A semana pedia mesmo uma paragem. Aliás, fizemo-nos à estrada sem saber se teríamos uma escolta a impedir a entrada em Lisboa. A circulação entre concelhos estava desaconselhada e o regresso a casa comprometido. Ainda assim, avançámos. Afinal, qual seria o pior cenário? Ficar preso no meio da natureza? Não nos pareceu horrível.

As aldeias de Xisto já nos estavam na mira desde que lá tínhamos estado pelas piores razões. Os incêndios de 2017 devastaram a região mas, além de histórias de horror, foi ali também que, na altura, encontrámos algumas de esperança. O protagonista era Pedro Pedrosa, o homem que veio de fora para pôr a gente de Ferraria de São Simão a mexer. Com a aldeia vizinha, Casal de São Simão, montou uma linha de sobreiros e carvalhos, que passaram a substituir os eucaliptos que, durante anos, serviam de combustível ao fogo.

Agora, três anos depois, a aldeia, que tem apenas 40 habitantes, está verde e mais pitoresca do que nunca. As casas são todas de pedra e quatro delas, foi Pedro que ergueu das ruínas.

Natural de Leiria e a viver em Lisboa, decidiu há dez anos trocar a capital por uma aldeia perdida no centro de Portugal. A mulher, Sofia,  professora de Educação Física, juntou-se sem hesitar, e foi lá que nasceram os filhos gémeos, agora com sete anos. Pedro continuou com a sua empresa de turismo, na qual organiza passeios a pé e de bicicleta para estrangeiros, Sofia conseguiu logo lugar na escola de Penela, e os filhos, esses, não se imaginam noutro sitio que não na aldeia. "O interior tem muito mais para oferecer do que as pessoas imaginam", garante Pedro à MAGG. Tudo menos vida social, uma falta que Pedro colmata com as conversas que tem com os turistas que recebe nas casas que construiu para receber quem queira experimentar a calma de viver naquela montanha.

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Uma das casas ficou para a família e as outras três, todas vizinhas, formam o Vale do Ninho, um alojamento especial, construído pelas mãos do arquiteto Pedro Brígida, que conseguiu na perfeição, juntar os elementos da natureza à patricidade de uma casa que se assemelha a uma autocaravana, tal é o aproveitamento do espaço.

Vae do Ninho
Ferraria de São João tem apenas 40 habitantes e a maioria trabalha nos campos e com os animais. créditos: Copyright 2020. All rights reserved.

Tudo feito em madeira, cortiça e sem uma única peça do Ikea, as casas têm o chão aquecido, loiça da Costa Nova e uma série de produtos locais. Quem escolhe a opção com pequeno-almoço, por exemplo, tem à sua espera um frigorífico cheio de coisas boas: queijos locais, manteiga, compotas e iogurtes caseiros, fruta acabada de apanhar, granola e bolachas feitas de forma artesanal.

O pão, esse, é entregue todos os dias pelo Sr. Horácio. É só pôr o saco à porta, com a garantia que no dia seguinte não lhe falta este reforço para começar o dia.

A aldeia é calma mas não é para ficar parado

Depois desta primeira refeição que, se fosse na cidade, estaria mais para brunch do que para outra coisa, partimos à descoberta da vizinhança. Tínhamos agendado dois workshops, para perceber de que forma podemos recriar em casa aquilo que ainda há pouco tínhamos à mesa.

Fátima ensina a fazer queijos e Isilda o pão. As duas ocupam a casa que é usada pela associação de moradores para este tipo de eventos e, quando chegamos, já andam a juntar ingredientes. Ainda vimos Fátima a ordenhar as cabras antes de sair de casa para trazer o leite mais fresco e Isilda junta já as três farinhas: trigo, centeio e milho.

Vale do Ninho
Isilda coze o pão em forno de lenha. Para estes usou uma mistura de farinhas e uma reza especial. É que sem essa reza, o pão não cresce.

Deixamos aqui as duas receitas, em modo spoiler: para o pão, há que desfazer o fermento de padeiro em água — que o fermento natural é coisa que por aqui já não se faz — e juntar à mistura de farinhas, o sal e a água morna. Uma hora a levedar e outra no forno. Mas não é só ciência. "O senhor santíssimo sacramento te ilumine e te acrescente daqui e em toda a parte para remédio dos pecadores e te livre de má gente. Ámen", diz Isilda, enquanto cruza os dedos sucessivamente em cima da massa. "Se não fizer esta reza não cresce. A sério, ainda outro dia a minha prima fez o pão sem rezar e não cresceu", garante.

Já para o leite, há que aquecer o leite "para tirar alguns dos micróbios", explica Fátima. Mas não todos, que senão não vira queijo. Depois junta-se oito gotas de coalho e embrulhar numa manta quente durante 40 minutos. Moldar, pôr sal e deixar secar.

Já íamos lançados aos dois petiscos, quando as duas pedem uma coisa que normalmente não temos: tempo e paciência: "Pão quente não faz bem nem ao são nem ao doente", atira logo Isilda.

O conforto também se serve à mesa

Ferraria de São João não tem qualquer tipo de serviço, mas Casal de São Simão, a aldeia ao lado e ainda mais pequena, tem um restaurante. No Varanda do Casal a ementa é curta, mas certeira.

No dia da nossa visita, havia borrego, porco preto com arroz de feijão e migas, caril de gambas e tiborna de bacalhau. Atirámo-nos de cabeça para este último, mas não sem antes passar à frente a parte mais importante: as entradas. O pão é incrível, caseiro e chega ainda quente à mesa, mesmo a pedir uma boa dose daquela manteiga de alho. Há ainda mini pataniscas, enchidos e cogumelos, servidos em pequenas tacinhas.

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As doses aqui são sempre para dividir — nunca caia no erro de pedir uma por pessoa, caso queira sair sem desperdício — e, ainda assim, tamanha é a fartura, pedem mesmo uma caminhada até às Fragas de São Simão, a 15 minutos a pé do restaurante.

Esta é, aliás, uma ótima zona para os amantes do trekking e de bicicletas. Pedro fez força para que esta região seja "BTT friendly" e é por isso que existe uma oficina, um centro de lavagem, percursos marcados e restaurantes com menus preparados para quem queimou toda a energia em quilómetros feitos na montanha.

E se as Aldeias de Xisto já eram inacreditáveis em tudo o que têm para oferecer, agora ganharam um interesse extra: até 15 de dezembro, se marcar a estadia através do site Book In Xisto, conta com descontos que podem ir até aos 50%. Marque já, assim dá tempo ao pão da Isilda para ir arrefecendo.

* A MAGG ficou alojada a convite da Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto