Sang Chun Hook tinha 9 anos quando se aproximou de um grupo de pessoas reunido perto de uma fábrica de tijolos. Movida pela curiosidade, a criança caminhou para o local e viu seis soldados de espingarda na mão. Cada um deles disparou três tiros na direção de um homem aterrorizado que, recorda hoje Sang, não parecia capaz de andar.
Estávamos no ano de 1995, numa cidade na Coreia do Norte perto da fronteira com a China. Nenhum dos tiros falhou o alvo — aquele homem, saberia Sang mais tarde, tinha sido executado na frente da família e amigos depois de ser acusado de roubar cabos de cobre das linhas de transmissão estatais.
Sang Chun Hook fugiu da Coreia do Norte em 1998. Hoje com 33 anos, mora em Seul e é uma das muitas testemunhas de execuções públicas no país governado por Kim Jong-un. De acordo com um novo relatório do Grupo de Trabalho de Justiça Transicional, com sede em Seul, segundo escreve esta segunda-feira, 24 de junho, o "Mirror", a pena de morte continua a ser a principal ferramenta do regime de Kim Jong-un para controlar a população norte-coreana.
Com base no testemunho de mais de 600 desertores, o relatório garante que quatro em cada cinco pessoas que fugiram da Coreia do Norte testemunharam uma execução pública. Mais de metade foi forçada a assistir a uma. Os entrevistados garantem que as autoridades forçam a família e amigos a verem estes assassinatos, que geralmente acontecem nas margens de rios, campos ou espaços abertos. Geralmente: também houve quem visse execuções em mercados e terrenos escolares, às vezes com mais de mil pessoas a assistir.
Pena de morte pelos delitos mais simples
O relatório do Grupo de Trabalho de Justiça Transicional documenta um total de 715 execuções. A grande maioria aconteceu como punição por crimes de roubo ou dano à propriedade (238 denúncias). Apesar do nome pomposo, a grande maioria das testemunhas fala em delitos tão simples como roubar cobre das linhas de energia ou furtar animais, especialmente vacas.
A segunda razão mais comum para executar alguém na Coreia do Norte, segundo este relatório, são os crimes violentos como homicídio, violação e incêndio premeditado (115). Mas também houve quem fosse condenado à morte na sequência de acusações de crimes políticos, como deserção, espionagem, prestação de auxílio a fugitivos ou simplesmente ver televisão sul-coreana.
Sem querer divulgar o local exato das execuções, o relatório divulgou as zonas do país onde aconteceram mais mortes. A maioria dos assassinatos aconteceu em apenas duas províncias do nordeste, perto da fronteira com a China.
Os investigadores também documentaram, através da utilização de imagens de satélite, a presença de valas comuns onde são descartados os corpos. Sarah Son, uma das autoras do relatório, garantiu que as execuções públicas são uma ferramenta fundamental para a Coreia do Norte controlar o seu povo. "É uma tática clara, serve um propósito. Sustenta a cultura do medo, afirma o controlo do regime, lembra às pessoas que certos crimes não são tolerados".
Ainda de acordo com o relatório, as execuções por enforcamento parecem ter sido descontinuadas desde 2005. A grande maioria das pessoas assassinada foi fuzilada, após um breve julgamento no local. Alguns desertores também revelaram que, antes das execuções, os guardas usavam detetores de metal para encontrar e confiscar telemóveis, de modo a impedir que os eventos ficassem registados.
Sem acesso à Coreia do Norte ou a qualquer um dos registos oficiais, o relatório baseia-se apenas na memória dos fugitivos que se ofereceram para serem entrevistados. Como muitas vezes são necessários anos até que os norte-coreanos que fogem para a China cheguem à Coreia do Sul, a execução mais recente documentada remonta a 2015.
No entanto, um relatório paralelo divulgado na semana passada pelo Instituto Coreano para a Unificação Nacional afirmou que as execuções públicas continuaram a ocorrer em 2018. Ainda assim, garantem, podem ter-se tornado menos frequentes.