Em fevereiro de 2019, Roma Torre venceu o segundo Emmy, um dos 30 prémios que recebeu ao longo da sua carreira. Mas este sucesso não será prova do reconhecimento que, interna e atualmente, lhe é atribuído. Pelo menos é isso que, cinco meses depois, a jornalista do canal NY1, critica de teatro e pivô, defende num texto escrito na primeira pessoa, cujo título é: "Fui a cara das notícias de Nova Iorque durante 27 anos. Agora estou a ser afastada porque sou uma mulher de 61 anos."
“Ninguém fica mais novo. É uma realidade que, sobretudo para as mulheres, eventualmente vamos ter de enfrentar no local de trabalho. Porque é que, em vez de se ser respeitado pela sabedoria e experiência que muitas vezes vem com a idade, quase dois terços dos trabalhadores com 45 anos ou mais viram ou sentiram discriminação por idade no trabalho?”.
É assim que a repórter abre o artigo publicado na revista “Fast Company”, onde acusa a empresa e o mundo da televisão de discriminarem mulheres, partindo de estereótipos relacionados com a idade e imagem. “Cobri milhares de histórias e recebi dezenas de prémios, incluindo dois Emmy, um dos quais foi este ano”, continua. “Aos 61 anos, sinto que estou no auge da minha carreira. E, ainda assim, de alguma forma, ao mesmo tempo, tudo começa a desfazer-se. Durante décadas, pivôs de notícias femininas experientes foram empurradas para fora de papéis altamente visíveis e foram-lhes negadas oportunidades promocionais devido à idade e aparência.”
Com o sexo masculino, considera, é diferente. “Isto raramente acontece com homens. Parece haver um equivoco comum entre quem gere as notícias de televisão, que acha que mulheres ‘jovens e bonitas’ atraem maior audiência e melhoram os resultados. Há, evidentemente, zero provas de que isso seja verdade.”
Foi, em 1992, uma das primeiras mulheres contratadas para um papel frente às câmaras, na, então, nova NY1 News, detida pela Time Warner Cable. Mas já tinha experiência: começou a carreira no New York Channel 2, da CBS, como repórter e produtora. Passou para a News12 Long Island, na altura em que surgiram os canais por cabo, dedicados exclusivamente à transmissão de notícias. Cinco anos depois, integraria a casa onde está até hoje.
“Pediram-me para ser uma das ‘caras’ do NY1. Foi uma honra. Nos 27 anos seguintes seria um eufemismo dizer que me entreguei de alma e coração àquele papel. Ao longo desses anos, a NY1 criou um nome com uma redação marcada pela substância, pelo estilo, pela confiança que conquistou junto de milhões de nova-iorquinos, que confiaram no nosso jornalismo. Gosto de pensar que desempenhei um papel importante na criação desse relacionamento com os nossos espectadores.”
Membro da National Association of Woman, uma organização fundada em 1989 que promove a visibilidade de mulheres no mundo das artes, teve muito sucesso na carreira, até chegar aos 60 anos. Nesta casa consolidou o seu nome e a sua carreira. Sentiu-se valorizada, tendo sempre contado com o apoio do seu público. “Mas eu sempre soube que há muitas outras mulheres neste campo que não tiveram tanta sorte.”
Do sucesso à desvalorização
Foi em 2016, quando a Time Warner Cable foi comprada pela Charter Communications, que as coisas começaram a mudar. “Em pouco tempo, pessoas talentosas, repórteres que dedicaram muitos anos de serviço, muitos dos quais com mais de 40 anos, foram dispensados. Eu fui uma das sortudas que resistiu aos cortes. Pelos menos foi o que inicialmente pensei.”
Enquanto uns eram afastados, oportunidades surgiam para novos talentos. Contrataram-se cabeleireiros, maquilhadores, produziram-se vídeos promocionais caros. Aquele canal passou a ser visto como “um sítio onde se podia evoluir rapidamente e desenvolver as habilidades de pivô.”
Só que há sempre o outro lado da moeda: “A minha experiência diferiu drasticamente”, escreveu. “Enquanto outros estavam a beneficiar com maiores oportunidades e tempo de antena, o meu perfil estava a encolher.”
Não estava sozinha. “Os meus colegas Kristen Shaughnessy, Jeanine Ramirez, Vivian Lee e Amanda Farinacci, que estiveram comigo no NY1 durante entre 11 a 25 anos, também estavam do lado de fora a olhar para dentro”, relata. “Todos perdemos tempo no ar, todos perdemos oportunidades, estavam a tratar-nos a todos de forma diferente. Todas nós temos algo em comum: somos mulheres mais velhas.”
Segundo Torre, foram apresentadas denúncias de discriminação pela idade e de vários níveis à administração do canal. As respostas eram duvidosas: “Uma vez, em resposta a uma das queixas, o meu superior disse: ‘É assim que é. Que pena. Boo hoo.’ Os meus colegas todos correram para a mesma parede de tijolos.”
Tomaram, então, medidas mais drásticas. A 19 de julho, Roma Torre e as suas colegas entrar com uma ação de discriminação por idade e sexo contra a Charter. “Esta é uma decisão que nenhum de nós tomou de ânimo leve. Mas percebemos que, se não tomássemos medidas legais, estaríamos a fazer uma escolha afirmativa que iria permitir que a conduta discriminatória persistisse e nos permitisse continuar a ser marginalizadas e, finalmente, forçados a sair.”
Ainda que alguns possam considerar a medida “conflituosa”, Torre esclarece que o objetivo é “forçar uma diálogo sobre como as mulheres mais velhas na televisão são muitas vezes vistas como dispensáveis, enquanto os homens envelhecem com seriedade.”
As consequências da discriminação
Roma Torre aponta a discriminação contra mulheres mais velhas no universo da televisão como tendo “profundas implicações para o resto da sociedade.” Na opinião da pivô, quando as mulheres não são representadas justamente nos media, reforça-se uma cultura em que o sexo feminino não é “levado a sério", reforçando a ideia dos estereótipos: “Prega a ideia de que devemos olhar de uma certa maneira ou de que o nosso valor está ligado à aparência”, diz. “Isso priva-nos de modelos e impede-nos de ver o nosso verdadeiro potencial”. Acrescenta: “Mina o nosso lugar no espaço público.”
A #SeeHer é uma iniciativa apontada pela jornalista. É liderada pela Association of National Advertisers, tendo como objetivo “aumentar em 20% a representação de todas as mulheres na publicidade e media, até 2020.”
Mas será que funciona? Segundo a jornalista, há um paradigma difícil de quebrar. “Acho que estamos tão acostumados a ver jovens apresentadoras com menos experiência e homens de todas as idades nos nossos ecrãs, que aceitamos isso como normal”, diz, adiantando que a “resistência à mudança pode parecer esmagadora, quase impossível de superar”, mas que “não deveria ser assim, quando há espaço na mesa para todos.”
Roma avança que, quanto à ação contra o grupo, tem recebido várias mensagens de apoio de colegas e espectadores, muitos dos quais achavam que os tempos de antena diminuídos tinham sido provocados por uma decisão pessoal, para “desacelerar.” “Queremos que todos saibam que essas decisões foram tomadas para nós, não por nós.”
Termina com uma citação da antropóloga Margaret Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos conscientes e comprometidos possam mudar o mundo. Na verdade é a única coisa que já existiu.”