Desde a altura do povo Babilónio que a noção da passagem do tempo existe num modelo semelhante ao nosso. Foram eles que dividiram o dia em 12 partes e depois em 24, tendo inventado o relógio do sol, algures entre 1950 e 539 a.C. Aos romanos, uns valentes séculos depois, com o imperador Júlio César, coube o papel de dividir o ano em 365 dias.

Agora já sabe a quem é que pode rogar pragas naqueles dias caóticos em que o tempo não lhe chega para tudo. Mas como não somos amigos da total auto vitimização, também temos de lhe dizer: se a situação é recorrente, então provavelmente não está a gerir bem as suas horas, não está a distribuir bem as suas tarefas e não está a fazer um planeamento eficaz dos seus dias. Nos esquemas diários não é só o trabalho que conta: tem que haver espaço para a família, para os amigos e, muito importante, tempo para nós mesmos.

Quem faz uma boa gestão de tempo sente-se mais feliz, diz à MAGG o psicoterapeuta Pedro Brás. Há vários fatores a contribuírem para isto: “Consegue produzir mais no seu trabalho, estar mais presente na vida familiar, ter uma vida social mais completa e principalmente tem tempo para si mesmo. Estes fatores contribuem para um estado de felicidade, logo sentimo-nos menos ansiosos e menos pressionados.”

Pedro Brás é psicoterapeuta na Clínica da Mente e autor do livro 'Feliz para Sempre'.
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O reverso da medalha traduz-se numa angústia permanente, uma espécie de congelamento que não nos permite avançar. "É muito fácil uma pessoa deixar acumular tarefas e começar a falhar nos prazos e tempos de execução, podendo facilmente entrar em bloqueios, os tais 'congelamentos', e esgotamentos psicológicos. Situações como estas levam as pessoas a graves estados de ansiedade, depressão e burnout."

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Manuel Peixoto, coach profissional, Manuel Peixoto, coach profissional, certificado Associated Certified Coach (ACC) pela International Coach Federation (ICF) e formado pelo CTI - Paris, fala com a MAGG sobre a gestão do tempo e deixa algumas dicas fundamentais para que preencha as horas da melhor forma. As resoluções de ano novo proclamam-se a 31 de dezembro e 1 de janeiro, mas vai sempre a tempo de mudar aquilo que está errado.

Listas para avaliar o que é realmente importante

Deixar as tarefas a flutuarem na sua cabeça não é boa ideia. À partida, se já tem problemas de organização, não vai conseguir alinhar bem aquilo que tem de fazer, os assuntos vão manter-se pendentes e a sua mente continuará caótica. Isto é tudo aquilo que não queremos.

Por isso, o primeiro passo para uma gestão organizada dos dias passa por criar listas daquilo que tem de fazer. Não significa que tenha de cumprir tudo. Este passo serve para avaliar. Ou seja, diariamente anote as suas tarefas, execute e depois veja quanto tempo perdeu naquilo que fez e se ficaram coisas mais importantes para trás.

“É uma tomada de consciência”, diz Manuel Peixoto. “Se não fizermos a lista fica tudo no teórico. Olhando para a lista, tomamos consciência do que fizemos. Em casos mais complicados até seria bom escreverem à frente o tempo que demoraram.”

Definir as prioridades de forma realista

Tendo uma avaliação feita, com tudo anotado, vai estar consciente e conseguirá estabelecer prioridades. Tendemos a fazer primeiro aquilo que nos custa menos, mas, ao ver escrito numa lista, percebemos onde é que está a raiz do problema — aquilo que nos mói. Esta é a melhor arma para combatermos a procrastinação: “Quando sabemos que está errado, forçamo-nos a mudar de atitude”, diz. “Por mais que nos custe, temos de passar as prioritárias para à frente das outras.”

Pedro Brás concorda. "Temos que ter a noção e saber distinguir que umas tarefas não são importantes nem urgentes, que outras são importantes, mas pouco urgentes e que podem ficar para segundo plano, e que há tarefas realmente importantes e urgentes que se devem ser executadas de imediato", explica. "Para conseguirmos manter o controlo das tarefas a executar devemos estruturá-las por importância e urgência e devemos manter uma lista de tarefas escritas, nunca confiando na nossa memória."

