Acordei às 8 horas. Abro a janela para ver o mundo e abro o frigorífico para ver o que por lá anda. Tiro a manteiga para barrar no pão, o leite para juntar ao café e está feito o pequeno-almoço. Sento-me à secretária para enviar um email, mas o que não me sai da cabeça é aquele bolo que fiz ontem e que está em cima da bancada. Cedo. Às 10 horas percebo que preciso de outro café, mas café vai bem é com um quadrado de chocolate. Volto à secretária mas ainda não me responderam ao email. Dou uma volta pela casa e acabo na cozinha novamente. Mais três bolachas que assim acabo já com o pacote e não penso mais nisto e, já que estou numa de evitar o desperdício, vai também aquela banana que já está a ficar demasiado madura.
E pronto. Ainda nem chegámos à hora de almoço e mais de metade das calorias do dia já foram consumidas. A falta de rotinas, a ansiedade ou, simplesmente, o aborrecimento, levam as pessoas a comer mais. O problema é que o estado de emergência só foi instaurado há uma semana e não há data marcada para que as nossas vidas voltem ao normal, garante Teresa Branco, que também teve de adaptar as suas consultas à distância que o isolamento obriga. Criou um programa de gestão de peso em casa, dividido em três consultas nas quais dá aconselhamento nutricional, de exercício físico e na regulação de sono e também apoio na gestão da fome emocional. "É que é disso que falamos muitas vezes nestes casos: a fome que as emoções provocam".
Fisiologista e autora do livro "Como vencer a Fome Emocional" lembra que a sensação de pânico pode tirar a fome, mas a ansiedade prolongada e o stresse são, de facto, gatilhos para o aumento do apetite. "Além de a comida ser um conforto em tempos difíceis como estes, dá-se-lhe uma importância acrescida", refere. E lembra que ver notícias sobre supermercados vazios ou pessoas com comida racionada em Itália leva a que, de uma forma mais ou menos consciente, queiramos também nós armazenar com medo do que pode acontecer no futuro. "E esse armazenar não é só no frigorífico, é também no corpo", lembra.
E tudo isto funciona num ciclo vicioso. Ora veja. As pessoas comem mais, engordam, ficam deprimidas, ficam ainda mais deprimidas, comem mais. "E só saem deste ciclo se realmente quiserem", lembra Teresa Branco, que lança o desafio: "Já que não podemos controlar nada do que se passa lá fora, porque não controlar aquilo que comemos e, porque não, aproveitar a quarentena para emagrecer?".
Dicas das nutricionistas: Manter horários, não fazer bolos e dormir bem
Parece tudo fácil na teoria, mas e na prática, como é que nos mantemos longe do frigorífico? Rotinas parece ser a palavra de ordem das nutricionistas. "Eu estou agora a fazer o meu lanche porque era aquilo que eu estaria a fazer se estivesse na minha vida normal", explica Ana Isabel Monteiro. A nutricionista acredita que as as refeições devem ser semelhantes às que se faziam anteriormente e que os snacks extra — esses sim — devem ser pobres em calorias. "Nesta altura queremos alimentos crocantes, são eles que nos aliviam o stresse", explica à MAGG. Sugere, por isso tremoços, palitos de vegetais ou pipocas feitas sem açúcar.
Ainda assim, não há milagres e se nos mexemos menos temos mesmo de reduzir o consumo de calorias, caso contrário, vamos engordar. "Não precisamos de cortar nos hidratos, como é habitual. Basta fazer reduções inteligentes. Por exemplo, nas refeições principais, em vez de usar duas colheres de azeite uso só uma". Nunca esquecer que uma inocente colher de sopa de azeite tem mais de cem calorias.
Teresa Branco reforça esta ideia e garante que se as refeições principais forem saciantes, a vontade de petiscar vai ser menor. "Posso dar o exemplo do meu almoço de ontem: uma posta de salmão grelhada com ervas acompanhada por um salteado de feijão verde, pimento e milho. De sobremesa um punhado de frutos vermelhos". Uma boa proteína, uma fonte de gordura saudável e alguns hidratos compõem o prato ideal.
Para os lanches, manter o hábito de comer algo baixo em calorias, mas saciante. "Um ovo cozido com frutos secos, por exemplo", sugere Teresa. Mas quando falamos de frutos secos, não é à mãozada, uma chávena de café é suficiente. Iogurte com sementes ou frutos vermelhos também é uma opção, chocolate negro para quando apetece uma sobremesa ou um bolo de caneca adoçado apenas com banana. "Digo de caneca porque não devemos ter bolos grandes em casa, a tentação é muito grande", refere.
O local que escolho para as refeições também é importante. Ana Isabel lembra que o escritório, mesmo que improvisado, não deve ser o espaço de refeições e que se temos fome, o melhor mesmo é ir à cozinha, comer a dose certa e voltar. "Nada de pacotes de comida ao pé do computador".
Teresa Branco não quer ver ninguém a comer de pé, na cama ou a ver televisão. "A refeição tem que ser um momento importante e deve ser feita num local específico para isso e, se possível, em família".