São 51 homens, além de Dominique Pélicot, que estão sentados no banco do réus. Faltam 32, que a investigação ainda não conseguiu identificar. Na sala do tribunal criminal de Vaucluse, em França, baixam a cabeça, escondendo o rosto das câmaras de televisão e das objetivas dos fotógrafos.
Ao longo de uma década — o tempo que as autoridades estimam que duraram os abusos orquestrados pelo marido de Giséle, que a drogava e, depois, oferecia em sites para ser violada estando inconsciente —, estes homens não só não se esconderam, como deixaram que Dominique os filmasse, fotografasse e guardasse os registos dos abusos no próprio computador. Os seus nomes são agora públicos. Estes homens têm atualmente idades compreendidas entre os 26 e os 74 anos. Há bombeiros, jornalistas entre os acusados dos abusos, que aconteceram entre julho de 2011 e outubro e 2020.
O julgamento, que durará até dezembro, entrou no quinto dia esta sexta-feira, 6 de setembro. Depois de, na quinta-feira, Gisèle ter falado pela primeira vez em tribunal, esta sexta-feira foi a vez da filha, Caroline, testemunhar. A mulher de 40 anos, que em 2022 lançou um livro sobre os crimes cometidos pelo pai (e descobertos em 2020), descreveu o momento em que a sua vida "mudou literalmente" como "um cataclismo". E foi a própria mãe que, por telefone, a informou de que o pai iria ser preso. "O teu pai anda há anos a drogar-me para eu ser violada por estranhos."
Caroline conta também que, durante as investigações, foram descobertas duas fotos suas, em cuecas, na posição fetal. A filha de Dominique acredita que também ela foi drogada pelo pai, embora não existam provas. "O que é que fazes quando descobres que o teu pai é o maior predador sexual dos últimos 20 anos?", questionou, citada pelo "La Provence".
Franceses mobilizam-se para angariar fundos, mas família recusa dinheiro
Além de Caroline, também as noras da vítima, Céline e Aurore, testemunharam esta sexta-feira. As noras de Dominique Pélicot também surgem na investigação, em imagens captadas pelo principal acusado deste processo. As três mulheres descrevem o caso como "histórico da pior maneira" e querem "abanar consciências" e chamar a atenção para o flagelo da submissão química, o uso de substâncias sem o consentimento da vítima, de forma a deixá-la inconsciente ou incapaz de reagir, de forma a levar a cabo atos sexuais.
"Tive dificuldade em entender como é que isto pode ter acontecido", disse Aurore, que fez questão de elogiar a dignidade da sogra. "Acho-a tão corajosa e digna porque ela está a transmitir uma mensagem real. Este é um caso de submissão química mas, por detrás disto, há todas estas questões do consentimento, das relações homem / mulher".
A nora de Dominique disse ainda sentir "culpa" por não ter alertado a família quando apanhou o sogro a sugerir a um dos sobrinhos que deviam "brincar aos médicos". Aurore, que contou em tribunal ter sido abusada pelo avô, salientou também o facto de as vítimas duvidarem do que ouvem ou veem. A outra nora do principal acusado, Céline, descreveu as imagens captadas pelo sogro como "degradantes e humilhantes". "A quem é que ele as enviou? Onde estão? Onde estarão dentro de 5, 10 anos, quando eu estiver morta? E se os meus filhos as encontrarem? Porque é que ele me olhou daquela maneira?".
Céline conta que, desde que o sogro começou a ser investigado, questionou-se sobre possíveis abusos que este tenha cometido com os seus três filhos, um rapaz e duas meninas. "Ele era um avô muito carinhoso, nós confiávamos nele", explicou. Uma das crianças contou que a avó adormeceu por volta das 11 da manhã e que não a conseguiram acordar até às cinco da tarde. "Os nossos filhos podem ter visto coisas, ouvido coisas, eles podem ter presenciado alguma coisa", questionou.
De acordo com a BFMTV, que tem acompanhado o julgamento, Dominique Pélicot manteve a cabeça baixa durante o testemunho da mulher e emocionou-se quando a filha falou, esta sexta-feira, 6.
Entretanto, a família da vítima já veio pedir "uma maior moderação nas redes sociais" e recusar uma angariação de fundos levada a cabo pela influenciadora digital Nabilla, que angariou 40 mil euros para apoiar financeiramente Gisèle Pélicot. "Gisèle Pelicot e a família agradecem a toda a gente que enviou mensagens de apoio, vindas de todo o mundo, desde o início deste julgamento. No entanto, a nossa cliente quer preservar a dignidade e serenidade dos debates que estão em curso. Pede moderação nas redes sociais, não quer que quaisquer angariações de fundos sejam abertas e que que as que já foram feitas sejam encerradas", disseram os advogados Stéphane Babonneau e Antoine Camus, em comunicado.