Livros assinados por coaches. Empresas que contratam o serviço de coaching. Coach de alimentação, coach de bem-estar. Coach de isto. Coach daquilo. Mas o que é afinal isto do coaching? Será um novo nome para terapeuta?

Não. Não é. Ainda que se dê ênfase ao comportamento, neste serviço só se trabalha o futuro, de forma objetiva e metódica. Comparar um coach a um terapeuta está errado (muito errado), por vários motivos, sendo um dos principais o facto de o exercício do coaching ser mais semelhante ao de um treinador, como explicou à MAGG Aida Chamiça, 51 anos, a presidente da ICF — International Coach Federation, em Portugal, a maior organização mundial de coaches profissionais. Existe há 20 anos (desde 2003 por cá) e estabelece diretrizes claras para a prática da atividade: forma e credencia (em diferentes níveis) aqueles que querem prestar o serviço, aqueles que, assim que aptos, se comprometem com um código de ética, regendo-se por um quadro de competências, com ferramentas especificas.

A profissão de coach — tal como os consultores, por exemplo — não está regulamentada. Daqui surgem alguns problemas, tais como o exercício da profissão sem formação qualificada (ou simplesmente sem formação). Os clientes, não sabendo, acabam por pagar e por não receber aquilo que é suposto: ajuda de um profissional certificado, de um acelerador, alguém que os ajude a descobrir o caminho, a elevar o seu potencial para que possam atingir as metas definidas mais rapidamente — e sempre por si mesmos.

A presidente da ICF fez o primeiro curso de coaching acreditado pela ICF em Portugal. Foi também a primeira portuguesa — e uma das quatro, atualmente — a obter a certificação de coach master, em Portugal, em 2012, a mais alta de todas as categorias, que obriga a que haja mais de 2500 horas em sessões de coaching com clientes.

Aida Chamiça, 51 anos, é a atual presidente da ICF, mandato que cumpre até 2020

Conversámos com Aida Chamiça para que nos esclarecesse de uma vez por todas. O que é o coaching? O que é que um coach faz? Que tipos de coach existem? Será que precisamos todos de um coach? Quais são os maiores entraves à profissão? Saiba tudo, em 12 perguntas e 12 respostas.

O que é isto do coaching?
O coaching é, de acordo com a ICF, uma parceria com o cliente, através de um processo estimulante e criativo que o inspira de modo a maximizar o seu potencial pessoal e profissional. Podemos fazer um paralelismo com um atleta olímpico em que o coach pode ser comparado ao treinador: é o atleta que tem o potencial, a capacidade física, musculatura e o treinador, no fundo, suporta-o e apoia-o para que ele encontre condições para mostrar aquilo de que é capaz. Só que a diferença é que o treinador dá instruções e dá orientações ao atleta e o coach não.

Então o que é que o coach faz?
O coach usa competências de coaching para que o cliente consiga articular, perceber, aquilo que ele quer alcançar. É transformador, no sentido em que muitas vezes a primeira verbalizarão do objetivo não corresponde ao que a pessoa quer, de facto, chegar. O coach faz perguntas, desafia-o no sentido de o clarificar, de tal maneira que o cliente faz um exercício de reflexão que o leva, entre outras coisas, a testar a energia e a vontade que tem de alcançar aquilo em que pensou.

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A partir dai começa um processo de descoberta do 'como'. O cliente indica 'o quê' e depois trabalha-se o 'como'. O coach não diz como é que o cliente vai alcançar determinado objetivo. É o cliente que é desafiado, através de perguntas e de outras técnicas, a formular opções, a medir prós e contras, a não se limitar no número de opções que coloca, a refletir sobre impactos para si e para todo o sistema em que se insere. O coach ajuda a criar novas condições, no sentido em que as pessoas olham só numa direção. O coaching vai desafiar o cliente a tornar a visão periférica e global mais ampla, o que permite considerar possibilidades que antes não se consideravam e que não se conseguiam ver. A pessoa vai ganhando lucidez à medida que o processo avança. Outra coisa que contribui imenso para esta clareza é o facto de o cliente ir logo experimentando, testando.

