Há já alguns dias que Moçambique, Zimbabué e Maláui vinham a ser assolados por uma tempestade tropical que estava a causar estragos. Mas aquilo que parecia ser apenas mais uma forte tempestade acabou por evoluir para o ciclone Idai, que destruiu tudo à sua passagem — desde a cidade costeira da Beira, em Moçambique, até ao Zimbabué.
Com o ciclone prestes a chegar ao continente africano através da costa moçambicana, o governo local emitiu prontamente um alerta vermelho, de acordo com o jornal "Deutsche Welle", e começou a evacuar pessoas das zonas que poderiam ser mais afetadas pelas cheias.
Estradas, hospitais, pontes, casas, carros, árvores e tantas outras infraestruturas não resistiram à passagem do ciclone e deixaram várias regiões completamente incomunicáveis e isoladas. Com várias cidades e aldeias destruídas, bem como mais de 200 mortos confirmados (número que poderá vir a subir) e milhares de desalojados, o ciclone Idai é já considerado um dos mais destrutivos de sempre no hemisfério sul.
Tânia Rodrigues, de 27 anos, é natural da Beira, uma das regiões das mais afetadas pelo ciclone. Falou com a MAGG esta terça-feira, 19 de março, depois de ter passado pelo aeroporto para enviar comida para toda a família – pai, irmãos, tios, primos e avós – que para já estão vivos e de boa saúde.
De acordo com Tânia, foi a 12 de março que chegaram as primeiras notícias sobre a possibilidade de a região ser afetada por um ciclone, “mas ninguém pensou que seria assim tão grave”, explica, pois “todos acharam que seria apenas uma chuva forte”. Ainda assim a sua família ainda comprou alguns mantimentos para os dias duros que se avizinhavam, mas rapidamente revelaram-se insuficientes. “Depois saiu uma notícia mais séria em que o governo já dizia que a tempestade era muito mais forte”, tendo sido publicados vários avisos para que as pessoas procurassem abrigos, fossem para pontos altos, tendo havido até pessoas deslocadas por causa do perigo de cheias.
Eles não têm nada nem para comer, nem para beber. Estão isolados de tudo, como se fosse uma ilha.”
"No dia 13 a cidade ficou morta, já ninguém saiu para trabalhar”, recorda Tânia, acrescentado ainda que a chuva já se fazia sentir de forma intensa desde a manhã desse dia. A tempestade intensificou-se até ao dia seguinte, altura em que passou o ciclone e destruiu tudo. Foi também nessa noite, 14, que, pelas 22 horas, Tânia conseguiu falar com a sua família pela última vez naquela semana.
A Beira ficou totalmente destruída após a passagem do ciclone Idai. “Eles não têm nada nem para comer, nem para beber. Estão isolados de tudo, como se fosse uma ilha”, disse-nos a jovem moçambicana. “Não há água potável nem há forma de tratar a água. Não há energia, não há rede móvel, não têm nada.” Foi também com essa realidade que Caroline Haga se deparou ao sobrevoar a cidade da Beira, tendo partilhado no seu perfil da rede social Twitter um vídeo da vista aérea da cidade.
Embora ainda haja algumas lojas abertas, a maioria dos produtos estão a ser vendidos a preços proibitivos. “É quase impossível comprar qualquer coisa para comer porque tudo está super caro” pois, segundo Tânia os preços triplicaram ou até quadruplicaram e como os bancos estão fechados não é possível fazer levantamentos.
Embora não haja rede móvel na maioria da cidade, há alguns locais onde é possível apanhar sinal da operadora local Movitel. E foi com esse fraco sinal de rede que Tânia Rodrigues terá conseguido falar com a sua família, durante um minuto nesta segunda-feira, 18 de março, e que ficou a saber que toda a sua família estava bem e que felizmente não houve quaisquer danos nas casas dos seus familiares. No entanto, Tânia está preocupada com a saúde do avô, que já tem 85 anos, pelo que está à procura de uma maneira de o fazer chegar até Maputo.
Mas duas amigas de Tânia, também da Beira, não tiveram a mesma sorte. Embora tenham tido notícias de que as respetivas famílias de cada uma estão bem, o mesmo não aconteceu com as suas casas, que sofreram graves danos no telhado. Como ainda não conseguiram ter contacto telefónico com os seus familiares, decidiram apanhar um avião até à Beira, embora os preços das viagens tenham vindo a subir muito nos últimos dias.
Com elas levam alguns mantimentos para as suas famílias, bem como comida para a família de Tânia, que encontrou nelas a única forma de garantir de que a sua encomenda seria entregue nas mãos dos reais destinatários.
Como felizmente o aeroporto não foi afetado pela tempestade, este tem-se vindo a tornar um ponto de chegada de mantimentos e de fornecimento de energia. Como tem um gerador próprio e uma boa qualidade de rede móvel, é até lá que muitos se têm deslocado para tentar carregar telemóveis e contactar as suas famílias.
Como é que as notícias chegam?
Com estas regiões totalmente incontactáveis, as notícias chegam muitas vezes através dos media nacionais e internacionais. Mas as redes sociais têm sido também o veículo de distribuição de muitas informações, muitas delas ainda sem confirmação através de fonte oficial. É o caso de várias mensagens que têm sido partilhadas na aplicação de mensagens WhatsApp. Estas mensagens são reencaminhadas em formato de corrente entre os utilizadores, para que cheguem a um maior número de pessoas.
À MAGG foram enviadas duas mensagens escritas e duas mensagens de voz, cuja origem não é conhecida, mas que têm como missão informar quem está fora da região sobre o que se vai passando e alertar para possíveis situações de risco.
Na primeira mensagem que recebemos, há um resumo sobre qual o estado das coisas na cidade. De acordo com a mensagem, a rede elétrica não estará reparada em menos de duas semanas. Além disso, o hospital central da Beira terá sofrido graves danos no telhado, principalmente na ala de psiquiatria. São também muito os estragos que são reportados na cidade, principalmente nos hotéis e casas dos bairros mais ricos da cidade. Esta mensagem refere também que há relatos de pessoas que perderam galinhas que foram levadas pelo vento durante o ciclone.
Na segunda mensagem, é também referido que a maternidade local foi bastante afetada, relatando a existência de mortos no local. É também dito que na cidade já não há espaço nas casas mortuárias para acolher as numerosas vítimas mortais deste ciclone. A mensagem termina alertando para o facto de a água não estar própria para consumo.
[postblock id="4uidytc6t" ]
Tal como foi também já noticiado pelo "Observador", esta mensagem de áudio, de origem desconhecida, tem estado a circular por vários utilizadores do WhatsApp alertando para o facto de que as barragens do Zimbabué vão ser abertas, pois não conseguem comportar mais água. A abertura da barragem vai criar uma onda de água gigante, que afetará para já as regiões Buzi e Nhamatanda, pedindo que seja feita uma rápida evacuação destas zonas. A voz feminina da mensagem afirma ainda que a cidade da Beira não será afetada diretamente, embora tema que possa acontecer o pior se as pessoas não forem avisadas a tempo.
[postblock id="fkup11bie" A2]
Esta foi a última mensagem que nos foi reencaminhada. Nela, podemos ouvir uma conversa entre dois membros de uma família. Ao longo dos três minutos a voz masculina vai relatando com está a cidade da Beira, referindo que está tudo destruído e que não têm qualquer forma de ter acesso a notícias sobre o que se está a passar na cidade.