A 4 de maio, o governo lançou um despacho a ordenar o encerramento de todos os empreendimentos turísticos e de estabelecimentos de alojamento local na sequência dos casos de COVID-19 que colocaram duas freguesias do concelho de Odemira em cerca sanitária. As freguesias em causa dizem respeito a São Teotónio e Longueira-Almograve, onde ficam várias unidades de turismo rural, como é o caso do Paraíso Escondido, localizado em São Teotónio, que ainda no mês passado a MAGG deu a conhecer.

Berny Serrão, fundadora e proprietária do alojamento, partilhou o desespero misturado com a revolta que tem sentido nos últimos dias e que é comum aos vários proprietários de unidades de turismo no concelho de Odemira.

"Eu fiz isto por um estilo de vida, não para ser uma empresária, uma máquina de fazer dinheiro. Quem entra nisto, principalmente num turismo sustentável, percebe os custos que isto leva para fazer. Anos de trabalho, meu e do meu marido, tudo num cesto que achei que ia ser a nossa reforma", refere à MAGG. "Tenho tudo investido, não tenho um plano B. Estou em risco de perder tudo. Perdi as minhas reservas do nada", acrescenta com receio pelo futuro.

As primeiras reservas foram canceladas no momento em que Odemira recuou no desconfinamento, a 19 de maio, e teve de voltar à primeira fase do plano. Por esta altura, o Paraíso Escondido estava num período áureo. "Nesse momento estava a começar a bombar. Já tinha 50% das reservas. Tudo sempre a crescer. Telefonemas, e-mails. Estava super feliz e radiante pela forma como as coisas estavam a caminhar", lembra Berny. Contudo, quando as duas freguesias entraram em cerca sanitária, foi o remate final para o cancelamento de todas as reservas.

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O mesmo aconteceu com o Moita Mar, que tinha um grupo que ocuparia 17 quartos no primeiro fim de semana de maio, e com o Monte do Zambujeiro. No primeiro caso, o cancelamento foi feito à última hora. "Os hóspedes já vinham a caminho e fomos apanhados de surpresa. Já tínhamos até as compras feitas para o fim de semana, alimentos perecíveis e não se salvou nada", nem mesmo o grupo, que acabou por ficar alojado noutra unidade, não sendo assim possível compensar com vouchers, revela Natália Antunes, responsável pelo alojamento de turismo rural Moita Mar.

O Monte do Zambujeiro sofreu igualmente com a cerca sanitária das freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve, em vigor desde 30 de abril, uma vez que tinha os fins de semana cheios. Contudo, além de as reservas terem caído progressivamente com o isolamento do concelho, uma vez publicado o despacho para que todos os empreendimentos turísticos encerrassem, a queda foi incontornável, desta vez canceladas pela própria proprietária. "O cancelamento foi em catadupa", refere Mónica McGill, proprietária do turismo rural.

"Há aqui um fluxo que nada já tem que ver com a agricultura"

Quanto aos imigrantes, Mónica McGill recorda que a situação já é conhecida há muito tempo, incluindo pelo próprio presidente da câmara. "Pelas palavras do presidente da câmara, há dois anos que ele denunciou e ninguém fez nada. É uma coisa surreal. E agora a COVID-19 veio despoletar esta coisa toda", diz.

A MAGG tentou contactar o autarca para obter declarações sobre o turismo na região e a situação que espoletou as cercas sanitárias na região, mas este não mostrou disponibilidade para comentar.

Em 2019, chegou a ser manifestada pelo governo a intenção de instalar contentores para alojamento temporário para resolver a situação das habitações indignas em Odemira e foi até formado um grupo de trabalho para desenvolver um plano de ação no sentido de criar alojamentos definitivos. Contudo, até ao momento, ainda não foi encontrada uma solução e os trabalhadores agrícolas continuam a viver em condições precárias, apesar de o governo ter dito que os 299 contentores instalados no concelho "cumprem com as condições de higiene e saúde obrigatórias", disse o executivo em comunicado, de acordo com a TVI24, que cita a agência Lusa.

Além do presidente da câmara, também há vários anos que os habitantes têm notado que há mais mão de obra do que aquela que é necessária para a agricultura. "Há aqui um fluxo que nada já tem que ver com a agricultura. É um bocado estranho", reflete Mónica. "Sabíamos que viviam muitos, mas confesso que há aqui coisas que extravasam aquilo que já tinha visto e que sabia", acrescenta, exemplificando o facto de haver trabalhadores a viver em barracas de madeira com plásticos e a dormir em cima de paletes.

No entanto, salienta que há dois lados da história e que "há quem trabalhe bem e leve com o carimbo de todos os outros que fazem mal". "Conheço bem o meio e sei que entregam casa impecáveis e que as pessoas comem no chão porque no país deles comem no chão. Aqui há de tudo", diz Mónica McGill.

A problemática da falta de água

Além do desespero, Berny revela uma grande revolta sobre o que aconteceu, não só porque a falta de condições de habitação dos trabalhadores imigrantes era conhecida há muito, como também pela existência de estufas sem controlo. Acima de tudo, a proprietária do Paraíso Escondido denuncia má gestão dos recursos de água na região.

