Uma criança negra de cartaz amarelo com a mensagem "sou adotada, angolana, meus pais são Chega" e uma bandeira do partido na mão para uma manifestação do partido Chega. O protesto, que aconteceu este domingo, 2 de agosto, foi convocado pelo líder do partido, André Ventura, em resposta à homenagem feita a 31 de julho a Bruno Candé, ator morto a tiro a 26 de julho, em Moscavide, Lisboa, alegadamente por motivos racistas.
A imagem da criança com o cartaz acabou por ganhar grandes proporções nas redes sociais. A mãe da criança, Clara, 44 anos, que também estava presente e garante que André Ventura não tinha conhecimento desta forma de protesto, está a ser criticada e há até quem apele a uma ação da comissão de proteção de menores. "Não vou partilhar a foto, mas a comissão de proteção de menores tem de atuar perante a violação dos direitos da criança que foi levada para uma manifestação com um cartaz onde dizia que era adoptada", diz um utilizador do Twitter.
Numa outra publicação na mesma rede social, cuja fotografia teve um alcance de mais de 1,5 mil gostos, o autor diz: "Na manifestação dos fachos, que serviu para comprovar que há racismo em Portugal, um casal que adotou uma criança negra, usou a sua imagem como propaganda. Isto é abjeto. Esta pessoa não é um objeto, não é moeda de troca no debate político. Tem direitos e um deles é a sua dignidade".
São várias as pessoas a comentar que "é um atentado aos direitos de uma criança" ou "atitude miserável", mas também outras a criticar o facto de o utilizador partilhar a foto da criança com cara descoberta.
O objetivo do cartaz levado pela criança acompanhada pela mãe, que adotou a menina há dois em Angola, conforme revelou ao "Diário de Notícias", seria mostrar às pessoas que não são racistas, explica, mas perante as proporções que a imagem está a ganhar, já se mostrou arrependida.
"Fiz o maior disparate da minha vida, foi um ato irrefletido. Estou a ser acusada no Facebook de ser má mãe, mas fiz isto para mostrar que podemos amar-nos uns aos outros. Ela não é o meu troféu, é o amor da minha vida. Tenho uma filha de cor e quis mostrar às pessoas que não somos racistas", afirma.
"O erro foi ter dito que era adotada e de Angola — devia ter escrito 'o amor não tem cor'. Foi tudo mau", refere a mulher de 44 anos apoiante do Chega, acrescentando que hoje tem consciência de que o não devia ter feito. "Algumas pessoas que me conhecem estão incrédulas com o que fiz", diz ao mesmo jornal, revelando não ter tido noção de estar a usar a filha como uma ferramenta política.
Admite, no entanto, que quando decorria a manifestação começou a riscar a palavra "adotada" com uma caneta. "Percebi que não era a palavra certa. E depois tirei o cartaz. Mas alguém tirou a foto e publicou, e pronto. Se possível, pedia às pessoas para apagarem a foto. Já pedi a várias, mas são tantas", diz ao "DN".
Agora, o maior medo de Clara, a mãe da criança que levava o cartaz amarelo, é perder a filha. "Posso perder a minha filha. É que estamos a legalizar a adoção cá, estamos nesse processo." Contudo, uma ex-magistrada do MP e presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha, acredita que os pais não deverão perder a criança, revela o jornal.
Já a penalista e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Inês Ferreira Leite, considera tratar-se de um crime de maus tratos e que a situação não se deve limitar a uma intervenção da comissão de proteção.