Ainda não eram 13 horas e já tinha mexido no telemóvel 17 vezes. Até esta hora, estive um total de 54 minutos ativa, num pingue-pongue entre o email, o Instagram, o Facebook, Messenger, WhatsApp e uns tantos artigos. O dia de hoje, 14 de março, será, muito provavelmente, pior do que o de ontem: ontem passei 2h59 minutos agarrada ao dito aparelho, que, admito, é um dos meus grandes vícios.

As rotinas mudaram. Se antes chegava a casa, calçava as pantufas e ligava a televisão, hoje acontece sentar-me e, ainda com a roupa da rua, passar uma hora a fazer scroll nas diversas plataformas que preenchem o visor principal do meu smartphone. Este movimento tanto tem de produtivo — porque encontro conteúdos giros, que me dão boas ideias para o trabalho, ou porque me informo — como de inútil. Há dias em que o dedo mexe, os olhos estão postos no ecrã, mas o cérebro não capta nada.

De manhã, ainda deitada, faço o mesmo. E a tomar o pequeno-almoço também. A acção é bem capaz de continuar nos transportes e enquanto ando na rua, esteja o sinal verde ou encarnado. Distraída, já aconteceu atravessar a estrada com um carro a aproximar-se. A minha distração — e o meu vício — colocaram a minha vida, e a de outros, em perigo. Tive sorte. Mas foi só isso. A coisa começa a tornar-se verdadeiramente preocupante.

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A minha mãe chama-lhe “uma doença”. A minha irmã atira olhares fulminantes e diz a quem está por perto que “não vale a pena”, porque enquanto mexo no telemóvel não oiço mais ninguém. O meu irmão esconde-me o telemóvel. E o meu pai, mesmo quando estamos em silêncio, diz-me, sempre: “Vá filha, larga lá isso.” Os meus amigos não se manifestam tanto, mas é compreensível: temos quase todos a mesma relação tóxica com os nossos telemóveis.

Instalei o Moment, uma app gratuita disponível no sistema operativo iOS, que regista o tempo que passamos a interagir com o telemóvel e a quantidade de vezes em que, por dia, agarramos nele. Fiquei transtornada. O pior dia foi sábado: passei 4h42 minutos agarrada ao ecrã. Mas houve um motivo, mais ou menos legitimo: estive a trabalhar num evento durante muitas horas e utilizei o bloco de notas do telefone para apontar tudo o que precisava.

Mas, nos dias anteriores e seguintes, os números continuaram a ser assustadores. Segunda-feira, 12 de março, esqueci-me do telemóvel em casa. Sai às 10 horas e só regressei perto das 22 horas. Mesmo assim, consegui estar 1h40 minutos mergulhada no mundo virtual, o tempo mais reduzido da semana.

Com uma interface muito simples, a aplicação faz relatórios diários e semanais da utilização do telefone. Dá-nos dados variados: desde quantos anos é que vamos gastar a mexer no telemóvel ao longo da vida, a quantas vezes é que, em média, agarramos nele. Entre 7 a 13 de março, foi assim:

  • Utilizo o telemóvel, em média, 2h38 por dia
  • Dediquei, no total e em sete dias, 18h27 ao telemóvel
  • Passo 23% da minha vida no telemóvel
  • O que significa que, se continuar com este ritmo, vou passar o equivalente a sete anos (repito, sete anos) a olhar para o telemóvel
  • Toco no meu telemóvel a cada oito minutos
  • Em média, pego no telemóvel 52 vezes por dia
  • No melhor dia, só peguei nele 33 vezes
  • No pior, peguei 152 vezes
  • Durmo em média 6h48 minutos por noite

O que é que podia ter feito com este tempo?

Passamos a vida a reclamar sobre o tempo. Não temos tempo para treinar. Não temos tempo para ir às finanças. Não temos tempo para ler um livro. Não temos tempo para nos coçar. Mas 2h38 minutos por dia é muito tempo. Estas foram as cinco principais coisas que deixei de fazer.

Comecemos pelo óbvio: treinar. Estou há um considerável e vergonhoso número de meses sem pôr os pés no ginásio porque “não tenho tempo”. Só que duas horas e meia servem para estar na sala de ginásio, passar pela sauna, banho turco e tomar um banho relaxado, com direito a dez minutos sentada no banco do balneário de toalha a olhar para o vazio.

Ir à segurança social. Esta é daquelas tarefas suspensas e pendentes que provocam um aperto no estômago e coração sempre que nos saltam no pensamento.

