A tequila emagrece, a frutose faz mal e cheirar a comida engorda. Há estudos supostamente científicos que tentam comprovar estas ideias. Ouve-se e lê-se de tudo. Se há alguns anos mal se falava de nutrição, hoje acontece o oposto. Diariamente são publicados milhares de artigos, disseminados pelas redes sociais, muitos deles sem qualquer valor científico, sendo que nuns os nutricionistas defendem uma coisa e noutros o oposto da mesma coisa. Onde está afinal a verdade? Por que é que isto acontece?
Não consumir glúten, cortar nos hidratos, trocar o leite por bebidas vegetais, ingerir sumos verdes, fazer a dieta do jejum, seguir um regime paleo ou vegano. "Hoje são as modas que ditam os planos alimentares. A frase é do investigador e professor de composição nutricional dos alimentos e de alimentação humana na Faculdade de Nutrição e Alimentação da Universidade Porto, Vítor Hugo Teixeira. Isto também acontece porque, de acordo com o especialista, vivemos um “período único”, em que o acesso à informação é muito fácil, mas também porque as pessoas estão mais preocupadas com aquilo que dão ao corpo. Esta “facilidade [de informação] não se traduz em mais conhecimento, porque é preciso saber ler, analisar, comparar e interpretar a informação”, explica Vítor Hugo Teixeira, que também é nutricionista no Futebol Clube do Porto. “A maior parte das pessoas não tem literacia para saber interpretar os resultados”, acrescenta.
“O aumento do número de estudos científicos sobre uma determinada matéria não significa obrigatoriamente uma solidificação sobre o conhecimento: o maior número de estudos significa mais resultados e isto gera confusão porque há muitas conclusões e muitas vezes opostas”, diz. “É preciso, então, ter a capacidade de interpretação e análise que pondere esses diferentes resultados. Quem tem mais habilidade é quem está ligado à investigação porque conhece o processo por dentro e as suas fraquezas.”
O maior número de estudos significa mais resultados e isto gera confusão porque há muitas conclusões e muitas vezes opostas
Antes de acreditar em tudo o que lê, é crucial perceber que a nutrição não é “binária”, nem matemática. É necessário tempo para se chegar a conclusões. Não se pode olhar apenas para um estudo. É fundamental ver o conjunto de resultados de diferentes análises: “É preciso paciência para se chegar a conclusões mais fidedignas, mas o que acontece é que não se dá tempo, não se analisa bem e depois reproduzem-se estudos que só suportam as crenças de quem os propaga.”
Nutrição segue um caminho estranho
Pedro Carvalho, nutricionista, professor auxiliar na Universidade Católica Portuguesa e Instituto Superior da Maia, autor do livro “Os Mitos que Comemos”, diz que a “nutrição segue um caminho estranho” e conta que, diariamente lê "muitas asneiras”, que podem até ser perigosas. São estes boatos — bem como aquilo que ouve em consulta — que alimentam as suas crónicas mensais no jornal Público, onde escreve sobre alimentação de forma descomplicada, mas cientificamente sustentada, para que se possam desmontar algumas das falsas crenças.
Além da disseminação de informação sem evidência científica, pode haver um problema com os próprios profissionais da área: “A formação académica pode ter baixado a qualidade média”, diz Vitor Hugo Teixeira. “Até há uns anos tínhamos formação de ciências da nutrição concentrada em poucas instituições, provavelmente de melhor qualidade. Mas com o aumento de faculdades com o curso, pode acontecer que a formação académica não seja a melhor e uniforme em todos os sítios. “
Os nutricionistas que nos últimos anos têm saído das faculdades para os gabinetes de nutrição clínica fazem parte da geração da 'fast information' e podem muito bem não ter paciência para ler dez páginas seguidas.
Soma-se a isto uma questão geracional. Um académico é visto como teimoso quando, na realidade, está pacientemente à espera de provas: “Um professor universitário só muda de opinião quando consegue sustentá-la. Alguém que não tem este peso da responsabilidade, particularmente se for jovem, acredita que o conhecimento mudou só porque saiu um estudo novo e acha que os colegas mais antigos estão fora de moda, quando na verdade são só mais ponderados”, diz. “O último estudo não tem de ser o melhor. Significa só que foi o último”, acrescenta.
