Coco Chanel. O nome mais conhecido no mundo da alta costura e um dos grandes ícones da cultura francesa. Nasceu em 1883 no seio de uma família pobre. Com a morte da mãe, quando tinha apenas 12 anos, foi enviada, pelo pai, para Aubazine, um convento com um orfanato. Aqui tem contacto com dois pontos fundamentais para o curso da sua vida: máquinas de costura e ideias antissemitas, propagados nas aulas que frequentava.
É a mãe do perfume e dos cortes que serão eternos símbolos da moda. Ainda que o esforço e determinação sejam características inegáveis na forma como constrói o seu legado, há uma mancha que dificilmente se limpa do seu nome: esteve ligada ao regime de Hitler, facto que se manteve na sombra da história durante muitos anos. Faz sentido: falar sobre o papel ativo que manteve com o Terceiro Reich, no tempos de uma França ocupada, não convinham à Casa Chanel, mesmo após a morte da sua fundadora.
Apesar de o filme biográfico mais conhecido sobre o ícone da moda ser “Coco Avant Chanel" ("Coco Antes de Chanel"), há uma Coco depois de Chanel. É sobre essa que se narra na biografia “Sleeping With the Enemy: Coco Chanel's Secret War”, assinada pelo jornalista Hal Vaughan, que torna mais certa a suspeita de que a estilista tenha colaborado com o mundo da espionagem nazi, através da análise de documentos dos serviços secretos britânicos, onde surge o nome da francesa.
Mas comecemos pelo princípio. Jovem adulta, depois de sair do convento em que viveu, Chanel começou por trabalhar numa fábrica de costura, cargo que revezava com uma faceta mais noctívaga: à noite era performer num cabaret, o La Rotonde, em Moulins, onde cantava. Foi aqui que conheceu Étienne Balsan, o filho e herdeiro do dono da maior empresa de costura francesa, a mesma que produzia os uniformes dos militares deste país.
Em 1906, com 23 anos, Coco torna-se amante de Étienne e, nos três anos seguintes, vive com ele no seu chaâteau Rollyallieu, em Compiègne. Durante este tempo, contacta muito diretamente com poderosos membros das elites aristocráticas francesas, mas não só. Um dos homens com quem veio a ter uma relação foi o inglês Arthur Boy Capel, amigo próximo de Balsan, com quem chegou a viver num apartamento em Paris.
Os homens competiam pelo amor da estilista, tentando tornar reais todos os seus desejos. Um deles passava por ser proprietária de uma boutique de moda, em Paris. As portas da loja, financiada por Capel, abrem em 1910, com vestidos e chapéus que atraíam a alta sociedade de toda a Europa. Os seus tailleurs são, até hoje, uma referência da alta costura.
Mas não só de roupa se fez o nome Chanel. Em 1921 lança a fragrância que é hoje a mais conhecida do mundo: o perfume Chanel No. 5, que já na altura era embalado exatamente como o vemos hoje. Curiosidade: o nome deve-se ao facto de ter sido a quinta fragrância a ser-lhe apresentada.
Com o desejo de expandir o seu negócio para fora da Europa, Chanel não teve remédio se não juntar-se aos irmãos judeus, diretores da Bourjois, uma famosa casa de perfumes e cosmética, Pierre e Paul Wertheimer. Apesar de ser, como descreveu Vaughan, uma antissemita feroz desde os tempos antes da guerra, é com os irmãos que cria a empresa Perfums Chanel, totalmente financiada por eles. Coco só recebia 10% dos lucros do negócio, facto que poderá ter contribuído, em parte, para aquilo que veio a acontecer.
Coco é a agente F-7124, ao serviço do regime nazi
Em 1933, Adolf Hitler sobe ao poder e em 1940 o regime nazi derrota França, vindo a ocupar o país. Aí, Coco Chanel, com 57 anos e uma reputação consolidada, fecha as suas lojas justificando que não é tempo para se pensar em moda.
É nessa altura que se muda para o Ritz, fazendo deste hotel a sua casa durante muitos anos. A decisão não terá sido absolutamente inocente: é nesta unidade que dormem várias figuras poderosas do Terceiro Reich. E começa assim o capítulo da vida em que a estilista se junta às forças de Hitler: inicia uma relação amorosa, que vem a durar muitos anos, com o barão Hans Gunther Von Dincklage, um espião alemão da Abwher — o serviço de inteligência militares alemão —, responsável por controlar a rede de informação do Mediterrâneo e de Paris, que reportava diretamente ao ministro da propaganda nazi Joseph Goebbels.
