Esta segunda-feira, 21 de dezembro, Gustavo Carona, médico intensivista, partilhou que passou recentemente por um burnout. O texto, escrito a 22 de novembro, apenas foi partilhado agora na página de Instagram do médico, no dia em que anuncia já estar de regresso ao trabalho.
"Percebi o que me estava a acontecer quando os dias bons passaram a ser piores que os dias maus. Percebi que não dava para fingir mais, quando já rigorosamente nada me tirava a vontade de chorar. Passei do não saber o que era ansiedade para ter ansiedade de manhã à noite. Quando percebi que toda a agente me irritava, percebi que o problema era eu. Sabia que o trabalho me estava a fazer mal, e no entanto, só no trabalho me sentia menos mal. Atraído pelo meu abismo, prometi a mim mesmo que não quebrava, e quebrei", começou por revelar Gustavo Carona no longo texto partilhado através de uma sequência de fotografias.
Na mesma publicação, o médico salientou que já esteve perto de um burnout duas vezes na vida: "Em 2011 e em 2019, no Paquistão e no Iémen, respetivamente". "Eu sou duro de emoções, mas há ali um momento ou momentos, em que a exaustão toma conta de nós. E quando sentimos que já não conseguimos desligar dos doentes, somos nós os doentes", explicou.
"Acho que assumi demasiadas lutas. A luta pelos doentes, e a luta pela opinião pública. Sei que ambas são fulcrais. Sei que ambas se entrecruzam. Sei que uma guerra se ganha no coração das pessoas. E fui na minha ingenuidade tentar explicar o óbvio. Tentei sempre comunicar pela positiva, e acreditem que não é fácil resistir a não responder na mesma moeda aos que ao meu nome colaram insultos", assumiu esta segunda-feira.
"Sinto as coisas muito a peito, deixei-me levar pela luta. Fui sugado pela tristeza de ver a luta legítima pela insegurança económica de tantos, com a contaminação da extrema-direita e dos negacionistas, todos no mesmo palco. Como se fosse justo colocar no campo de batalha os profissionais de saúde que então a dar o litro para salvar vidas, e os legitimamente desesperados porque perderam o emprego. São lutas diferentes. E só o rigor na luta pela pandemia nos permitirá respirar ar puro mais cedo", acrescentou na mesma publicação.
No final do longo texto, o médico explicou que este foi escrito a 22 de novembro, dia em que, após trabalhar 24 horas, decidiu retirar-se para se tratar. "Vou-me afastar do hospital para me proteger porque já não aguento mais, mas morro de angústia pelos doentes a quem podia ser útil, e pelos meus colegas por estar a sobrecarrega quando já estamos todos tão cansados. Infelizmente, não tenho outra saída se não tomar conta de mim, para em breve poder voltar a tomar conta dos outros."
Esta segunda-feira, 21 de dezembro, um mês depois de ter tomado essa decisão, Gustavo Carona partilha o que aconteceu após regressar de um turno de 24 horas nos Cuidado Intensivos. "Consegui, e estou muito feliz por voltar à luta", afirmou, revelando que decidiu publicar estas palavras em nome dos colegas e "de todos que estão exaustos".
"Queria dedicar o meu esforço aos meus companheiros de trabalho por me protegerem à custa da sua sobrecarga e da sua exaustão, e em nome deles e de todos que estão exaustos, decido publicar estas palavras. Queria agradecer à minha fisioterapeuta e à minha psicóloga por terem pegado em mim pela mão, como se faz a uma criança para atravessar a rua, nesta que foi uma das travessias mais difíceis da minha vida, e claro, à minha mãe, que me ensinou que só vale a pena olhar para o mundo se for com o coração". O médico intensivista terminou com um apelo: "Este é o maior desafio das nossa vidas. Abram os vossos corações."
Gustavo Carona tem sido um dos médicos que mais tem falado sobre a pandemia da COVID-19, especialmente nas redes sociais e nos meios de comunicação social. Em outubro, através de um vídeo que se tornou viral, o médico alertou para os perigos da relativização da gravidade da pandemia e fez um apelo à responsabilidade coletiva. "Isto é um problema de saúde pública, é um problema do nosso comportamento coletivo", afirmou na altura.
O burnout é um síndrome de stresse crónico vivido no contexto de trabalho e "ocorre quando existe uma situação prolongada no tempo, em que a pessoa está a viver um conjunto de situação no local de trabalho, caracterizado por exigências ou condições negativas às quais não consegue dar resposta", explicou à MAGG Maria José Chambel, psicóloga do trabalho e das organizações, neste artigo.
De acordo com dados de 2016, da Associação de Psicologia da Saúde Ocupacional, 17,3% dos portugueses sofrem com este síndrome. Os burnouts têm sido mais frequentes nos últimos anos, dado que apenas 9% dos trabalhadores nacionais assumiam passar por esta situação em 2008. Em 2013, apenas cinco anos depois, o número aumentou para 15%.