É relativamente consensual que nas próximas eleições presidenciais, votadas a 24 de janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa sairá vencedor logo na primeira volta e que tal só não acontecerá por uma enorme e inesperada hecatombe. O risco para Vitorino Silva, 49 anos, popularmente conhecido por Tino de Rans, é, portanto, muito baixo. O candidato está novamente na corrida à presidência depois de, em 2015, ter conquistado 3% dos votos.

O seu percurso, no entanto, começa em 1993 ao ser eleito para o cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Rans, fazendo parte das listas do Partido Socialista (PS), partido pelo qual garantiu a reeleição em 1997.

O mediatismo, no entanto, viria em 1999. Decorria o 11.º Congresso do PS quando Vitorino Silva tomou o púlpito para, através de um discurso apaixonado, declarar a sua admiração por António Guterres: "Você não imagina o prazer da gente da minha terra, em Rans, que hoje está a dizer que aquele jovem que ganhou a presidência da Junta ao PSD já falou, olhos nos olhos, com o grande líder deste País."

Na linguagem simples que todos conhecemos, Tino de Rans arrancou aplausos e terminou o discurso com abraço a Guterres, que assistia na plateia. O momento levou à redação de um livro autobiográfico, cujo prefácio esteve a cargo do bispo Manuel Martins, ao lançamento de um disco musical intitulado "Tinomania" — do qual faz parte a canção "Pão, Pão, Fiambre, Fiambre" —  e à participação nos programas e reality shows "Quinta das Celebridades", "Último a Sair" e "Big Brother VIP", em 2005, 2011 e 2013, respetivamente.

Líder do partido RIR — Reagir, Incluir, Reciclar, formado com a entrega de cerca de onze mil assinaturas ao Tribunal Constitucional em 2019, concorre novamente ao lugar de chefe de Estado numa altura em que o número de candidatos que se dizem anti-sistema são vários.

"Se angariar mais votos do que aqueles que angariou em 2015 [152 mil votos, o correspondente a 3.28%], é uma vitória. Mas no dia seguinte às eleições, as notícias serão sobre quem ficou em segundo lugar e qual o crescimento de André Ventura. Isso significa que, na realidade, Vitorino não terá muitas dores seja qual for o resultado", explica à MAGG Gonçalo Castel-Branco, especialista em comunicação política, antigo membro das campanhas de Barack Obama e Hillary Clinton e, mais recentemente, diretor de campanha de João Noronha Lopes, um dos candidatos à presidência do Benfica nas eleições de outubro de 2020.

Ainda que a abstenção se espere elevada, muito agravada pelos efeitos da pandemia em todo o País, o especialista garante, quando questionado sobre a possibilidade de um voto expressivo em Vitorino Silva, que "nada em democracia é impensável".

Para isso, no entanto, era importante reforçar a ideia do voto útil, uma vez que Marcelo não precisa, numa narrativa de impedir "o crescimento da extrema-direita em Portugal" representada por André Ventura e o seu partido.

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E embora reconheça a força da marca pessoal de Vitorino Silva, num registo verdadeiramente genuíno e simples, aponta dois pontos negativos na campanha que agora começou: o fator novidade que já não existe, uma vez que o registo foi o mesmo em 2015, e o facto de a campanha ter poucos recursos para garantir votos.

"50% de uma eleição, qualquer que seja, é definida por convencer o eleitorado de que o candidato A é melhor do que o candidato B, enquanto os restantes 50% passam por garantir que as pessoas saem de casa para votar. Se numa campanha como a do Vitorino não houver estratégias para tirar as pessoas de casa, e o processo se basear apenas nas presenças em televisão, o que vai acontecer é que os números nunca vão descolar para nenhum sítio com viabilidade."

Esta estratégia é válida para qualquer conjuntura e Castel-Branco tem provas dadas nesse sentido. A campanha de João Noronha Lopes, o principal oponente de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, que conduziu, aconteceu em plena pandemia e foi 60% maior do que qualquer eleição desportiva em Portugal e, além disso, a terceira maior de sempre em todo o mundo a seguir às do FC Barcelona e do Boca Juniors.

O "homem do povo" e a narrativa do voto útil

"Nada em democracia é impensável. Se cada pessoa que vota, e quiser votar em Vitorino, convencer dois amigos a votar nele, o candidato consegue triplicar automaticamente o seu número de votos e, possivelmente, ficar em segundo ou terceiro lugar com um número fenomenal", diz Castel-Branco apoiando-se na ideia de que a candidatura de Vitorino Silva decorre da "crescente descredibilização do sistema político" e numa altura em que, "no meio de uma série de candidatos antissistema, uns mais do que outros", o antigo autarca da Junta de Freguesia de Rans é quem, de facto, representa o "homem do povo".

