Espaços grandes, com pés direitos altos, um mood industrial. Zonas abertas — os conhecidos open space — onde não há barreiras a dividir os colaboradores. Zonas comuns de lazer e descontração, com televisões, jogos de consola, matraquilhos ou sofás. Estúdios para sessões de yoga, meditação, brainstormings e até para relaxar. Há dois meses, era assim que se imaginava o escritório do futuro — até porque já havia empresas que vinham a adotar estas estruturas. Mas com a crise de saúde pública mundial provocada pela COVID-19, as ideias do amanhã tiveram de se suspender e dar lugar a outras, capazes de adaptar-se às exigências das novas e incertas circunstâncias do presente.

Falar do escritório do futuro no início de 2020 e falar do escritório do futuro hoje é diferente. Agora, o escritório do futuro terá de contar com dispensadores de gel, com limpezas mais frequentes e com um maior cuidado para que se cumpra o distanciamento social. O virtual ganhou protagonismo e hoje é no Zoom ou no Google Teams que encontramos as improvisadas e novas sedes de empresas. Apesar de os primeiros passos de regresso à normalidade já estarem a ser dados, as corporações continuam, maioritariamente separadas, a trabalhar à distância, tendência que, antes, já vinha a implementar-se. A pandemia, acelerou-a e provou que competência e produtividade não dependem da presença física no escritório.

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Esta é, na visão de Ricardo Parreira, CEO da PHC Sotfware, a alteração mais relevante. “A primeira adaptação já chegou. É o teletrabalho, que veio para ficar e que tem índices de produtividade muito elevados quando bem aplicado”, considera. “Mesmo à distância é possível fomentar a cultura e o bem-estar dos colaboradores.”

Na PHC esta filosofia do trabalho remoto já estava em andamento, tanto que os colaboradores podiam trabalhar de casa quando desejassem e fosse possível. Mas agora foi diferente,  porque não eram só cinco ou seis que estavam a exercer funções à distância, era a empresa praticamente toda. A experiência  forçada pela pandemia teve resultados positivos, provando que as empresas conseguem manter a atividade à distância, sem que se perca a qualidade ou boa gestão do trabalho.

"Temos reuniões frequentes via zoom ou teams com toda a empresa. São dez minutos em que eu falo e depois qualquer um pode colocar questões. Têm sido um sucesso. E esta comunicação constante será para manter."

"Já tínhamos teletrabalho instituído na PHC, mas este tempo foi uma verdadeira prova porque pôs 96% da empresa a trabalhar ao mesmo tempo à distância", considera o CEO.

As reuniões revelaram-se mais produtivas, demonstrou-se a existência de um maior foco de produtividade e há mudanças que vêm para ficar. "Um outro ponto importante é a formação. Vamos passar praticamente toda a nossa formação para e-learning. Os resultados têm sido surpreendentemente bons e será uma aposta no futuro. Não tenho dúvidas de que as empresas que estejam preparadas para gerir à distância têm uma vantagem competitiva."

Mas para que tudo funcione é preciso criar regras, relacionadas com a comunicação constante. "Temos reuniões frequentes via zoom ou teams com toda a empresa. São dez minutos em que eu falo e depois qualquer um pode colocar questões. Têm sido um sucesso. E esta comunicação constante será para manter."

Ricardo Parreira sublinha o facto de que distanciamento não foi impeditivo para a união. "A distância não nos impediu de estarmos próximos." Tanto assim é que, muitas das atividades de teambuilding e de relaxamento que vinham a decorrer nesta empresa, se mantiveram, agora adaptadas à nova realidade. Desde que o confinamento obrigatório foi implementado, houve sessões de ginástica, workshops de comida. "Até um concerto à distância fizemos, como forma de estarmos juntos", conta. "Foi um verdadeiro teste à nossa cultura, mas tem sido incrível ver como o investimento que se faz na cultura de uma empresa vem ao de cima nestes momentos importantes."

“As principais alterações serão comportamentais e não arquitectónicas”

Na opinião de Ricardo Parreira, as mudanças no paradigma do escritório do futuro terão que ver com modos de agir e não, propriamente, com as alterações dos espaços. Os escritórios em open space mantêm-se, as zonas comuns também, ainda que determinadas regras que nascem da necessidade de garantir a segurança de todos os funcionários.