Perceber porque é que demoramos tanto tempo em coisas simples

E corrigir, claro. Suponhamos que demora demasiado tempo a vestir-se porque nunca encontra nada. Talvez a solução passe por arrumar e organizar o armário de forma a ser mais eficiente. O mesmo se passa no escritório, na cozinha, em todos espaços onde tem de desempenhar tarefas.

“Arrumação, organizar melhor, catalogar”, sugere. “A ideia é: se me está a prejudicar, tenho de fazer qualquer coisa para ser melhor. No fundo, é dar conforto e facilidade à vida.”

Manuel Peixoto foi gestor na área da formação comportamental em empresas e coach profissional pelo CTI - Paris, curso certificado pela International Coach Federation (ICF)
Manuel Peixoto foi gestor na área da formação comportamental em empresas e coach profissional pelo CTI - Paris, curso certificado pela International Coach Federation (ICF)

O mais difícil: planear

Não é a mesma coisa que escrever uma lista de tarefas. É, na realidade, o passo seguinte e o “mais natural a seguir”. Nesta fase já terá consciência do tempo que demora em determinadas tarefas e, assim, poderá distribui-las de forma realista pelos dias. É, no entanto, a fase mais difícil, porque envolve mudanças estruturais nas rotinas e até na maneira de ser.

“Depois de termos consciência do nosso dia a dia — quanto tempo é que demoramos a fazer as tarefas, se tomamos boas decisões de prioridades — vai ser necessário reorganizarmo-nos”, explica o coach. “Para a nossa reorganização é preciso pegarmos na informação sobre nós próprios e elaborarmos um planeamento. É aqui que há mais dificuldade, porque implica que haja uma grande disciplina ou até mesmo alguém de grande confiança a chamar a atenção.”

O coach sugere, para quem funcionar melhor assim, uma agenda de papel ou eletrónica. E, além disso, contar com o apoio de alguém, uma espécie de “mentor” que “durante um período vai acompanhar aquilo que está a ser cumprido e não está.”

Há coisas pequenas que podemos fazer na hora

Quantas vezes, em minutos mortos, é que não passou os olhos pelo email ou pelas SMS por responder e pensou “respondo quando tiver mais tempo”. Estas tarefas são pequenas e fáceis de executar, portanto despache-as logo — são menos uns quantos assuntos pendentes.

“Se podemos despachá-las rápido é sempre melhor fazer na altura, porque não ficam mais no nosso espírito e memória”, diz. Mesmo estes micro afazeres, aparentemente insignificantes, são geradores de stresse. “O acumular de pequenas coisas não resolvidas dá-nos uma sensação psicológica de não estarmos bem connosco. Há uma pressão constante.” Resultado: quebra de raciocínio e consequente necessidade de voltar à mesma linha. Isto implica o quê? Mais tempo.

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Cuidado com os ladrões de tempo

O Instagram, o Facebook, o email ou o WhatsApp são dos maiores “ladrões de tempo”, como lhes chama Manuel Peixoto. “Os ladrões são tudo o que nos distrai. Aplicam-se a nível dos emails, das redes sociais”, explica. “Se uma pessoa é sensível ao apito do email, então tem de desligá-lo, porque é quase como se suasse um alarme que nos deixa preocupados e nos faz interromper uma tarefa prioritária e urgente.”

Multitasking pode ser contraproducente

“Multitasking desfoca a pessoa”, considera o coach. “E diz-se que piora a qualidade das coisas que fazemos — mesmo no caso de pessoas multifacetadas, porque a distração se distribui em várias coisas.” No caso, por exemplo, de pessoas que trabalham em áreas criativas, não é boa ideia ser interrompido por fatores externos, tal como também acontece nos ladrões de tempo. “Quando já estamos a produzir um pensamento sobre um assunto e interrompemos o processo, é como se fosse um comboio a mudar de linha: para voltar ao mesmo sítio, demora tempo. O cérebro precisa de ficar vazio para voltar a encher. Mudar o chip é difícil.”

Mas há coisas em que pode ser útil: “Funciona bem em coisas pequenas, como responder a mensagens pequeninas. Nestes casos, viramos a página e não pensamos muito naquilo.”

Dar um passeio no horário laboral pode ser uma boa ideia — consoante o tipo de trabalho

“A sugestão não é para todas as pessoas, mas é para muitas”, diz. Depende do trabalho e, consequentemente, do tipo de pessoa. “As pessoas muito ligadas a números e da área da consultoria ou contabilidade são pessoas muito numéricas e estruturadas. Funcionam como se fossem gavetas. Essas pessoas não têm tanta necessidade de mudar o chip ou a página para terem a cabeça fresca para outras pessoas. Já lhes é inerente.”