A essa autenticidade alia-se também a uma certa credibilidade que o candidato foi ganhando ao longo do seu percurso e que, nestas presidenciais, é evidente através da troca do nome. Ao contrário do que aconteceu nas eleições de 2015, aqui quem concorre é Vitorino Silva e não Tino de Rans, embora ambos sejam, como o próprio já fez questão de afirmar, a mesma pessoa.

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"Isto revela um aumento de credibilidade, o que se justifica porque nas últimas presidenciais conseguiu 3% dos votos. Além disso, já esteve no Partido Socialista, já foi presidente da Junta de Freguesia de Rans [em 1993] e criou um partido. É um político com um percurso idiossincrático, certo, mas que chega com vontade de estar no debate público e político", explica Maria João Marques, economista e analista política.

E não há prova maior da consensualidade da sua figura como quando, no momento em que se soube que estaria excluído dos debates televisivos, se gerou "uma onda geral e espontânea de solidariedade" que levou, continua Maria João Marques, "os candidatos e as televisões a disponibilizarem-se para mais debates".

"Houve uma grande perceção de que, apesar de se tratar de uma candidatura e de um político diferente, deveria ter a sua voz. Vitorino Silva é uma pessoa que se refugia em encenações para mensagem política, mas já não é uma brincadeira e essa mudança foi acontecendo com o tempo", continua. Mas ainda que a economista admita ser fácil fazer um contraponto com André Ventura, que assume um registo "de português ressentido através do ódio", denota o que existe com João Ferreira.

"Nesse debate foi muito curioso quando o moderador disse que era o primeiro que via entre um comunista e um operário, ali encarnado por Vitorino Silva. Porque é ele quem, de facto, tem mais pergaminhos para falar pelo dito povo, por ter uma candura e uma credibilidade que vem do facto de ser calceteiro e não ter os financiadores que Ventura tem."

A opinião é partilhada por Helena Ferro de Gouveia, diretora de comunicação e comentadora política, que diz que a marca pessoal de Vitorino Silva funciona porque reforça uma questão de autenticidade. "Se pensarmos no candidato que se apresenta como antissistema, e que no fundo é um boneco associado e movido por um conjunto de interesses, facilmente reconhecemos em Vitorino alguém que é, de facto, autêntico, genuíno e que conseguiu, com alguma simplicidade, desconstruir, por exemplo, o racismo em André Ventura", referindo-se ao momento das pedras usado no debate com o líder do Chega.

Durante o frente-a-frente, a 4 de janeiro, Vitorino Silva mostrou as várias pedras que tinha recolhido na praia. Disse ter visto pedras de todas as cores e trouxe para o estúdio algumas laranja, rosa, brancas e pretas, trazidas pelo mar. "Mas o mar não traz só pedras, também traz pessoas e traz pessoas de todas as cores. Há muita gente que vem por esse mar à procura de um terreno firme. Mas, às vezes, criam-se muros", disse o candidato.

A linguagem simples que "desarma o snobismo"

Na análise que faz desse momento, Gonçalo Castel-Branco argumenta que houve uma "tentativa consciente de preparar o momento do debate" que, no dia seguinte, fosse notícia e comentado pela generalidade do público. Ainda que considere a estratégia muito eficaz e lamente que, em Portugal, isso não seja feito o suficiente noutros debates, também acredita que a metáfora trouxe à superfície um amadorismo latente na apresentação formal da ideia.

"A meio da ideia, Vitorino injetou outra completamente diferente e ficou uma coisa muito atabalhoada quando o objetivo era que as pedras tivessem uma narrativa autoexplicativa: de que, na natureza, as 'coisas' têm diversidade e é absurdo julgá-las por isso." Mas os momentos são vários e, num dos debates, Vitorino caracterizou a sua candidatura como sendo de esquerda, "mas às direitas", com a ambição de conquistar o "voto sardinha" e o "voto caviar" — referindo-se ao voto do povo e da esquerda no espectro político, respetivamente.

A explicação para o fenómeno de Tino de Rans que representa o povo e
A explicação para o fenómeno de Tino de Rans que representa o povo e créditos: Pedro Pina/RTP

"Enquanto candidato, aposta muito nessa capacidade de fazer a ponte entre a 'sardinha' e o 'caviar'. E o mais engraçado é que a sardinha, o povo, portanto, revê-se nele e o caviar acha-o um outsider, mas que, apesar disso, não tem problemas em avançar e em estar perante de pessoas com grande prestígio e com carreiras políticas de anos. Curiosamente, do ponto de vista caviar, ele é a sardinha", refere Maria João Marques

Outro dos momentos que se popularizou, aponta Helena Ferro de Gouveia, foi quando Vitorino Silva inverteu, através de uma retórica simples, "os slogans populistas" usados por André Ventura e cujas ações não estão em concordância, ao dizer que "os deputados que faltam ao parlamento não fazem lá falta". Sendo André Ventura um dos deputados que mais falta, o momento "funcionou muito bem porque expôs as suas contradições".

