que estamos cá nós para as apontar.
5 coisas que não têm ponta por onde se lhe pegue em "A Promessa"
1. O cabelo platinado de Sofia Alves
"Ah, estão a embirrar". Não, não estamos. Meus amigos, vocês fazem a menor ideia de quanto é que custa pintar o cabelo em condições, fazer raízes, manter os fios brilhantes e uma cor impecável, principalmente quando falamos de um loiro a piscar o olho ao platinado? Pois, são contas de mais de uma centena de euros a cada manutenção num sítio minimamente decente, e mais para mais e não para menos.
E agora querem-nos convencer que a pobre Maria, que vive do dinheiro do trabalho da filha, das alheiras que a sogra faz para fora e dos remendos dos fatos que faz para as vizinhas, tem aquele cabelo impecável sem esforço nem dinheiro, e não está montada no salão todas as semanas? Não faz sentido, e alguém falhou na preparação visual desta personagem, pelo menos nesta fase.
2. Se é tão fácil gamar medicamentos em hospitais, vou parar de gastar dinheiro na farmácia
Um dos pontos fulcrais no plano de Verónica e Lurdes para conseguirem convencer a família a mudar-se para a capital é destruir os laços que ligavam os elementos a Trás-os-Montes, nomeadamente o emprego de Laura como enfermeira no hospital de Chaves, a cidade mais perto da aldeia onde o núcleo Rocha vive.
Para isso, Verónica tenta incriminar a irmã, e fazer com que pareça que Laura rouba medicamentos do hospital onde trabalha. Mas a cena é tão mal feita e pouco credível que até dá um pouco de vergonha alheia. Num momento vemos Verónica a entrar na unidade de saúde facilmente, depois de uma enfermeira lhe abrir a porta sem fazer qualquer tipo de pergunta, ser ameaçada ou até comprada com dinheiro, no outro imediatamente a seguir já vemos a chefe de Laura a revistar o cacifo da personagem de Victória Guerra e a encontrar meia dúzia de caixas que mais parecem aspirinas e paracetamol. Depois de mais um flashback, vemos apenas Verónica a colocar as mesmas caixas no cacifo da irmã.
Ou seja, como é que Verónica roubou os medicamentos da farmácia do hospital, que devia estar trancada a sete chaves? Não sabemos. Como é que num curtíssimo espaço de tempo a chefe de Laura deu logo conta da falta no inventário? Também não sabemos. A sensação é que a cena tinha de ser despachada, por isso vamos lá fazer isso às três pancadas que ninguém se vai queixar.
Mais uma vez, não faz sentido.
3. Laura canta num bar de alterne, mas tem uma guitarra maior do que os vestidos de muitas concorrentes de reality shows
Laura, a irmã boa, é tão encantadora que, para além de ser uma enfermeira dedicada, esconde o sonho de cantar da mãe porque acha que Maria, católica que só ela, não aprovaria essa faceta da filha. Será que Laura criou um canal de YouTube onde mostra os dotes musicais? Canta no grupo de escuteiros de Chaves? Entrou para o coro da igreja? Não, canta num bar de alterne — excelente decisão, Laura —, onde é coagida a usar uma roupa sexy para o fazer.
Na cena do primeiro episódio, vemos Laura a surgir em palco de soutien e cuecas, a cantar uma balada mal amanhada, com uma guitarra tão grande que tanto podia estar descascada como com um hábito de freira, porque não se vê praticamente nada.
Quem também não a vê são os clientes, que estão mais entretidos a dançar com as profissionais da noite, e não lhe ligam puto. E querem-nos convencer que o proprietário mal-encarado, que se está tão a marimbar para Laura que a obriga a despir-se para subir ao palco, ia mesmo pagar-lhe para ela cantar uma canção sobre sonhos impossíveis, qual Floribella e o seu "Vestido Azul"?
Das duas, uma: ou assumíamos que Laura precisava mesmo do dinheiro para a família e a punham a dançar e a fazer strip no bar de alterne, ou colocavam o proprietário do bar como um bom samaritano, que deixava a pobre menina cantar. Mas aí não a obrigavam a estar descascada.
Vamos lá dizer mais alto para a mesa do canto! Não faz sentido.
4. O Pornhub deve falhar em Trás-os-Montes para a nude estar com um valor de mercado tão alto
Para além do plano maquiavélico, mas com sérias falhas de contexto, de Verónica para fazer com que a irmã fosse despedida do hospital e ganhasse também fama de ladra — que levou a uma das mais icónicas frases desta estreia, com Custódia Gallego a perguntar à neta em modo dramático forte, "Laura, tu drogas-te?"— , faltava arrasar com a atividade paralela de cantora no bar de alterne, envergonhando-a por toda a aldeia.
Como é que Verónica decide fazer isso? Pede a um admirador que filme a irmã no bar, mas claro que a ação tem de ser compensada. E o que é que o admirador quer? Jantar com Verónica, um date mais escaldante? Não, a coisa faz-se com uma nude tirada às três pancadas, onde a personagem de Joana Ribeiro levanta a camisola, tira a foto e pumbas.
E, já agora, Maria e Lurdes andam encasacadas com quatro camadas de roupa num casebre de lareira sempre acesa, que aquilo deve ser um efeito de estufa de valor, e Verónica anda ali fofa sem soutien nem um top básico por baixo, uma camisolinha interior? Não. Faz. Sentido.
5. Da aldeia a Chaves, é uma canção de distância
No momento em que Laura é desmascarada pela família, começa a cantar uma música, é filmada pelo admirador de Verónica, que envia o vídeo para o irmão das protagonistas, Nuno, que o recebe, entra em espiral e sai disparado de mota para ir atrás da irmã.
Alarmada, Maria persegue-o, apanha boleia na camioneta de um vizinho que estava a passar — tão convenientemente — naquele momento e segue para o bar. A família mora numa aldeia deslocada e a alguma distância de qualquer cidade, tal como as imagens de drone mostram, mas tanto mãe e filho conseguem chegar ao bar de alterne na altura em que Laura termina a primeira balada e segue para a segunda canção.
Por outro lado, horas mais tarde, quando um incêndio deflagra e reduz a cinzas a casa da família Rocha, a mesma rapidez não se aplica aos bombeiros, que nem vê-los. Aliás, a aldeia consegue organizar toda uma gincana de baldes de água para travar as chamas antes de sequer se ouvir uma sirene.
Outro ponto: se a família Rocha ficou sem nada praticamente, como é que logo na manhã seguinte (e sem tempo sequer para os vizinhos se organizarem e doarem roupas ou outros artigos) estão a viajar para Lisboa com vários sacos e malas?
Adivinham? Não faz sentido. Mas também há muito pouco que faça neste imbróglio de novela.
"A Promessa" é a nova aposta de ficção da SIC e é transmitida pelo canal de segunda-feira a sexta-feira, a seguir ao "Jornal da Noite".