“As principais alterações serão comportamentais e não arquitectónicas", diz. Mantendo o teletrabalho como prática comum, no escritório do futuro em tempos de pandemia, "teremos maior segurança, preparação e capacidade de resposta a situações epidémicas", mantendo-se a filosofia de um "local de trabalho que continuará a caminhar para a ideia de proporcionar a melhor experiência", sendo que "essa passará por zonas comuns e de lazer. "

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Os espaços de cowork são o modelo perfeito do conceito que se vinha a idealizar sobre escritórios do futuro: espaços abertos, flexíveis, locais sem lugares marcados, atividades de lazer, locais para pensar e para falar. O WOOD, em Lisboa, vai ao encontro desta estrutura. Abriu portas em janeiro, poucos meses antes de a pandemia explodir. Fechou com o Estado de Emergência, mas já está novamente a receber empresas e clientes, seguindo todas as regras deste novo normal. Ao contrário da PHC e de tantas outras empresas, exclui-se aqui a possibilidade do teletrabalho, na medida em que o serviço passa, precisamente, por fornecer espaços físicos de trabalho tanto a pessoas que trabalham remotamente, como a empresas que veem neste formato a solução ideal para albergar as suas sedes.

Tiveram de se implementar novas medidas. “Voltámos a abrir de forma gradual, com todas as regras de desinfecção, com indicadores de distância de segurança pelos espaços, sobretudo nas zonas comuns", explica à MAGG Aimara Geissler, responsável pelo WOOD. O espaço foi desinfetado de cima a baixo antes de abrir, regra que será aplicada todos os meses. As limpezas profundas são diárias e repetidas com o intervalo de horas, no caso dos locais que envolvem mais contacto, como é o caso das maçanetas, máquinas de café ou filtros de água. Os dispensadores de álcool gel também estão por todo o lado, incluindo num tapete para os pés, que serve para higienizar os sapato à entrada. Soma-se a isto um termómetro infravermelho, que tira a temperatura à equipa diariamente e a quem mais quiser.

wood

O acesso às zonas comuns não foi restringido, mas tiveram de se fazer adaptações ao calendário das atividades que este cowork organiza. E, nesse aspeto, também as ferramentas digitais foram uma grande ajuda: a happy hour passou a acontecer de forma virtual, assim como as aulas de yoga e meditação, agora abertas a qualquer pessoa que queira participar. “As pessoas estão a aderir bastante. É uma forma de estarem em contacto com o mundo exterior.”

Quanto à distribuição das pessoas nos locais de trabalho, há zonas específicas que acolhem empresas e, aqui, são as corporações que implementam as suas próprias regras de segurança. Segundo Aimara Geissler, isto passou por reduzir a lotação de 30 para 15 funcionários. Ainda assim, para reforço de segurança nestes espaços, o WOOD colocou barreiras físicas de acrílico para proteger os clientes. 

Nos open space constituídos por individuais —  ocupados ou por pessoas que em tempos pré-pandémicos já exerciam funções remotamente —, passa a haver "alternância dos lugares disponíveis, ou seja, só podem estar pessoas sentadas mesa sim, mesa não", conta a responsável. "Como não estava cheio, foi fácil. Sobrou espaço para responder ao overflow, ou seja: se um gabinete estiver muito cheio, temos aqui lugares disponíveis, que deixam cumprir as novas regras de lotação, caso os clientes prefiram."

No voltar às instalações físicas, Ricardo Parreira também fala de "um regresso em segurança e com um número gradual de pessoas." Neste momento, não consegue apontar ainda alterações específicas no atual escritório, muito porque a PHC está prestes a mudar para novas instalações, que estão neste momento a ser construídas. "Mas estamos a avaliar ponto por ponto e tudo o que suscitar um risco nesta fase estará suspenso", diz. Como exemplo dá o evento de aniversário da empresa que, este ano, decorrerá num formato distinto: ao invés da celebração exigir presença física, assumirá contornos que estão a ser definidos, passando, provavelmente, por se refletir num evento à distância, com atividades e acções a marcar o dia especial.

Tal como no WOOD, a maior reformulação do espaço físico da PHC terá que ver com o número de pessoas no escritório nesta primeira fase. Sobre o facto de o trabalho decorrer em open space, o CEO diz que o essencial é "garantir a segurança dos colaboradores com a redução do comportamento de risco", que em grande parte é gerida através do teletrabalho.

Mas não será assim para sempre. Apesar do teletrabalho ter-se enraizado como prática comum, não se prevê que venha a substituir definitivamente as sedes e o trabalho em locais físicos. Os dois vão andar lado a lado.  É que, a longo prazo, diz o CEO, não poderemos viver em isolamento "Há uma certeza em tudo o que estamos a viver: a crise irá passar. Podemos não saber quando, mas irá passar."