O mais momento recente a viralizar aconteceu esta segunda-feira, 10 de junho, no espaço de entrevistas com Miguel Sousa Tavares no "Jornal das 8", na TVI. No fecho da emissão, o jornalista perguntou-lhe se daqui a quatro anos os portugueses iriam vê-lo novamente na corrida pelas presidenciais e o antigo autarca da Junta de Freguesia de Rans respondeu sem hesitar: "Não é daqui a quatro anos. As presidenciais são de cinco em cinco anos. As legislativas é que são de quatro em quatro."

Para Helena Ferro de Gouveia, esta propensão para a criação de momentos que ganhem repercussão nas redes sociais advém não só da sua autenticidade, mas também da forma "como todos, inclusive alguma comunicação social, olham com condescendência, paternalismo e menosprezo para um candidato que tem raízes muito humildes, que se expressa de forma muito simples e que não pertence às elites".

"Quando faz observações muito simples, mas muito válidas, o que acontece é que desarma o snobismo quer dos candidatos, quer dos jornalistas, como foi o caso com Miguel Sousa Tavares", explica.

Resultados e explicações para pouca expressão nas urnas

Regressando à ideia inicial de Gonçalo Castel-Branco, que defende que para Vitorino Silva o risco é baixo, qual a resposta à pergunta: "Que procura um candidato como este nestas eleições cujas sondagens lhe dão pouca expressividade nas urnas de voto?".

O diretor de campanha não tem dúvidas: "Interessam-lhe duas coisas: alimentar a marca pessoal e a suas ambições políticas; e definir o debate. Ou seja, partir com a convicção de que não vai ganhar, mas garantindo que certos temas são falados e que os seus argumentos são ouvidos." Nesse sentido, continua, "qualquer tempo de antena de que Vitorino beneficie ajuda a cumprir esse propósito".

Ao assumir-me como verdade absoluta que, ao contrário do que acontece nas eleições legislativas, os portugueses não atribuem tanto peso às questões ideológicas dos candidatos durante a corrida à presidência da República, o que pode justificar um mau resultado a 24 de janeiro para Vitorino Silva? Segundo Helena Ferro de Gouveia, o facto de os portugueses não lhe reconhecerem competência e credibilidade.

"O Vitorino é uma figura muito simpática, um democrata, alguém que respeita a democracia, mas os portugueses não lhe reconhecem a competência necessária para exercer o cargo de chefe de Estado", explica.

Por ser um cargo que exige "um conjunto de competências que Vitorino não tem, assim como outros candidatos nesta corrida não têm", os portugueses acabam por eleger quem consideram mais competente. Isso explica, segundo a comentadora política, "porque é que tanto à direita como à esquerda a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa é um dado adquirido".

A procura de Vitorino Silva por "mais um voto"

Sobre o que seria um bom resultado para Vitorino, é consensual entre os três especialistas ouvidos pela MAGG que isso se traduziria numa conquista de mais de 3% face às eleições de 2015. A MAGG contactou o candidato Vitorino Silva que, por telefone, explicou que aquilo que o move é a procura por "mais um voto".

"Toda a gente sabe que aquilo que quero é mais um voto. É isso que procuro e sei que vou encontrar. Acredito sempre que tenho mensagem para, pelo menos, convencer mais um ou mais uma [eleitor ou eleitora]." E isso é feito, explica, estando junto do povo. Não esporadicamente, mas "sempre, de janeiro a dezembro", como Vitorino Silva está habituado a estar.

"Estar no meio do povo é o meu habitat natural, mas há muita gente que só aparece junto dele em tempo de eleições como aves de rapina. Andam no ar e, de vez em quando, apetece-lhes vir à Terra. Mas o Tino esteve sempre colado à Terra e as botas pesadas que uso simbolizam, no fundo, aquilo que me prende ao chão. A Terra é a minha tela", diz.

Sobre o tipo de presidente da República que quer ser, é assertivo: "Um presidente tem de perceber que está ali de passagem e que todos os portugueses devem ser iguais, sem degraus entre eles. Estou neste debate público devido à força da internet e do povo que me me deu espaço. Se estou a dar esta entrevista, foi porque foram "vocês" que permitiram. O sistema bateu-me com a porta na cara [referindo-se ao momento inicial em que fora excluído dos debates] e só depois é que percebeu que nunca tinha pedido nada a ninguém. Nunca pedi esmolas, um frame de televisão ou uma linha de jornal."

Com os olhos postos no futuro e depois de uma tarde de campanha na Amadora, conclui: "Quero ser um cidadão do mundo e se for presidente da República, podem ter a certeza de que, comigo, ninguém fica para trás e que seremos todos cidadãos do mundo. Porque a nossa terra é o mundo, sem muros."