Tem 28 anos, é jurista, vive em São Domingos de Benfica — bairro que adora —, tem três irmãos e vai casar-se no próximo ano. É católica, feminista e gosta de vestidos às flores. Adora dançar e, como tem uma irmã a trabalhar em organização de eventos, já foi ao Revenge of the 90's, ao I Love Baile Funk e ao I Love Reggaeton.

Não há nada de visível que a distinga de todas as outras centenas de miúdas que caberiam nesta descrição mas, na verdade, estamos perante a primeira mulher líder da Juventude Monárquica Portuguesa.

Deixamos cair vários preconceitos assim que Carmo Torres se senta à mesa, para uma hora de conversa sobre o País, o sistema político e até sobre a ideia errada que a maioria tem sobre os movimentos monárquicos. É que não, nos encontros que promovem não há charutos, cachuchos nos dedos nem slides com fotografias de famílias reais. Carmo até garante que, aparentemente, poderíamos ir querer beber uma cerveja com qualquer um dos membros do movimento.

Prefere viver sem redes sociais, mas faz questão que o Movimento faça uso delas. "Eu já disse que, no meu mandato, só se publica nas redes sociais sobre gente viva", garante. E até camisolas com a frase "All I Want for Christmas is a Monarchy" fizeram para o Natal passado.

Garante que há muitos mais monárquicos no País do que as pessoas imaginam, ainda que não se veja representada na maioria dos opinion makers do panorama nacional. Luta contra a desinformação sobre o que é ser monárquico e quer apresentar uma visão progressista daquilo que as pessoas ainda têm como o movimento dos betos e dos ricos.

Vamos começar por esclarecer. O que é ser monárquico?
É acreditar que a estrutura monárquica, que é a coroa e não só não só a família real, é uma melhor alternativa para a democracia e a estabilidade de um país. Com isto não digo que a monarquia traz prosperidade, ainda que na Europa isso seja real. Mas no continente africano, por exemplo, há monarquia em países muito pouco prósperos.

A questão monárquica resume-se a esta pergunta: quem queremos ter como chefia de Estado? Como queremos apresentar o País ao exterior e que tipo de liderança queremos ter?

Que respostas dá a essas perguntas?
O que eu acho que seria ideal não era simplesmente substituir o Presidente da República por um rei, mas alterar a estrutura de poder em Portugal, para que a existência de um rei ao invés de um chefe de Estado republicano pudesse ser favorável a Portugal.

Mas, idealmente, devíamos ter um rei e não um presidente? 
Para mim não é tanto o rei, mas sim a coroa. Ou seja, uma série de instituições monárquicas que ocupam a cúpula, em consonância com o sistema parlamentar.

O que pensa sobre a representação monárquica dentro dos partidos?
Em Portugal, tivemos o problema do PPM (Partido Popular Monárquico), um partido político que queria ir para o parlamento.

Para si, o PPM é um problema?
Sem dúvida.

Não se revê nele?
De maneira nenhuma. Começa logo aí: a génese da palavra partido remete para parte, quando o rei é o todo. A coroa não se pode colocar na posição de ter que gerir questões governativas. Por exemplo: não existe uma posição monárquica sobre o orçamento para a saúde, porque não existe nenhuma opção monárquica para algo deste género. E os deputados do PPM teriam que ter uma posição. Mas sendo a sua génese monárquica, posicionavam-se onde? À esquerda? À direita? É que o rei não é da esquerda nem da direita, o rei é de todos.

Quem seria o nosso rei?
Neste momento, há consenso em torno da família de Bragança. D. Duarte Pio, Isabel de Herédia e os três filhos. Mas existem outras fações, nomeadamente a do Duque de Loulé.

Como é a família de D. Duarte?
É uma família muito terra a terra no que toca aos problemas do País. Quando comparamos com Marcelo Rebelo de Sousa, o contraste não é tão nítido, mas quando comparamos com outros presidentes da República, a diferença era mais notória.

"Eles [família de Bragança] são todas essas coisas: betos, católicos, andam em colégios. Mas quando conheci os infantes percebi que no exercício da função não são nada assim."

Vocês, enquanto associação, têm contacto com eles?
Sim, principalmente a nível institucional. Mas a nível mais pessoal também, em eventos onde podemos ter um contacto mais próximo e temos oportunidade de trocar umas ideias. Mas esta família, infelizmente, tem um estigma associado, é sempre conhecida como uma família de betos, católicos, da Baixa-Chiado, de Sintra, com os miúdos em colégios.