Em 1941 Coco Chanel passa a ter um papel ativo no regime. Os seus ideais antissemitas e a abastada carteira de contactos, transformaram-na na Agente F-7124, de nome Westminster, alcunha inspirada na amizade que mantinha com Hugh Richard ArthurGrosvenor, o 2.º Duque de Westminster — um dos motivos que levou o regime nazi a requisitar estes serviços.
Ainda que os seus princípios se coadunassem com os defendidos pelo regime de Hitler, a sua entrada na esfera nazi tinha mais motivações: ela queria ter total controlo na sua empresa de perfumes, que estava nas mãos de judeus, alegando que o queria tornar num símbolo da raça ariana.
Mas os Wertheimer foram mais rápidos: em 1940, os irmãos dão o controlo da empresa a Felix Amiot, um francês católico, voando, de seguida, para a América, para fugirem das perseguição de que os judeus eram alvo. No final da guerra, conseguem reaver o controlo da Perfums Chanel, dando início a uma guerra judicial que culminou com um acordo mútuo entre as duas partes, em que se renegociou o contrato original, assinado em 1924.
A estilista saiu com uma grande vantagem: recebeu os lucros das vendas do Chanel No. 5 nos tempos de guerra, valor equivalente a cerca de nove milhões de dólares (oito milhões de euros). Ficou também decidido que, daí para a frente, receberia 2% de todas as vendas do perfume, por todo o mundo. Por cima disto, Pierre Wertheimer concordou em pagar todas as despesas da estilista para o resto da sua vida.
Mas a agente F-7124 teve mais funções. De acordo com Hal Vaughan, a estilista passou por Madrid ou ainda Berlim, em nome da Abwehr, levando a cabo várias missões, a mando de Walter Schnellenber, braço direito de Himmler. "Enquanto os combatentes da Resistência Francesa estavam a atirar contra alemães no verão de 1941, Chanel foi recrutada como agente pela Abwehr”, escreveu o jornalista no livro publicado em 2011.
Uma das missões levou-a a Espanha na companhia de Baron Louis de Vaufreland, um traidor francês e, posteriormente, leal agente para as forças alemães. Aqui a missão passava por “identificar homens e mulheres que pudessem ser recrutados ou coagidos a espiar para a Alemanha nazi."
“Chanel, que conhecia o Sir Samuel Hoare, o embaixador inglês em Espanha, através de relações com o Duque de Westminster, Hugh Grosvenor, estava lá para dar cobertura ao trabalho de Vaugreland”, diz o autor. Vaughan cita também os relatórios de inteligência secreta ingleses que documentam aquilo que foi dito ao MI6, em 1944, pelo conde Joseph von Ledebur-Wicheln, traidor do regime nazi. No ficheiro, Ledebur relatou como Chanel e von Dincklage viajaram à bombardeada cidade de Berlim para oferecer a Heinrich Himmler os serviços da estilista.
Mas há mais: este símbolo da alta costura terá também estado no centro da operação Modellhut, em que a Alemanha terá tentado forçar um acordo de paz, à parte, com as forças aliadas britânicas.
Depois da vitória dos Aliados, nada aconteceu à estilista, ao contrário do que se verificou com outros militares e colaboradores do regime, acusados de crimes de guerra e com penas a cumprir. De acordo com o mesmo livro, Winston Churchill, primeiro-ministro britânico até 1945, fez por proteger a Chanel, poupando-a de ser detida, julgada e presa, apesar ser integrada na “lista de mortos” elaborada pela resistência francesa. Não foi acusada de nenhum crime, mas faz hoje parte da lista de artistas franceses suspeitos de terem colaborado com o Terceiro Reich. Entre eles estão também Edith Piaff, Maurice Chevalier ou Sacha Guitry.
Com o final da guerra, e com todas as evidências a apontarem para a sua relação com o regime nazi, Chanel muda-se para a Suíça, regressando a Paris apenas em 1954, já com 70 anos. É nesta altura que se concentra em reconstruir a reputação da Casa Chanel, fechada há 15 anos. É, novamente, financiada por Pierre Wertheimer. A empresa está, até hoje, nas mãos desta família.
Coco Chanel, cada vez mais só e isolada, morreu aos 87 anos, em 1971, no hotel Ritz, onde, ao todo, residiu durante 30 anos.