Aquando da chegada do Papa Francisco a Portugal, a infografia que serve de memorial aos abusos sexuais no seio da Igreja Católica ganhou vida. A imagem, que conta com 4.815 pontos, cada um representando uma criança abusada em Portugal, foi colocada em três outdoors, em Lisboa, Loures e Algés – mas este último já não está de pé, fruto de uma decisão da câmara municipal de Oeiras. E o grupo que leva a cabo esta iniciativa, intitulada This Is Our Memorial, já respondeu à letra.
"Repudiamos a decisão ilegal e autoritária da câmara municipal de Oeiras de mandar retirar o cartaz de cariz político – e não de publicidade, como erradamente comunicaram aos media – colocado naquele Município respeitando a legalidade", lê-se no comunicado enviado por Telma Tavares, uma das responsáveis pelo projeto, aludindo para os motivos que a autarquia avançou na comunicação.
Isto é, a ordem para a remoção do cartaz chegou diretamente da autarquia, que explicou em comunicado que "toda a publicidade ilegal é retirada, neste e em todos os casos", avança o "Público". Contudo, uma vez que não se trata de publicidade, a "retirada do cartaz viola injustificadamente o direito à liberdade de expressão", continua a missiva do grupo, acrescentando que os outdoors não colocaram "minimamente em causa a realização da JMJ", nem tinham "cariz ofensivo".
O objetivo dos cartazes, que foram financiados através de uma angariação de fundos, é homenagear as vítimas, numa altura em que a Jornada Mundial da Juventude, que é um evento religioso de larga escala, vai decorrer "como se nada tivesse acontecido", disse Telma Tavares à MAGG. E o facto de as infografias terem chegado ao centro das cidades "visa simplesmente chamar à atenção dos peregrinos e demais cidadãos" para estes crimes, de acordo com o comunicado – crimes, esses, que constam no relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças, divulgado em fevereiro.
"Temos o direito de expor o cartaz e iremos lutar por esse direito", lê-se ainda no comunicado do grupo, que frisa que está, em conjunto com os advogados, a "analisar o recurso à via judicial para reagir a esta injustiça, de forma a compensar, dentro do possível, esta forma de censura ilegal por parte da CM de Oeiras".
Pelas redes sociais, várias são as pessoas que foram acompanhando este projeto e reagindo nas redes sociais. Foi o caso de Nuno Markl, que aproveitou o Instagram para deixar umas palavras sobre o sucedido. "Não é um cartaz que estraga tão grande festa. Pelo contrário: este cartaz apenas lembra que há um assunto sério, importante, que não pode ser esquecido e que deve ser falado nesta festa", começa por dizer o humorista.
Reiterando que este projeto não se trata de publicidade, Nuno Markl aproveita para relembrar a importância da democracia, que fica posta em causa aquando de atitudes como a da autarquia de Oeiras. "Democracia é poder lembrar-se que isto existe, nesta altura. Apagar isto não me parece que seja democracia", continua o humorista, acrescentando que "varrer assuntos para debaixo do tapete é prática comum", mas que "o tapete fica com um alto de mais de 4800 crianças de altura".
Umas horas depois, Nuno Markl voltou à mesma rede social para partilhar a fotografia de uma senhora que, descontente com a remoção do cartaz, ter-se-á pronunciado. Como? Bem, imprimiu a infografia numa folha A4 e ficou especada à frente do outdoor censurado, empunhando-o em forma de protesto. "Para mim, é das imagens mais tocantes que por aí andam", avançou o humorista.
Quem também aproveitou para lançar algumas farpas à ação da autarquia liderada por Isaltino Morais foi Carla Castelo, vereadora da câmara municipal de Oeiras, independente eleita pela coligação BE/Livre/Volt. "Em Oeiras tenho assistido a vários atropelos às regras democráticas de um autarca que se considera dono do município, mas este ato de censura é do mais indigno a que já assisti, não apenas pelo ataque à liberdade de expressão, mas pelo desprezo pelas vítimas”, escreveu no Twitter.
Nessa mesma rede social, as pessoas foram partilhando fotografias, ao longo desta quarta-feira, 2 de agosto, que mostravam as autoridades à volta do cartaz, preparando-se para removê-lo. E em termos legais, o constitucionalista Jorge Reis Novais revela que se pode tratar de "um ato de censura às ideias transmitidas com a desculpa de não cumprimento de ordens regulamentares", avança o "Polígrafo".