Mas para pessoas que trabalham com a criatividade é diferente. Precisam de se inspirar, de se organizar. E passam por bloqueios. “Estas pessoas precisam de intervalos porque podem estar bloqueadas”, explica. “Nestes casos, o melhor é não insistir. O ideal é sair do lugar, mudar o ambiente, ir à rua, visitar qualquer coisa, fazer uma corrida, tomar um banho, ir ao ginásio”.

Quanto mais radical e diferente esta atividade for face àquilo que estão a fazer, melhor. “Quando regressam à tarefa, o fluxo de pensamento já é totalmente diferente. Insistir não é a melhor opção quando as ideias não saem.”

Não programe o dia todo

Tem de haver margem de manobra, logo preencher o dia todo, com tarefa atrás de tarefa, não é boa ideia — para não falar na canseira. Ou seja, é preciso espaço para imprevistos, para urgências que não estavam planeadas. Por outro lado, também é importante termos tempo para nós. “Para ler, para descansar, para ir ao café apanhar sol, para não fazer nada”, considera o coach. Na mesma linha de ideia, é fundamental ter um espaço na vida onde caibam os amigos, os encontros sociais, as saídas.

Os extremos nunca são bons: "O equilíbrio é sempre uma boa resposta para a forma como escolhemos viver a nossa vida, logo se a gestão do nosso tempo se tornar compulsiva, sem espaço para a espontaneidade, deixa de ser uma ferramenta benéfica à gestão do nosso dia a dia e passamos a ser reféns de um comportamento compulsivo", diz Pedro Brás. "Temos de ter sensibilidade e perceber que ter rotinas e ter regras é benéfico, mas só se funcionarem a nosso favor, e não se formos escravos delas."

Atividades extra-laborais são boas para organizar o tempo

Exercício físico, uma aula de cerâmica ou um workshop. Apesar de serem mais uma tarefa — ainda que de lazer — são uma boa maneira de aprender a gerir o seu tempo, de forma a executar tudo o que precisa de forma eficiente para conseguir dedicar-se só a si.

“A ideia é a pessoa pensar sobre o que é que lhe dá prazer. As pessoas não sabem e nessa altura podemos ir à procura”. Depois é encaixar na rotina. “Quando é que podemos incluir? Uma vez por dia? Uma vez por semana?.”

O terceiro passo é disciplinar-se. “Custa no início, mas faz-nos sentir bem ao final do dia. Passa a rotina e já não sentimos o medo de falhar.”

Marcar todas as tarefas aborrecidas (que normalmente são prioritárias)

O carro está para ir à inspeção há três meses e ainda não conseguiu riscar essa tarefa da lista. O truque passa por ligar para lá e marcar — com data e hora específicas não custa tanto, porque se espera menos e, além disso, há um sentido de obrigação acrescido, porque temos alguém à nossa espera. Com o cartão do cidadão, por exemplo, é igual.

“Hoje há muitas coisas que podem ser feitas marcando online. É uma gestão de tempo fantástica: vamos diretos ao assunto, com hora marcada e despachamo-nos mais rápido. Como está marcado, não se pode adiar. É este o significado de ter disciplina sobre aquilo que é prioritário. Se está marcado, vou fazer.”

Saber dizer que não

Por último, mas não menos importante: saiba dizer que não. É impossível estar em todo o lado e é bom querer ter tempo só para si. “Diria que é das coisas mais difíceis, mas absolutamente essencial”, diz Manuel Peixoto. O coach explica que a assertividade neste aspeto é crucial, mas isso não significa ser rude ou agressivo. “Há, por vezes, uma incapacidade de dizer que não, porque receamos que a pessoa leve a mal. Mas é nisso que temos de trabalhar: se dermos os nossos motivos, se explicarmos a razão, a outra pessoa entende o não.” E isto aplica-se a todas as áreas da vida: pessoal, profissional ou familiar.

É como o psicoterapeuta Pedro Brás diz: "Para uma boa sanidade mental, cada pessoa deve saber qual é o seu limite e assumir as suas limitações de tempo, logo, não pode aceitar fazer mais tarefas, sobrepondo prazos, enquanto não terminar outras."