É a primeira vez que uma alta figura associada ao poder da China é acusada de agressão sexual. No início de novembro, a tenista Peng Shuai, 35 anos, vencedora de 23 títulos de pares femininos (dois dos quais, Wimbledon e Roland Garros, em 2013 e 2014, respetivamente), acusou o ex-vice-primeiro-ministro, Zhang Gaoli, 75, de agressão sexual.
A acusação foi tornada pública pela atleta no Weibo, a rede social chinesa que em tudo se assemelha ao Twitter, embora tenha sido removida poucos minutos depois pelas autoridades chinesas. Serviu de pouco, porque a mensagem original foi partilhada em massa pelos utilizadores da rede social, levando a que, mais tarde, se tornasse impossível pesquisar por termos como "Peng Shuai" ou "ténis", escreve o jornal americano "The New York Times".
Na acusação tornada pública, Peng Shuai descreve que conheceu Zhang Gaoli — que assumiu o cargo de vice-primeiro-ministro entre 2013 e 2017 — no início da sua carreira e que terá sido desde então que ambos mantiveram uma relação de intimidade consensual. Terá sido logo após a sua saída do governo, em 2017, que Gaoli a terá forçado a ter relações sexuais, depois de a ter convidado para jogar ténis em sua casa.
"Tive bastante medo naquela tarde. Nunca consenti o que aconteceu e chorei o tempo inteiro. Sinto-me um cadáver", terá escrito a tenista. Apesar da descrição, a atleta admitiu que não tinha quaisquer provas que pudessem corroborar a sua versão dos factos, até porque a relação de ambos sempre foi mantida em segredo.
Desde a acusação, no entanto, nunca mais ninguém viu, leu ou ouviu Peng Shuai. A tenista desapareceu do olhar público, levando a Associação de Tenistas Profissionais (ATP, na sigla original) a demonstrar, pela voz do seu presidente, Andrea Gaudenzi, preocupação acerca da segurança e bem-estar da atleta.
"Não há nada mais importante para nós do que a segurança da nossa comunidade. Estamos profundamente preocupados com a incerteza em redor da segurança e do paradeiro da jogadora Peng Shuai", lê-se no comunicado oficial emitido pela associação.
À medida que os dias sem notícias de Peng Shuai se acumulavam, da imprensa chinesa (controlada pelo Partido Comunista, que é governo), que, em 2013, a descreveu como "a princesa chinesa", só havia silêncio.
"Este tipo de abordagens não são, de todo, pouco comuns na China. As autoridades têm demasiado poder e não há ninguém capaz de as chamar à responsabilidade"
Mas as vozes de preocupação multiplicaram-se, até no Ocidente. "Estou devastada e chocada com as notícias acerca de Peng Shuai. Espero que esteja sã e salva, e que seja encontrada o mais brevemente possível", escreveu a tenista Serena Williams nas suas plataformas oficiais, exigindo ainda que o caso "seja investigado" até às últimas consequências. Também outros jogadores, como o sérvio Novak Djokovic, exigiram uma investigação completa e imediata.
O silêncio, no entanto, dissipou-se esta quarta-feira, 17, quando um e-mail alegadamente enviado por Peng Shuai a Steve Simon, responsável pelo circuito feminino de ténis (WTA, na sigla original), foi divulgado pela principal emissora chinesa, controlada pelo governo.
A mensagem, que parece assinada pela atleta, foi divulgada depois de a WTA ter pedido uma investigação em força para corroborar as acusações. E o seu conteúdo levantou ainda mais suspeitas acerca do seu paradeiro, já que alega que acusações não são, afinal, verdadeiras.
"As informações que constam naquele comunicado de imprensa [emitido pela WTA] não são verdadeiras, inclusive a de agressão sexual. Não estou desaparecida nem em risco. Tenho estado a descansar em casa e está tudo bem. Obrigado pela vossa preocupação", lê-se.
"Ela não é a primeira a ser forçada a desaparecer e ao silêncio"
A mensagem gerou ainda mais preocupação, dando origem ao movimento #WhereIsPengShuai? que, em tradução livre para português, significa #OndeEstáPengShuai?. As primeiras reações ao e-mail surgiram através da própria WTA, que garante que se nada for feito para assegurar a segurança da atleta, o circuito poderá retirar todas as competições de ténis da China.
"Tenho muita dificuldade em acreditar que a Peng Shuai terá, de facto, escrito aquele e-mail que recebemos", diz Steve Simon.
Esta posição é corroborada por Lü Pin, ativista chinesa que fundou a plataforma online Vozes Feministas, entretanto banida pelo governo. "Ela não é a primeira a ser forçada a desaparecer e ao silêncio. Este tipo de abordagens não são, de todo, pouco comuns na China. As autoridades têm demasiado poder e não há ninguém capaz de as chamar à responsabilidade", diz em declarações ao "The New York Times".
Face aos desenvolvimentos, o governo chinês reagiu, através do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros que, em conferência de imprensa, diz que o assunto "não é uma questão diplomática" e que o governo não tem qualquer conhecimento do caso levantado pela tenista.
Da mesma forma, também o Comité Olímpico Internacional (IOC, na sigla original), parece pouco interessado em pressionar as autoridades. "Vimos as últimas notícias e acreditamos nas garantias dadas de que Peng Shuai estará bem", foi a declaração desta quinta-feira, 18, emitida pelo comité.
Peng Shuai não é vista desde o início de novembro e não há quaisquer garantias de que esteja em casa ou que tenha sido ela a assinar o e-mail entretanto divulgado.