"Estas estufas nunca deviam ter existido, ponto inicial. Temos recursos pobres de água nesta zona. A barragem de Santa Clara, depois das chuvas, está a 50%. Esta água fornece esta zona toda, incluindo as estufas. Os agricultores da zona, velhotes, são controlados pela água que usam da barragem. As estufas têm acesso sem controle. Isso é gravíssimo. Nunca devia ter sido permitido", revela Berny, que também tem um terreno de produção biológica dentro do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) e viu-se obrigada a passar por todas as entidades — desde a câmara de Odemira às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) —, para fazer um uso responsável da água e do terreno, ao passo que o processo das estufas vai direto para o ministério do Ambiente.

A mesma reclamação é feita por Mónica McGill, proprietária do turismo rural Monte do Zambujeiro. "Há uma coisa aqui, que é transversal a todos, que é a água e a barragem de Santa Clara. Neste momento tem 50% da sua capacidade. No fim do ano passado, já estavam todos a chorar com medo de não ter água para a campanha deste ano", revela Mónica, mostrando-se revoltada sobre o facto de haver muitas empresas de agricultura que se instalam em Odemira sem limite e controlo.

"Não vale tudo, dinheiro não é tudo", diz. "Isto é um território diversificado, cheio de oportunidades, e há oportunidades para todos, mas tem de haver um limite e controlo em toda a atividade", defende, acrescentando que o governo deve parar investimentos que exijam quantidades abundantes de mão de obra e de água. "Temos um problema social gravíssimo e vamos ter um problema de falta de água", refere.

Já Natália Antunes, proprietária do Moita Mar, também aponta responsabilidades ao executivo de António Costa. "Eu não coloco culpas aqui no poder local, não culpo a agricultura, nem a câmara. Acho que o grande culpado disto tudo é o governo que abriu portas à imigração de forma desregulada", refere. Em causa está a vinda de imigrantes para Portugal sem contrato de trabalho e sem sítio para habitar. "Antes não era assim", acrescenta Natália.

Proprietárias mantêm esperança. "Vai voltar a ser publicitada a Costa Vicentina como sempre foi"

Apesar de todas as incertezas que a cerca sanitária trouxe à retoma do turismo, Mónica McGill não teme pelo futuro do Monte do Zambujeiro. "Assusta-me mais a instabilidade do abre e fecha do que propriamente a estabilidade financeira. Porque uma noite que não foi vendida hoje não será vendida amanhã. Não há forma de recuperar esse valor. Agora, se passarmos disto e daqui para a frente voltar tudo ao normal, pronto. Para a frente vamos e havemos de aguentar", destaca.

No entanto, não deixa de sublinhar que são precisos apoios do estado para compensar os transtornos que o fecho de Odemira está a causar no setor. "Não só pela pandemia em si, mas também pela imagem e pelo impacto que isto tudo tem", diz. "Não tenho a maior dúvida que, venha a estabilidade, deixem-nos abrir, porque cumprimos com tudo e somos seguros, que vamos dar a volta. Não é fácil, mas somos malta rija", brinca para aliviar o momento difícil.

Berny Serrão, do Paraíso Escondido, também destaca que é importante divulgar o turismo da região, ainda para mais agora que está associado à polémica. "Ninguém olha por nós. Não há um plano, uma estratégia, a dizer 'está escuro, mas temos um plano de marketing para a vossa zona'. Foi o que eu escrevi na carta", diz Berny, referindo-se ao e-mail que enviou ao Turismo do Alentejo a questionar porque é que não tem agido e dado a cara pelo turismo nesta fase difícil.

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Já Natália, do Moita Mar, acredita que tudo vai voltar ao normal e que quando a retoma do turismo na região poder ser retomada é preciso passar a mensagem de que Odemira é um local seguro. "Claro que isto é uma situação de polémica, mas a Costa Vicentina não é imigração ilegal, não é falta de condições para os trabalhadores", diz, acreditando que tudo será resolvido. "Vai voltar a ser publicitada a Costa Vicentina como sempre foi, com as praias maravilhosas, com o bom tempo. Temos aqui alojamentos fantásticos. Os restaurantes... É um bocadinho de Portugal muito especial, acarinhado por muitos portugueses, mas também por estrangeiros", remata.

Cercas sanitárias mantêm-se

Apesar do tom positivo das proprietárias dos alojamentos no Alentejo, a retoma do turismo parece estar ainda longe, uma vez que esta quinta-feira, 6 de maio, o governo anunciou que as cercas sanitárias das duas freguesias de Odemira vão manter-se, apesar de dentro das freguesias ser permitido o comércio ao postigo, automóvel e imobiliário, a atividade nos salões de estética e similares com marcação prévia, bem como acesso a espaços ao ar livre ou bibliotecas.

A decisão foi divulgada cerca de uma hora depois de o autarca de Odemira, José Alberto Guerreiro, ter revelado que apelou ao primeiro-ministro, António Costa, na quarta-feira, 5 de maio, que fossem levantadas as cercas sanitárias. "Apelámos ao governo para que ponderasse bem, face à realidade do território, à consciência cívica que se vive nas duas freguesias e face ao assumir de responsabilidades por todas as entidades envolvidas", disse o autarca numa conferência de imprensa nos Paços do Concelho de Odemira.

Segundo José Alberto Guerreiro, a descida generalizada de casos ativos de COVID-19, e em particular nas freguesias em cerca sanitária, bem como o impacto social e nas atividades económicas da população do concelho seriam razões suficientes para aliviar as restrições.

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