Há alguns anos podiam desconcentrar-se com uma mosca a voar, ou com um cão a ladrar. Hoje, os miúdos já nem veem a mosca nem ouvem o cão. Estão demasiado ocupados com o computador, o tablet, o telemóvel. Estão sempre "ligados", a responder a uma mensagem, publicar no Instagram, colocar gostos e comentários no Facebook, acudir às notificações do Snapchat , falar com o grupo do WhatsApp, colocar um emoji no Messenger, verificar o "plim" de mais uma entrada na caixa do correio, ou no hangup, jogar online ou ver os vídeos no Youtube, por exemplo. São infindáveis as distrações que a era digital proporciona e tentar estudar e aprender no meio de todos estes apelos e "ruídos" não é fácil.
Como explica Isabel Cavadas, psicóloga, os conteúdos digitais “vão diretamente às redes neuronais do prazer”, podendo-se tornar aditivos, o que pode até ter um impacto negativo no desenvolvimento cognitivo da criança.
Isto porque a área do cérebro que governa a atenção é a mesma que domina o controlo de impulsos, a organização e o pensamento crítico, entre outras. Adelaide Dias, psicóloga, diz que todas estas distrações dão origem "a um excesso de informação que as crianças recebem quando a parte emocional ainda não está toda desenvolvida”. Esta desregulação pode gerar “problemas de comportamento, dificuldades no autocontrolo e em gerir a autoestima, a frustração e a ansiedade”.
Os bonecos animados não são todos inofensivos
Uma equipa de investigadores da reputada organização nortre-americana Brookings Institution concluiu recentemente que as distrações constantes a que as crianças estão sujeitas lhes estão a prejudicar a "função executiva". Ou seja, aquilo que o Center on the Developing Child de Harvard define como "o processo mental que nos permite planear, focar a atenção, recordar instruções e conciliar com sucesso várias tarefas".
É por isso que, numa tentativa de ajudar os pais e os educadores a orientarem as crianças a desenvolverem capacidades de concentração, a Academia Americana de Pediatria faz uma série de recomendações.
A primeira passa por definir criteriosamente o tempo passado em frente aos ecrãs. As crianças entre os 2 e os 5 anos não devem passar mais do que uma hora por dia a ver programas, mas de qualidade, na televisão. Sim, porque o tempo de ecrã pode ser mais ou menos didático, dependendo do que se está a ver.
Se é fã de "Sponge Bob", por exemplo, pode ser a altura de pensar duas vezes. Um estudo concluiu que programas que tinham um ritmo mais acelerado, como o “Sponge Bob”, perturbavam a capacidade de uma criança em idade pré-escolar para se concentrar quando comparada com uma outra criança que via programas mais calmos ou estava a desenhar. O melhor seria mesmo ver “A Rua Sésamo”.
A Academia Americana de Pediatria não aconselha a televisão para crianças com menos de 2 anos, propondo antes que se leia, cante, brinque ou converse com elas. "Os pais muitas vezes assumem que se são bonecos animados está tudo bem", disse Rahil Briggs, psicóloga citada pelo New York Times ao comentar este estudo. Mas as sequências aceleradas e fantásticas de alguns programas infantis podem fazer com que o cérebro das crianças, no futuro, "não consiga prestar atenção a alguma coisa que não seja tão fantástico".
Criar zonas livres de media dentro da casa
Nas crianças mais velhas, pode ser mais difícil controlar as milhares de mensagens sem sentido, a navegação constante na internet, as conversas ininterruptas nos chats, ou os jogos online, principalmente se têm os seus próprios smartphones. A Academia Americana de Pediatria recomenda que se mantenham, dentro de casa, "media-free-zones", isto é, áreas sem internet e telemóveis, como os quartos, e há especialistas que falam em "screen-free time", períodos sem ecrãs, como a hora do jantar, por exemplo. E isto tanto para as crianças e jovens como para os adultos.
No mesmo sentido segue a psicóloga Isabel Cavadas, que propõe “um ritual de pousar o telemóvel”, ou qualquer aparelho tecnológico a fim de proporcionar um momento para a família. Serve “para haver diferenciação do que é o espaço social através do digital e o espaço social da interação direta” e, acima de tudo, para “estabelecer momentos de paragem”, uma vez que “estamos inseridos numa era tecnológica em que temos acesso a tudo o que é imediato, e as crianças nasceram nesta imediatez, o que faz com que tenham dificuldade em parar”.
Para controlar o uso dos meios digitais pelos adolescentes, o ideal é a "negociação". É necessária uma “comunicação transparente por parte dos pais; a rigidez, ao ser demasiadamente elevada, vai levar o jovem a omitir”, avisa Isabel Cavadas. Há que “tentar ir pelo acordo e não pelas medidas mais radicais”.
Quem manda? Eu ou o telemóvel?
Pelo menos, dizem os especialistas, há que encorajar os filhos a que no período do estudo, o smartphone esteja em silêncio, sem alertas e notificações sonoras. E seria conveniente explicar-lhes como falhamos muito ao tentar fazer duas (ou mais) coisas ao mesmo tempo (como estudar e manter uma conversa no chat, jogar na consola, ou estar atento às publicações e stories dos amigos no Instagram). Não somos (nem sequer as mulheres, como muitas gostam de dizer) multitaskers. O melhor é mesmo mostrar-lhes alguns estudos como um publicado na Psicology Today, sobre os custos de fazer várias tarefas em simultâneo.
O Centro de Desenvolvimento Infantil de Harvard publicou uma série de atividades que pode fazer com o seu filho para que este melhore a sua "função executiva", em várias idades, desde os bébés até aos adolescentes. Incluem, nos mais pequeninos, canções, rimas e jogos de memórias e nos mais velhos, a prática de artes marciais, tocar um instrumento, dançar ou fazer teatro. Tudo isso exige concentração.
Os especialistas sugerem ainda que os pais ajudem os filhos a fazer uma pergunta básica: "Sou eu que mando no smartphone ou noutro aparelho digital ou é é ele que manda em mim?". E que aprendam a não estar permanentemente ligados. O melhor é responder a mensagens por blocos em vez de estar sempre a interromper a concentração cada vez que chega uma mensagem, isso ajuda-os a melhorar o seu autocontrolo.
Muitos pais podem deparar-se com resistência por parte dos seus filhos nesta tentativa de moderar o uso dos meios digitais. Nessas situações, a opinião de Isabel Cavadas é clara: “Os nãos também têm de existir para educar, os nãos são um meio para a criança aprender a gerir a frustração”, porque “a escalada comportamental requer limites bem definidos e assertividade e consistência”.
Mas acima de tudo, conclui, há que demonstrar “que há tempo para tudo”, seja por iniciativas escolares ou familiares.