Não são assim?
São [risos]. Eles são todas essas coisas: betos, católicos, andam em colégios. Mas quando conheci os infantes percebi que no exercício da função não são nada assim. Já os vi com todo o género de pessoas, em todo o género de ambientes, a ter que comer de tudo e mais alguma coisa e são pessoas normalíssimas. São pessoas que não te sentirias embaraçada a levar contigo a um jantar qualquer. Isso vem muito da educação que receberam, de que aquilo que receberam é trabalho e não um luxo ou um título do qual podem fazer uso. E a verdade é que nenhum deles faz. O Afonso, por exemplo, atrasou um ano na licenciatura e ninguém lhe deu alguma benesse.

Quais são as ideias base que vos move?
Temos cinco vetores principais: a soberania, a identidade, a lusofonia, a vida e o ambiente. Quanto à soberania, os monárquicos são mais céticos em relação à integração europeia num caminho federal. É certo que o facto de termos uma moeda única nos permite vender produtos para fora a um preço superior ao que acontecia com o escudo, porém temos um orçamento não que não vigora a menos que tenha o aval de um país externo.

Mas Portugal conseguiria ser autosuficiente em termos de gestão?
Não, estamos muito isolados em termos de força. Estamos à boleia daquilo que a União Europeia quer fazer como política externa.

Outro dos nossos vetores é a lusofonia, que acaba por se fundir neste tema. Eu sei que é controverso, mas a relação que estabelecemos com as nossas colónias não é a mesma que outros países vizinhos estabeleceram nas suas colónias. Tanto é que acabámos por encobrir uma série de negócios angolanos com a Isabel dos Santos, porque existem relações fraternas. Como não temos expressão dentro da Europa para fazer valer os nossos interesses no espaço europeu, é natural que cheguemos à CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) a mostrar igualmente essa fraqueza. São países maiores do que nós, com muito mais recursos do que nós, com muitos mais falantes de língua portuguesa do que nós. Quando falamos em perda de soberania, é o facto de nem em relação nem sozinhos temos força como País.

E a parte ambiental é também muito importante para vocês.
Sim, muito importante mesmo. A monarquia tem como principais valores a identidade, a cultura e também o património. A natureza é o nosso primeiro património e, se não é bem tratado, revolta-se, como aconteceu agora.

Carmo Torres, presidente da Juventude Monárquica Portuguesa
Carmo tem 28 anos e vive em Lisboa. Entrou para o Movimento Monárquico um pouco ao acaso, mas agora é a primeira mulher à frente da Juventude Monárquica em Portugal.

Fale-me sobre a defesa da vida, outro dos vossos pilares.
Essa é uma das questões mais controversas, porque pressupõe um opção de esquerda ou de direita. Em Portugal temos os pró-vida e os de esquerda, os abortistas ou como lhes queiram chamar. Estas são formas redutoras de tratar a questão.

De que lado se põem?
Pomo-nos do lado da defesa da vida em todas as suas etapas, desde a concepção até à morte natural.

O que pressupõe serem contra o aborto e a eutanásia.
Sim, mas há monárquicos que pensam de forma diferente. A Holanda, por exemplo, que tem políticas muito liberais quanto às questões do aborto e da eutanásia, é um país monárquico.

No caso do aborto, não há exceções?
Isso depende das pessoas com quem estiver a conversar.

Pergunto a si, a pessoa com quem estou a conversar.
Eu acompanhei de perto as questões mais dramáticas que possam imaginar. Crianças grávidas aos dez anos, inclusive. E também já assisti a ações fortes, daquelas que vemos nas séries da Netflix tipo “13 Reasons Why” ou “Sex Education”, que confrontam a mulher à porta de clínicas, com reações exacerbadas quando ela já está numa situação frágil.

Para mim, as excepções ao aborto são aquelas em que a sociedade possa proporcionar alternativa, oportunidade à mulher de ter o bebé. Ou seja, uma rapariga que foi violada, mas que quer ter o bebé, deve ter condições para o fazer. Isto significa ter consciência do que lhe está a acontecer e que, independentemente do que a mãe, o pai ou a avó dizem, ela tem uma voz própria. Depois, se quiser ter o bebé, nós, enquanto sociedade, devemos dar-lhe condições para isso.

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E se ela não quiser ter o bebé?
Nesse caso, espero que fique bem, recupere dessa situação e que um dia quando queira muito ter um bebé o tenha, e fique feliz logo a partir da segunda semana, considerando-o já um bebé dela.

