Ter amigos ou familiares que já adoeceram com COVID-19 é talvez mais frequente (e o pão nosso de cada dia desde que a variante Ómicron começou a circular) do que conhecer alguém próximo que não está vacinado contra o vírus SARS-CoV-2. Mas são vários os casos, alguns deles relatados à MAGG, e tanto do lado dos vacinados, como dos não vacinados, nem sempre se lida com as opiniões da melhor forma, porque além de respeito, o diálogo é fundamental.

"Prefiro não falar porque eu digo uma coisa, ela vai retorcer. Eu acredito naquilo que quero acreditar e ela no que quer acreditar e vamos estar a debater o mesmo assunto. Porque ela vai continuar a ter a mesma ideia. Da outra vez estávamos a trocar mensagens, e tudo aquilo que lhe dizia tipo 'olha, acabei de ouvir aqui na televisão que disseram que a vacina isto e isto', ela respondia 'pois, mas isso é o que eles dizem na televisão. Será que é verdade?'", questionou a irmã não vacinada de Andreia Cruz, com 38 anos e vacinada contra a COVID-19.

Já João (nome fictício), de 47 anos, tem uma amiga muito próxima que também optou por não se submeter à vacinação e até agora não mudou de ideias — mesmo após alguma discussão de ideias entre amigos. "Já fiz 'bullying', já fiz tudo e mais alguma coisa e até agora, como não cedeu, não vou ser eu a preocupar-me com esta situação. Só leva a discussões às vezes desnecessárias", refere à MAGG.

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Contudo, na opinião da psicóloga Dina Guerreiro, da Clínica da AutoEstima, não há uma estratégia, mas sim uma regra para amigos ou familiares lidarem com o facto de uns e outros estarem ou não vacinados: o respeito.

"Acho que há uma questão que teríamos de perceber: 'o que é que motivou a não vacinação?'. Porque às vezes essa motivação é decisiva na forma como a pessoa lida e os outros lidam com a decisão da pessoa. Ou seja. A motivação é porque as pessoas são negacionistas? Porque têm receio dos efeito secundários? Acho que a chave para a compreensão das individualidades de cada pessoa está na pessoa sentir que a razão que o outro nos expõe pode ser válida e, obviamente, o cruzamento com a minha capacidade de aceitar a decisão do outro. Tudo isto se resume a respeito", diz a psicóloga.

Fomos então perceber algumas das motivações para recusar a vacinação e se são ou não aceites pelo grupo de amigos ou pessoas próximas.

O que leva uma pessoa a não vacinar-se?

"Eu estava a fazer um tratamento de saúde na altura em que as pessoas da faixa etária dos 23 ou mais anos [em julho de 2021] começaram ser poder ser vacinadas e por muito que confiasse na ciência e houvesse mil e uma coisas, para todos os efeitos era uma coisa relativamente recente e não havia qualquer tipo de repercussões a nível de nada. Ainda estávamos nós à experiência da ciência e, nesse sentido, decidi dar prioridade ao tratamento que estava a fazer", conta Madalena Sampaio, de 23 anos, que sublinha que sempre fez questão de atualizar-se com notícias fidedignas sobre a vacinação. "Não foi por ignorância, foi uma escolha consciente", continua.

Mais tarde, quando já poderia levar a vacina após terminar o tratamento em setembro, considerou novamente se iria ou não vacinar-se e se faria sentido dado que tem vários cuidados e passa os dias em ambientes mais restritos. A ponderação pesou para o lado de ser vacinada, mas eis novo entrave: ficou infetada no final de 2021 e terá de esperar três meses caso pretenda ser inoculada.

Contudo, o facto de ter tido o vírus não contribuiu favoravelmente para querer ser vacinada. "O meu único receio era de apanhar COVID-19 e passar mal por não ter a vacina. E não. Até passei bem", refere. Ainda assim, durante os meses de espera até estar apta para ser vacinada, Madalena Sampaio diz que vai continuar "a acompanhar a evolução" dos dados disponíveis sobre as vacinas.

