A vitamina C foi descoberta há alguns séculos quando, nos tempos em que se rumava à Índia de barco, os marinheiros ficavam doentes e morriam no curso destas viagens longas. A pele deformava-se, as gengivas também, os dentes caiam. Entre os alimentos que levavam consigo, havia sobretudo peixe seco, leguminosas, alimentos robustos e duradouros que forneciam energia. Um médico da marinha intuiu que os ácidos poderiam ser a solução para resolver a doença estranha e estreou com estas cobaias os estudos de caso de controlo: a uns deu laranjas, a outros sidra, a outros deu vinagre e observou as reacções. Os que comeram o citrino melhoraram substancialmente, os da sidra assim assim, os outros nem por isso.
"As vitaminas foram descobertas a partir dos seus estados carenciais", explica à MAGG André Casado, especialista de Medicina Interna. "A primeira foi a vitamina C. Sabia-se que havia alguma coisa que nos faltava quando não comíamos citrinos."
Desde muito cedo se percebeu que a vitamina C é um micronutriente fundamental para a saúde e imunidade. Só que os tempos de hoje não são os de antigamente: antes os défices eram reais porque a comida faltava e se passava fome, hoje é pouco provável ou, pelo menos, justificável. "Vivemos numa época em que nunca na história da humanidade a alimentação foi tão boa, pelo acesso a tanta variedade de alimentos que nos fornecem tudo o que precisamos", começa por explicar o médico, na sequência de lhe lançamos a questão: os suplementos vitamínicos são essenciais, sobretudo numa altura em que o Covid-19 se disseminou por todo o mundo?
Com ou sem a atual crise de saúde mundial, a resposta é: "Não". O recurso a estas "mezinhas modernas", como lhe chama, é desnecessária, porque tudo aquilo de que necessitamos para suprir as necessidades nutricionais do organismo está naquilo que, diariamente, comemos ou devíamos comer, desde a fruta, aos vegetais, leguminosas ou peixe. "Há esta ideia de um estado de super saúde que pode ser atingido se cumprirmos determinados rituais", diz.
"Para quem esteja saudável e que faça uma alimentação variada, de base vegetal e mediterrânea, com gorduras insaturadas, com mais peixe e relativamente pouca carne, leguminosas, com uma exposição adequada ao sol não precisa de tomar suplementos", reforça. "A ideia geral é de que são ingerirmos vitaminas ficamos doentes e que se ingerirmos em excesso vamos ter efeitos positivos em excesso. Mas isso não acontece."
Não acontece, porque as vitaminas "têm uma quantidade limitada de reserva", ou seja, não se pode acumular mais do que o corpo é capaz. "Quando estão preenchidos não armazenamos mais. O organismo só utiliza as moléculas da vitamina que necessita, com uma reserva que pode ser maior ou menor, que pode durar alguns meses e até anos, para algumas pessoas."
A ciência tem ido ao encontro do que explica André Casado, com vários estudos a apontar para a não eficácia ou vantagem do consumo de suplementos vitamínicos individuais ou multivitamínicos.
Mas há excepções. "A suplementação justifica-se nas sociedades dos países desenvolvidos em situações especificas de patologia em que as pessoas, mesmo tendo acesso a determinados alimentos, ou por não poderem consumir ou por terem graus de deficiência metabólica e patologia avançada, precisam de suplementação de calorias e até de vitaminas e outros suplementos."
Com o COVID-19 precisamos de açambarcar laranjas?
Já vimos que os suplementos são desnecessários. Então, mas temos de reforçar na mesma os níveis de vitamina C, associada a uma imunidade mais forte? Não. É que, se comer de forma equilibrada, incluir vegetais verdes ou citrinos na sua alimentação, vai ter as doses necessárias e a reserva do organismo satisfeita. "Nós precisamos de muito pouca vitamina C para preenchermos as nossa reservas", explica.
De acordo com André Casado, as vitaminas são para ser consumidas como nutrientes e não como medicamento. E, se há umas melhores do que as outras para termos a saúde mais forte, o especialista explica que essa ideia não é real: "As vitaminas já não são uma chave para uma fechadura", diz. "As diferentes vitaminas não regulam um único processo metabólico, salvo raras excepções. Influenciam múltiplos processos de metabolismo em que são necessárias."
De diferentes formas, vitamina C, vitamina D, vitaminas oxidantes e por aí fora, interferem com a nossa imunidade. Por isso, se não tiver nenhuma patologia em que seja necessária a ingestão, deixe-se de suplementos, e não coma dez laranjas por dia. A solução é simples e mais barata: coma de forma equilibrada, aposte numa dieta variada, coma mais peixe e menos carne, aposte em frutas, vegetais, leguminosas e gorduras boas. É o suficiente para uma saúde forte.