A nível pessoal, o que tento fazer é, assim que tenho conhecimento que uma mulher vai abortar por não ter dinheiro, nesse mesmo dia contacto associações e arranjo algo para remediar e procuro um plano a médio prazo. Mas já me aconteceu ajudar uma rapariga que, mais tarde, acabou por abortar na mesma. O que eu queria é que ela tivesse alternativa, mas não tendo alternativa não a vou julgar por isso, porque só Deus sabe.

Sem títulos nem cachuchos. A entrada no movimento monárquico

Quando é que se apercebeu que era monárquica?
Em 2011 fui a um jantar dos conjurados, que é o momento alto do movimento monárquico.

Mas se não era monárquica, porque foi a esse jantar?
Um rapaz monárquico estava interessado na minha irmã mais nova e ela fez aquilo que às vezes as raparigas fazem do “Vem comigo, para eu não me sentir desconfortável”. Eu fui, encontrei algumas pessoas que já conhecia de outros grupos de jovens e comecei a explicar-lhes que, ainda fazendo parte de um partido político…

Estava inscrita em que partido?
No CDS, e ainda estou. Mas a verdade é que nunca me tinha envolvido muito, porque a questão partidária não me interessava muito e não me satisfazia naquilo que eu acreditava ser um sentido para Portugal. Na conversa com esses jovens monárquicos percebi que essas minhas questões iam ao encontro das questões monárquicas.

Tem alguém monárquico na família?
Não. Aliás, eu mantive contacto com esse grupo e só passado seis meses é que contei aos meus pais. E o mais engraçado foi saber aí que o avô do meu pai fez parte de um partido monárquico. Não fazia ideia que tinha essa herança monárquica e achei graça.

Como é que a família e os amigos reagiram?
Eu sou bastante ingénua e, por isso, os meus pais alertaram-me para o facto de muitas pessoas usarem o movimento monárquico para atingirem algum género e posição social. Isto porque há pessoas dentro do movimento que estão interessadas em que o movimento continue a ser um clube, um espaço onde ser conde ou marquês seja muito importante.

Tem algum título?
Não, nem imagino como é que o facto de ter algum título poderia ser melhor para mim. E há muita gente que encontra umas fontes dúbias e, de repente, é herdeiro disto ou daquilo. E não é nada, é só uma fantasia que se cria em trono do que é ser monárquico. Depois, quando é para fazer coisas a sério, quando é preciso estar na rua a falar com pessoas sobre o que é ser monárquico, já não estão tão disponíveis.

Porque é que não tem redes sociais?
Para a minha saúde mental e para a forma como quero viver, não é um meio para me expor. Há uma constante comparação com os outros e dá liberdade aos outros para fazerem juízos sobre ti. O feedback é fantástico e quero muito que exista, mas nos canais institucionais para isso.

"Dos melhores [mitos] que já ouvi é que nós queríamos que todos voltassem a andar de coche e a usar telefones fixos [risos]. Também já ouvi que queremos voltar ao poder absoluto, ou que queríamos voltar a um regime feudal com títulos especiais"

Há mais monárquicos em Portugal do que o imaginamos?
Absolutamente, o problema é que quando se olha para a massa associativa do movimento monárquico, é difícil alguém dizer com orgulho que é monárquico.

Porquê?
Eu sei que isto é controverso, até porque sou presidente da Juventude Monárquica. Mas eu digo isto não em relação à juventude que, graças a Deus, são pessoas com um ar normal, com as quais tu gostarias de ir beber uma cerveja. Mas somos uma minoria. Normalmente defendem ideias que não vão ao encontro da democracia.

Ainda assim, existem muitos mitos sobre a monarquia?
Muitos mesmos. Dos melhores que já ouvi é que nós queríamos que todos voltassem a andar de coche e a usar telefones fixos [risos]. Também já ouvi que queremos voltar ao poder absoluto, ou que queríamos voltar a um regime feudal com títulos especiais. Ou que queremos uma família real que ande — desculpem a expressão — na mama do Estado e que não trabalhe, como se não sustentássemos ex-presidentes de República ou não víssemos tanta gente pendurada na mama do Estado. Ah, também há quem pense que eu quero ser rainha.

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Uma rainha moderna [risos]. Aliás, percebe-se pelas vossas redes sociais que se esforçam para modernizar a ideia que as pessoas têm da monarquia.
Sim. Eu já disse que, no meu mandato, só se publica nas redes sociais sobre gente viva. Não me interessa a majestade não sei quê, não me interessa, ninguém quer saber. É bom ficarmos com o legado dessas pessoas, é fundamental. Mas não é preciso fomentar o endeusamento dessas figuras, porque isso não nos leva a lado nenhum. Mais mortas não podiam estar.