Como?
É uma coisa gradual, mas em cada sessão há logo imensos resultados. Normalmente a pessoa tem um objetivo macro — mudança de carreira, por exemplo. Neste caso, a primeira coisa aqui passa por perceber a carreira que se pretende. Já é um exercício em que as competências de coaching vão ser de uma enorme mais valia. Uma vez encontrado o sítio a chegar, é descobrir como é que se chega, como é que se abrem as possibilidades. Neste instante desenham-se ações que vão ser definidas pelo próprio cliente, com a ajuda do coach, que apenas faz perguntas, para que se vão definindo pequenos passos para que ele possa, por exemplo, entrar numa determinada área. Começam-se a pôr hipóteses e o cliente vai refletindo, escolhendo. E definem-se ações entre sessões. O coach está sempre a ativar o potencial do cliente. Todo o processo de coaching tem por base a descoberta e a descoberta de recursos e por isso é que é tão sustentável no tempo.

Há vários tipos de coaching?
As competências são precisamente as mesmas. Mas, por uma questão de clareza de comunicação, um coach pode comunicar que trabalha mais com temas de vida, com temas de trabalho ou temas de desporto, por exemplo. Um coach que goste muito de temas de bem-estar e que tenha particular interesse em trabalhar nesta área, vai posicionar-se assim no mercado. Na realidade, o que ele transmite é que conhece muito bem os desafios dessa área, porque as competências são as mesmas que as de outro colega, com um outro target preferencial diferente. Há uma matriz comum, que segue as referências do ICF. E estes posicionamentos também dependem da procura. Um coach só pode decidir dedicar-se mais a uma área se houver clientes. As necessidades dos clientes revelam as necessidades dos mercados.

Quais são as necessidades do mercado?
Há muitos clientes corporativos e aí os coaches têm de estar confortáveis com a linguagem das organizações e com essas dinâmicas. É difícil encontrar uma boa empresa que não tenha contratado coaching. Notamos que há muito coach executivo e outro mais orientado para clientes privados.

E depois há o coaching para clientes privados, a trabalhar, por exemplo, nas áreas do bem-estar, ou o coaching de vida, porque há pessoas que precisam de tomar decisões e querem apoio nesse processo. Vejo muito potencial noutros mercados, como o coaching para estudantes, para pessoas muito jovens que mudam uma, duas, três vezes de curso. Esta é um setor que tem uma grande tendência de crescimento.

Como é que nasce o coaching?
Não podemos dizer que haja uma historia fidedigna, porque há muita gente a reclamar ser o pai ou a mãe do coaching. Na minha opinião, isto não existe. Existe, sim, uma emersão. O coaching emergiu da sociedade. Ao nível da gestão de topo, por exemplo, havia uma necessidade que não estava endereçada. Quem tem muita responsabilidade e não tem a quem reportar, sente-se muitas vezes sozinho e precisa de suporte nos seus pensamentos. Precisa de alguém com quem possa refletir em voz alta. Acho que é assim que surge, de forma muito orgânica, esta atividade, em que se dá apoio, para que a pessoa encontre as suas soluções, as suas decisões, num total respeito pelo que a pessoa acha certo e bem. Um coach nunca interfere com julgamento. Nem pode.

A ICF existe há 20 anos, portanto aí formalizou-se a atividade, com um quadro de competências, um corpo de ferramentas, um código de ética. A Portugal chegou em 2003.

Qual é a diferença entre um terapeuta e um coach?
Não tem nada a ver. Aliás, o coach tem mais semelhança com um treinador do que com um terapeuta. Primeiro, os profissionais de coaching podem ter qualquer formação de base. Podem ser gestores, consultores, carpinteiros. Depois, o coach pega no presente para construir o futuro. No coaching trata-se de perceber o que é aquela pessoa quer e não o que tem. O coach vai trabalhar em cima daquilo que o cliente quer e não em cima de um problema. Existe uma vertente comportamental, só que não é com objetivos de saúde mental. Trabalha, sim, no desenvolvimento de talentos, assumindo que todo o ser humano tem talento e potencial para ir para o nível seguinte. Pretende elevar competências para que o cliente descubra em si as respostas, os recursos, o que é preciso fazer. E acompanha-o até que ele o alcance. Mas partilham ferramentas comuns: as perguntas socráticas [perguntas simples, mas que conduzem a uma reflexão profunda] são uma das ferramentas muito utilizadas em coaching.