O caso de Madalena é, no fundo, o resultado de circunstâncias que colocaram entraves à vacinação, mas mesmo sem apresentar as motivações, chegou sentir alguma pressão para levar a vacina. "Tinha um amigo em específico que sim [pressionava], mas devia-se talvez ao facto de ele vir de um meio em que os pais são enfermeiros", lembra.

Mariana (nome fictício), de 35 anos, também se sentiu pressionada, especialmente pela mãe, que ao início, tal como o pai, não queria levar a vacina, mas mudou de ideias por algum medo da doença. No caso do pai, deveu-se às restrições associadas ao facto de não ficar com certificado digital de vacinação.

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"A minha mãe tentou pressionar-me, a mim e à minha irmã, para sermos vacinadas, porque senão 'não íamos conseguir trabalhar em lado nenhum, ninguém nos ia aceitar', 'e se por acaso ficarem doentes, como é que os médicos vos vão tratar por não estarem vacinadas'. Existiam todas estas questões que nos foram colocadas na altura e, claro, ficámos a pensar", conta Mariana (embora não tenha funcionado).

A pressão, de acordo com a psicóloga Dina Guerreiro, não funciona, a estratégia deve ser antes "sensibilizar". "Relativamente à vacinação, se for pro vacinação devo tentar sensibilizar os meus amigos para o fazerem também. E como é que isso se faz? Recolhendo informação fidedigna e com suporte para poder levar os amigos a tentearem refletir a tomada de posição deles", sugere. Já por parte dos não vacinados, é importante explicar as motivações para a decisão, como dissera anteriormente, de modo a que ambas as partes compreendam os pontos de vista.

No caso de Mariana, até agora, nem a pressão, nem o facto de ter estado infetada com o vírus e sentir alguns sintomas menos leves (ao contrário da irmã não vacinada que ficou assintomática), a fizeram mudar de ideias — mas sublinha que não diz "nunca" ao processo.

"Foi uma decisão que ainda hoje pondero. Não sou negacionista. Acredito que a vacina tem algum efeito no que diz respeito a alguns sintomas e aceito muito bem as pessoas que o queiram fazer", começa por dizer, lembrando que os pais e três das cinco irmãs foram vacinadas. Só que experiências anteriores que tiveram com fármacos acabaram por pesar mais na balança.

"Isto tem um quadro clínico associado. Já tive más experiências com medicamentos que tiveram efeitos catastróficos. Um deles foi um nódulo no fígado. Se não tivesse tido más experiências com medicamentos, se calhar não achava problema nenhum", refere.

A não vacinação em contexto profissional

Mariana chegou a dirigir-se ao centro de vacinação da Maia para responder à inoculação prioritária de profissionais das áreas da educação, dado que trabalha em Atividades de Enriquecimento Curricular (AECs). No caminho, levava apenas uma certeza: não tomaria a vacina da AstraZeneca pelo facto de na altura ainda levantar algumas dúvidas (só no final de dezembro de 2020 é que foi aprovada pela agência reguladora do Reino Unido, a MHRA - Medicines and Healthcare products Regulatory Agency).

Chegou a ser contactada para uma nova chamada pouco tempo depois, desta vez já para a vacina da Pfizer dado que a da AstraZeneca tinha sido suspensa. Mas mais uma vez negou. "Tinha estado em dúvida e depois, afinal, acabei por ter alguma razão na minha dúvida anterior. Então senti 'vou ter razão para não tomar esta'", conta. A posição acabou por gerar alguns problemas no trabalho no sentindo em que nas AECs a seleção é feita por concurso e Mariana desceu "drasticamente na tabela" que permite ficar com melhores condições de trabalho.

"Não houve motivo nenhum. Trabalhei mais nesse ano do que no anterior, inclusivamente não faltei nenhuma vez porque não estive doente", argumenta e acredita que tal está relacionado com a vacinação até porque dias antes de os resultados do concurso serem revelados em setembro foi novamente contactada pela Câmara Municipal da Maia para ser vacinada.

Tirando esta situação em que se sentiu justiçada e com os direitos postos em causa, em contexto de trabalho Mariana foi sempre respeitada pela decisão e não sentiu que fossem feitos comentários desagradáveis por colegas. "Não me senti excluída relativamente a professoras ou funcionárias. Mas são tudo relações também mais superficiais", reconhece.