Em alturas de crise, são muitos os que procuram respostas que fogem à norma. Sentem que isso está a acontecer e que há mais gente a assumir-se como monárquica?
Por um lado sim, as pessoas estão mais susceptíveis a procurar uma alternativa que lhes dê algum género de resposta aos problemas que atravessam. Mas, na minha opinião, quando estão a tentar sobreviver, as pessoas dificilmente têm disponibilidade mental para pensar sobre questões de fundo. Querem é pagar o mínimo de impostos possível, querem ter dinheiro para alimentar os filhos e para se conseguirem deslocar para o trabalho.

Se houvesse uma sondagem hoje sobre a monarquia em Portugal, qual seria o resultado?
As pessoas continuam agarradas a uma sondagem feita nos anos 2000 e que estimava que 48% das pessoas tivessem simpatia monárquica. Hoje em dia a realidade seria diferente, e o número seria mais baixo. Os opinion makers em Portugal, que participam em programas tipo o "Eixo do Mal ou "Governo de Sombra", já nos disseram claramente: "Eu não posso dizer que sou republicano, mas eu não sou monárquico", ou seja, a questão de regime, para eles ou está morta ou, a tomar uma opção, preferem trabalhar com o que já existe. Como isto nem sequer é debatido, quando a sondagem surgisse, nem haveria debate ou esclarecimento que não o que fosse feito na altura.

Há algum sistema monárquico europeu com o qual se identifique mais?
O britânico, sem dúvida. A monarquia não é uma oposição à diferença e isso vê-se no facto de a Commonwealth [Grupo de cooperação constituído pelo Reino Unido e 53 outros países, todos ex-colónias britânicas] albergar países muito diferentes. Uma coisa que ajuda muito são estas séries que humanizam muito a família real, como é o caso da “The Crown”, ou mesmo os romances em volta da Princesa Diana. Nós não temos grande romance para contar à volta da história familiar do Dr. António Costa.

Vocês relacionam-se com juventudes monárquicas de outros países?
Sim, principalmente no Brasil e alguns países da América Latina. Na Europa, há um problema: existem movimentos monárquicos, mas que acabaram por se radicalizarem. Dizem-se cristãos monárquicos, excluindo logo quem não é cristão, por exemplo.

"O Sr. D. Duarte nunca se encostaria ao Chega, primeiro porque é um democrata convicto e porque não se mete em quezílias partidárias."

E que tipo de encontros acontecem entre a juventude monárquica?
Existem três tipos de encontro. Os internos são apenas com a equipa, para brainstorming, principalmente. Os que acontecem para o exterior podem acontecer por uma causa, por exemplo, a restauração do feriado de 1º de dezembro. E temos um outro ainda que é misto: promovemos dinâmicas entre nós, mas é aberto ao público pela sua relevância.

O que não acontece — e pelos vistos há quem pense que sim — é passarmos slides com fotografias raras e bonitas de famílias reais chiquérrimas do passado. Nem fumamos charutos ou admiramos os cachuchos que temos nos dedos.

Costuma votar?
Sempre.

Até nas presidenciais?
Sim, mas voto nulo. Votar é o mais elementar dever que temos para com quem nos conquistou esse direito. E além disso, eu sou uma mulher no século XXI e, por isso, sinto isso mais do que um rapaz de que o ato de depositar uma meu voto foi muito suado e sangrento.

Acredito que, na nossa geração, quem não vota é essencialmente por não se rever nas instituições, mais do que não ter a noção de que é importante votar.

De que forma analisam este crescimento da extrema direita?
Tendencialmente, o movimento monárquico em Portugal é mais encostado à direita do que já foi. Atualmente, conheço monárquicos que se declaram partidários e a maioria apoia o PSD, CDS e agora o Chega. No entanto, há um enorme cuidado para não meter a família real nessa situação. O Sr. D. Duarte nunca se encostaria ao Chega, primeiro porque é um democrata convicto e porque não se mete em quezílias partidárias.

Para nós, tudo o que não comprometa a saúde da democracia em Portugal está fantástico. De que maneira é que isto se reflete? É que temos pessoas inscritas na Juventude Monárquica que são dos Verdes, do PSD, do PS, do CDS, mas a malta do Chega pede-nos desfiliação e os dos Bloco de Esquerda nunca cá põem os pés. Ou seja, os extremos acabam por não se sentir representados.