O que é que um coach verdadeiro tem de ter?
Não podemos falar em coach verdadeiro, mas sim em coach profissional. O que o coach tem de ter é formação qualificada, tem de fazer prova de horas de experiência, tem de fazer um exame de competências. Há três níveis de credenciação na IFC: associate certified coach, professional certified coach e master certified coach. No fundo, são três carteiras profissionais.

Se for acreditado pela ICF, tem de ter uma formação chamada a Accredited Coach Training Program. Quem se quer qualificar, pode encontrar os cursos acreditados pela ICF em Portugal, mestrados por seis escolas diferentes. Mas há outros referenciais de qualidade [não fazem os cursos, só  acreditam e credenciam coaches]. Há a EMCC, uma organização Europeia, e no Reino Unido, por exemplo, há a Association for Coaching. Todos temos um corpo comum, mas com exigências diferentes.

Todas as restantes formações são dadas por empresas privadas.

Quais são os maiores perigos para a descredibilização do coaching?
Como é uma profissão que não está regulamentada, nada impede que uma pessoa acorde e tenha vontade de fazer coaching. Na lei nada impede, tal como acontece com os consultores. Portanto, há muitas vezes a utilização incorreta da designação de coach para a venda de serviços. Mas nas empresas, sobretudo nas grandes, hoje já há mais clareza relativamente à contratação de  um coach. Querem saber se ele é credenciado, quem é a entidade que o credenciou. Nas pequenas e médias empresas já é diferente: há mais compra de serviços enganosos e os clientes, como não têm informação suficiente, não sabem que não estão a comprar o que não é indicado. Por isso é que a ICF está com uma campanha muito grande de serviço publico para informar a sociedade sobre o que é o coaching. É importante dizer que coaching é diferente de aconselhamento ou de formação, porque há pessoas que não mudaram a maneira de trabalhar, só mudaram o nome, passando a intitular-se de coach.

Há muitas pessoas que vendem serviços de coaching e não estão preparadas. Estão a perder uma oportunidade, porque podiam preparar-se. Se gostam do desenvolvimento de potencial e querem apoiar os outros, qualifiquem-se. Queremos passar esta mensagem de servir bem a sociedade.

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O que é que pode levar um coach a ser expuslo? 
Todos subscrevem um código de ética sobre compromisso de honra. A um coach credenciado pela ICF, por exemplo, se houver denuncias justificadas de que está a fazer quebras da ética, instaura-se um processo pela comissão de ética profissional, que delibera a penalização que vai aplicar-se sobre aquele profissional. Depende da gravidade ou de se provar ou não a situação.

Que regras entram no compromisso de ética?
Há várias muito importantes no código de ética: a confidencialidade, por exemplo. É muito grave que ele esteja a fazer coaching a um cliente e vá contar ao chefe desse cliente o que foi falado com ele. Este é o mais grave. Mas há também o conflito de interesses: um coach que se aproveita do estado de vulnerabilidade de um cliente para lhe vender outros serviços. Não quer dizer que não venha a solicitar esses outros serviços, mas tem de ser tudo dentro da ética. Em primeiro lugar está a ética, em segundo o negócio. A relação tem de ser sempre mutuamente respeitosa.

Toda a gente precisa de um coach?
Ninguém precisa de coaching. É o mesmo que perguntar-me: acha que toda agente precisa de ginásio? Eu acho que não. A questão é que o coach é um acelerador. Há resultados muito expressivos e que são alcançados — que não podemos dizer que a pessoa não alcançaria se não tivesse um coach. Mas é muito eficaz, por todas as razões: a pessoa acede a níveis de potencial que podia não aceder, caso não houvesse um observador a devolver-lhe feedback. Nós escutamos, desafiamos e ficamos com uma ideia. Exemplo: “Do que eu estive a ouvir, fiquei com a sensação de que aqui não o senti tão entusiasmado.” É muito impactante. É um trabalho que não é para quem precisa, mas para quem quer e ambiciona resultados e isto a todos os níveis: o estudante, o professor que quer encontrar fontes de realização nas aulas que dá, para o médico que ambiciona mudar de país ou que quer ter níveis de relacionamento com os pacientes de outra qualidade. Coaching não é conteúdo. Somos é especialistas em ativar potencial. Partimos sempre de um pressuposto diferente do “quem tem um problema tem a solução”. Nós dizemos: “quem tem a ambição tem a solução.”