Tratar do passe do metro. Quando entro na redacção já venho a correr e penso: “Vou quando sair”. Quando saio penso: “Tenho de ir para casa fazer o jantar”. É mentira: abro a porta de casa, atiro a carteira para a cama, agarro-me ao telemóvel e preparo o jantar tarde e a más horas.

Acabar de ler o "Sapiens". Ainda não passei das 100 primeiras páginas e recuso-me a revelar a quantidade de tempo que passou desde que abri este livro pela primeira vez.

Ver uma peça de teatro. Uma peça de teatro demora menos tempo a passar do que aquele que dedico ao meu telemóvel. E é uma atividade bem mais interessante.

O que é que nos está a acontecer?

Como refere a psicóloga Filipa Jardim Silva, não deixa de ser curioso: “Quando os telemóveis quando surgiram, vieram com a promessa de nos facilitar a vida e com a noção de que íamos saber gerir melhor o nosso tempo.” Contra esta expectativa, a realidade é que, conforme decorre a evolução tecnológica, mais complicadas se tornam as nossas vidas.

Como em tudo, os extremos não são a solução. Curar este vício não significa cortar com a utilização do telemóvel, mas antes aprender a utilizá-lo de forma funcional e equilibrada. Para chegar a este ponto, o primeiro passo é identificar o problema, ou seja, avaliar o grau do problema e entender o papel que os telefones, tablets ou computadores desempenham. Para isso, já existem ferramentas, que, ironicamente, podem ser descarregadas nas lojas de aplicações: há o Moment, mas também há o Quality Time, o Freedom ou o Flipbd.

“Os próprios telemóveis permitem ver, de forma percentual, como é que a bateria foi gasta: se foi em chamadas, em navegação na Internet, nas redes sociais”, diz a psicóloga. “Esta é uma análise que nos permite ter consciência sobre como é que estamos a usr o telemóvel e qual a utilidade dessa mesma utilização.”

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De acordo com a especialista, há alguns sinais de alerta a que devemos estar atentos. Costuma olhar várias vezes durante o dia para o nível de bateria com receio que não chegue? É frequente querer logo saber a passe do wifi assim que chega a um lugar publico? Quando está a brincar com o seu filho está a pensar no sítio onde deixou o telemóvel?

“Surgiram já problemas de foro psicológico ligados aos telefones", indica. Há a nomofobia, que “é aquilo que denomina a dependência do telemóvel” e que se traduz num medo extremo de ficar desconectado. Começa a ser preocupante quando “nos limita”, ou seja, quando restringe os caminhos do quotidiano àqueles onde o uso do telemóvel é uma possibilidade.

Este vício também está na origem de um novo tipo de ansiedade social: “É o FOMO, ou seja, o medo de ficar de fora, de perder uma interacção social virtual, de não acompanhar o ritmo das partilhas, de não se sentir integrada num chat, por exemplo”, explica. “É como se fazer parte de um circulo social estivesse relacionado com o número de interacções no mundo virtual.”

É aqui que as coisas se começam a confundir-se: "Como seres sociais, é fundamental termos a sensação de proximidade e de pertença”, explica. “Mas nós só nos sentimos realmente próximos quando isto acontece de forma intima ou verdadeira, ou seja, quando estamos num contexto real.”

As redes sociais podem dar um prazer, “mas nunca serão equiparadas às sensações reais.” Além disso, podem mesmo prejudicar as relações pessoais, na medida em que influenciam o diálogo e a construção da intimidade. Basta pensar que quando nos encontramos com alguém, vamos conversar menos com ela se estivermos sempre a mexer no telemóvel.

A concentração também sofre com o uso abusivo das redes sociais: “Recebemos múltiplos estímulos e tudo ao mesmo tempo. São muitas fotografias, muitas partilhas, muitas palavras, pessoas e temáticas diferentes”, diz. “A nossa mente fica neste modo de dispersão e entramos em modo multitasking que poderá contaminar os momentos em que precisamos de estar focados, porque vicia os nossos circuitos cerebrais.”

Estar permanentemente ligado ao telemóvel retira “qualidade de vida e saúde”, quer seja física ou psicológica. É crucial ver o que é que são “males do oficio” e o que é que são “práticas já contaminadas.” Sem grandes extremismos, “e sempre numa perspetiva de ponderação”, é importante fazer este exercício, descobrir se a relação com o telefone é tóxica ou funcional e, mais importante, compreender em que mundo é que vivemos a maioria do tempo. No real ou no virtual?

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