De acordo com o professor, muitos dos novos nutricionistas gostam mais da “punch line”, de dizer “coisas muito inovadoras e radicais”, do que de ler informação corretamente. Os que nos últimos anos têm saído das faculdades para os gabinetes de nutrição clínica fazem parte da “geração da fast information” e podem muito bem “não ter paciência para ler dez páginas seguidas”. Preferem o “scroll down” e limitam-se “a reproduzir o trabalho que acham que é o mais atual e recente sobre determinado assunto”, em vez de ponderar todos.
Não, a batata doce não tem um índice glicémico baixo
“Eu tenho uma expressão: não devemos ser cataventos científicos, mas sim bússolas”, diz. “Não devemos estar sempre a mudar de opinião. Devemos ser céticos, mas de mente aberta. Eu só mudo de opinião quando a evidência que suporta a teoria é muito mais forte do que a outra”, acrescenta.
O investigador dá o exemplo do óleo de coco. “É um alimento que está na moda, mas cuja evidência científica que suporta os benefícios do seu consumo é muito fraca. Mas cada vez mais pessoas usam.”
O leite é o caso mais polémico e as pessoas estão a deixar de o consumir. Mas será que quem não é intolerante ou sensível faz bem? O especialista reuniu um conjunto de meta estudos sobre este alimento, feitos nos últimos dez anos, e os resultados “indicam que se trata de um alimento protetor”. Seguindo a mesma estratégia, concluiu que “o ovo parece aumentar o risco de doença.” E, no entanto, "está na moda aumentar o consumo de ovos em detrimento do leite. E quem vem dizer o contrário é acusado, nas caixas dos comentários, de estar ligado à indústria."
"Está na moda aumentar o consumo de ovos em detrimento do leite. E quem vem dizer o contrário é acusado, nas caixas dos comentários, de estar ligado à indústria."
Há também quem diga que a batata doce tem um índice glicémico baixo, quando na verdade só é mais reduzida face à batata branca. Ou quem recomende as panquecas de aveia, quando na realidade este cereal perde propriedades quando triturado, na forma de farelo: “Escolher aveia é fantástico, porque é muito interessante e tem um índice glicémico baixo. Mas isto é ser for em flocos. Se for em farinha passa a ter um índice glicémico mais alto, porque se perde a parte da trituração que funciona como pre-digestão”, explica. “Em farelo, parte da trabalho processo digestivo fica feito o que faz com que a glicemia dispare mais rápido”
A verdade pode muito bem ser esta: “A esmagadora maioria dos profissionais de saúde não tem a informação nutricional destes alimentos, nem sequer dos seus riscos.” Os nutricionistas estão menos treinados e, ao mesmo tempo, nunca foi tão “apetecível”, como descreve Pedro Carvalho, ter esta profissão. A importância da alimentação é transversal à população — cada vez mais atenta — e, assim, este percurso tem muita procura e saída.
“Dá muito dinheiro e por isso há muita gente que dissemina ideias e um lifestyle com o intuito de diferenciar-se dos outros, mesmo que não seja verdade”, diz o cronista do Público.
Há especialistas que passam a ter estatuto de figuras públicas. Tornam-se mais conhecidos nos meios de comunicação social, lançam programas de perda de peso, livros e mostram parte da sua vida em diferentes plataformas online. Isto é bom quando se promove uma alimentação saudável, se motiva e partilham receitas. Mas também tem um lado perverso: “O principal problema nas redes sociais é os nutricionistas venderem-se a marcas”, diz. “Eticamente não faz sentido nenhum. Estão muitas vezes a promover alimentos ou produtos sem grande razão de ser, mas como é a marca que lhes propõem acedem a esses pedidos.”
Tanto Pedro Carvalho como Vítor Hugo Teixeira referem que, para tornar tudo ainda mais confuso, há as opiniões de profissionais de outras áreas, como da Medicina ou do Desporto.
O “novelo de lã” é grande e complicado, mas pode ser desfeito. A solução passará, obviamente, por formar futuros nutricionistas de forma a que tenham competência para interpretar dados, com paciência e tempo. Mas passa também por fazer sair dos gabinetes os académicos. É importante que falem para o público, através dos canais mais utilizados, de forma simples e descomplicada, para que entendam a realidade dos alimentos, dos nutrientes e do impacto que têm no corpo. É crucial que compreendam a subjetividade dos estudos, que não correspondem a certezas universais, sobretudo quando são feitos em animais. É fundamental que saibam que modas são passageiras e que para o bem da saúde são as evidências e os factos que interessam.