"Temos as nossas escolhas restringidas"

Madalena Sampaio tem a decisão ainda em aberto, mas há um algo que já sente há algum tempo pelo facto de não estar vacinada: a liberdade condicionada. Um desses momentos foi quando em dezembro de 2021 as normas estabeleciam que era necessário apresentar certificado de vacinação ou de teste negativo para entrar num simples café.

"Às tantas, temos liberdade de escolha e é tudo muito democrático, mas claro que temos as nossas escolhas restringidas. Até ao nível de viagens", refere — voos esses que ficaram recentemente mais fáceis para vacinados, que deixam de estar sujeitos a teste obrigatório ou de fazer quarentena num país europeu, sendo a testagem a regra fundamental para não vacinados.

A liberdade parece ser também um fator determinante no caso da amiga não vacinada de João, que considera que será o único motivo que pode levá-la a mudar de ideias. "Neste momento ela começou a ver a vida um bocadinho parada. Temos ido jantar fora e ela é obrigada sempre a fazer teste. Acho que está a começar a ficar um bocadinho irritada. Nós inclusive estamos já a começar a combinar férias todos juntos e ela está à parte", diz João e acrescenta: "Entre nós, já falámos que ela não foi até agora por orgulho, ou seja, agora não quer dar o braço a torcer".

Quem também não quer dar o braço a torcer é o filho de 16 anos de Andreia Cruz, que recusa-se a ser vacinado sem apresentar argumentos para isso. Não estar vacinado causa alguns constrangimentos, como o facto de ter de apresentar teste negativo num concerto em março, mas mesmo assim não muda de ideias.

"Tentei que ele mudasse de ideias e ele decidiu que não", diz a mãe que respeita a decisão. "Vou apoiá-lo nas decisões que ele fizer, mas se eu o obrigar a ir e se trouxer problemas de maior, a responsabilidade é minha e vou viver com essa culpa e ele vai pôr-me essa culpa para o resto da vida", refere.

Veredito: não ter a vacina é um risco para quem?

Passámos o ano de 2020 à espera que uma vacina milagrosa aparecesse para travar o vírus e regressarmos à nossa vida normal. As vacinas chegaram e enquanto uns correram a inscrever-se, outros preferiram esperar ou decidiram não tomar de todo. Mas será que estamos assim tão bem esclarecidos sobre as vacinas e percebemos o que está em causa quando se junta, por exemplo, num jantar de amigos, pessoas vacinadas e não vacinadas? Segundo a psicóloga Dina Guerreiro, não.

"Acho que há aqui uma contra informação, enquanto profissional de saúde, em relação ao que são as vacinas. A informação às vezes confusa neste campo leva a um sentimento de ansiedade perante pessoas não vacinadas muito grande. As pessoas fazem um bocado o exercício de 'se tu não estás vacinado, vais passar-me COVID-19'. Há aqui uma confusão que não faz sentido", diz a especialista.

Afinal, qual é então o papel da vacina? Recorremos a um infeciologista para saber a resposta.

"Deixe as vacinas de lado. Há quem tenha tido COVID-19, que será uma imunização mais potente, e pessoas que contraíram duas vezes. Uma em 2020, com a variante original, a Alfa, depois em 2021, com a Delta. Não são muitos os casos documentados, mas isto pode acontecer sem cenário de vacinas. Um dos objetivos da introdução das vacinas era diminuir a morbidade, isto é, as repercussões da doença, a mortalidade, e, em simultâneo, diminuir a transmissão", refere Luís Tavares, especialista de doenças infeciosas do hospital Lusíadas de Lisboa.

Contudo, segundo o especialista, seja da Moderna (agora Spikevax), AstraZeneca, Janssen ou Pfizer (que passou a Comirnaty), a ação destas vacinas não é a mesma do que uma vacina contra a febre amarela que "barra o vírus à entrada", explica. "Aqui, apesar de estarmos vacinados, podemos contrair a infeção e transmitir", continua.

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Significa isto que o risco de infeção tanto existe para uma pessoa vacinada, como para uma não vacinada, mas entre as duas há uma diferença de sublinhar no que diz respeito à inoculação. "Aqui começa o grau de incerteza. Eu estou vacinado com três doses. Posso infetar-me. Não terei uma carga viral tão grande como se não estivesse vacinado e, portanto, tenho menor possibilidade de transmissão, mas mesmo assim ela existe, senão não teríamos estes 60 mil casos todos os dias e sabemos que isto acontece em pessoas vacinadas", esclarece Luís Tavares.

Ainda assim, quando se trata de juntar várias pessoas num evento social que não envolva máscara "o risco é para todos", sublinha o infeciologista Luís Tavares. Esclarece, no entanto, que "os vacinados correm menos risco de se infetar" ao passo que os não vacinados correm maior risco "se houver alguém infetado, nomeadamente com esta variante".

Luís Tavares aconselha, por isso, e apesar "não haver risco zero" em contextos sociais, que os participantes se testem antes de convívios, tenham as habituais regras básicas de higiene e ainda outro cuidado essencial: o arejamento dos espaços, uma vez que o vírus SARS-CoV-2 transmite-se essencialmente por via aérea ou por gotículas.

"Se não fazes teste, não quero estar contigo". E isto vai durar até quando?

Há contas que nem vale a pena fazer e uma delas é o dinheiro gasto em autotestes comprados nas farmácias e nos supermercados. Uma boa parte foi no Natal para estarmos em família, mas ainda hoje continuamos ora porque é preciso apresentar para visitar um familiar num lar, ora porque vamos ter um jantar de amigos no qual já não basta um dress code.

Nos tempos que vivemos é também regra fazer teste e mostrá-lo (ou não) antes de nos juntarmos com um grupo de número considerável. Mas será que pedir que todos façam teste pode tornar-se algo intrusivo?

"Não acho intrusivo, acho que faz parte do nível de conforto que a pessoa precisa de ter. Para estar bem num evento social, tenho de estar confortável. E o indivíduo deve apresentar aos demais as suas condições para isso", refere a psicóloga Diana Guerreiro. Porém, coloca-se uma questão: o que fazer quando uma das pessoas recusa fazer teste?

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"Há uma necessidade de respeitar a opinião do outro e de, na tomada de decisão, saber onde nos colocamos: se queremos fazer parte indo contra o que nos deixa confortáveis, aceitamos e compreendemos que se calhar se não teve sintomas ou um contacto e não faça sentido. Isto vai depender de pessoa para pessoa e, acima de tudo, da capacidade que a pessoa tem para sentir-se segura. No fundo, o ingrediente é a autoconfiança", explica a psicóloga da Clínica da AutoEstima.

No caso do grupo de amigos de João, os testes fizeram sentido num momento em que se juntavam, mas agora já não têm esse hábito.

"Infelizmente, a minha mãe esteve com cancro, o meu pai foi operado, foram situações complicadas, e durante o mês de dezembro fazíamos teste por causa dos meus pais. Todos compreenderam, conhecemo-nos há vários anos. Agora já não", assume. Todavia, com ou sem teste, há apenas um motivo que o faria sentir-se mais confortável caso a amiga se vacinasse. "Não posso falar pela saúde dela. Sentia-me mais confortável pela saúde dela no caso de acontecer alguma coisa grave. Ainda para mais nos últimos dois anos tem tido a saúde fragilizada", conta.

Já Madalena Sampaio, enquanto não vacinada, concordou sempre que os amigos falavam em fazer teste antes de convívios. "Se tivéssemos um jantar de grupo, por exemplo, cinco pessoas, fazíamos todos teste. Tínhamos esse cuidado", refere.

No que diz respeito à questão "isto vai durar até quando?" não há uma resposta, apenas algumas dicas para que os convívios entre pessoas vacinadas e não vacinadas sejam vividos de forma a que todos se sintam seguros e respeitados enquanto a pandemia durar.

"A chave aqui é o diálogo entre os pares, amigos e família, e acima de tudo aprender transversalmente que cada um tem o seu espaço individual onde toma as decisões de acordo com aquilo em que acredita. E desde que não ponha em causa a segurança e bem estar dos outros, são decisões pessoais e cabe-nos a nós respeitar", remata a psicóloga Dina Guerreiro.