No início de setembro, a Austrália já começava a reconhecer os sinais de que este seria um ano especialmente intenso no que ao fogo diz respeito. Estávamos a dia 9 desse mês quando um incêndio deflagrou no Binna Burra Lodge, um histórico chalé cercado pelo Parque Nacional Lamington, em Queensland, e do qual pouco restou.
O fim do hotel e as chamas que atingiram a selva tropical em redor deixaram em alerta os peritos, que já na altura consideravam que a força do fogo era incomum para uma área húmida e fresca.
Estávamos a 9 de setembro, voltamos a frisar. Mas entretanto, o país não parou de arder. Ao ponto de termos imagens, a dia 3 de janeiro, de uma vizinha Nova Zelândia cujos glaciares já não são brancos mas sim acastanhados, graças às cinzas que voam milhares de quilómetros. E o sol? É uma bola de fogo escondida por detrás de um nevoeiro de fumo.
Mas depois de quatro meses de incêndios praticamente ininterruptos, questionamos: porque é que a Austrália continua a arder?
Na verdade, são três os fatores a convergir numa realidade nunca vista: temperaturas altas, secas prolongadas e ventos fortes.
2019 foi o ano mais quente e mais seco alguma vez registado na Austrália, refere a Australian Broadcasting Corporation, e a primavera de 2019 foi considerada a mais seca dos últimos 120 anos.
E se quisermos, podemos continuar a falar de recordes. Uma onda de calor nunca antes registada atingiu o país em dezembro. No dia 19, a temperatura máxima atingiu uma média nacional de 41,9 graus, isto dias depois de ter sido atingido aquele que achavam ter sido já o valor recorde: 40,9 graus. Ainda assim, se o assunto é números aparentemente inatingíveis, o valor máximo foi registado nessa mesma semana quando os termómetros chegaram aos 49,8 graus na localidade de Eucla, na Austrália Ocidental, batendo assim o valor de 1972, com 49,5 graus em Birdsville, Queensland.
O calor diminuiu entretanto, mas não o suficiente para acalmar o fogo. É que em Camberra, a capital, a temperatura média continua a ser de 40,5 graus.
A juntar às temperaturas altas está o tempo seco, denominador comum a todo o país desde 2017. Aliás, são algumas das zonas mais secas que estão atualmente em chamas.
País em estado de emergência
A 19 de dezembro, o estado mais populoso da Austrália, Nova Gales do Sul, declarou estado de emergência, numa altura em que estavam ativos 100 focos de incêndio, metade deles totalmente fora de controlo.
Agora, a 2 de janeiro, o alerta volta a soar. A chefe do Governo estadual de Nova Gales do Sul, Gladys Berejiklian, declarou um estado de emergência de sete dias. É que, aparentemente, o pior ainda está para vir. "Há uma forte possibilidade de que as condições no sábado sejam tão más ou piores do que as sentidas na véspera de ano novo”, explica o comissário do serviço de combate a incêndios rurais de Nova Gales do Sul, Shane Fitzsimmons.
Os alertas de agravamento das condições meteorológicas levaram milhares de turistas a fugirem esta quinta-feira das zonas turísticas da costa leste. As autoridades ordenaram mesmo os turistas a abandonar uma extensa área ao longo da costa e afirmam ser a "maior deslocalização em massa de pessoas" para fora desta região.
Este alerta serve para facilitar as deslocações forçadas e o encerramento de estradas. "Não tomamos esse tipo de decisão de ânimo leve, mas queremos garantir que são tomadas todas as medidas necessárias para nos prepararmos para o que pode ser um sábado horrível", explicou Gladys Berejiklian.
As autoridades apelaram para que as pessoas saíssem das áreas assinaladas antes de sábado, dia em que se esperam fortes rajadas de vento e temperaturas altas.
A evacuação da área não turística será "a maior de todos os tempos na região", disse o ministro dos Transportes da Nova Gales do Sul, Andrew Constance, em declarações à ABC. Prova disso são as longas filas de trânsito que se formaram na autoestrada em direção a Sidney. Um condutor, em declarações à AFP, disse que levou mais de três horas a percorrer 50 quilómetros.
Mas há também quem escape pela água. Duas mulheres filmaram e publicaram no Twitter um vídeo no qual mostram o momento em que usaram um caiaque para fugir ao fogo.
Destruição total
Os incêndios na Austrália já queimaram mais de cinco milhões de hectares em todo o país desde setembro e pelo menos 18 pessoas morreram e mais de 1.300 casas foram destruídas.
Segundo as autoridades, pelo menos 381 habitações foram já destruídas pelos incêndios só nos estados de Nova Gales do Sul e de Vitória, onde continuam ativos mais de 200 fogos. Cerca de 50 mil casas estão sem eletricidade na costa sul de Nova Gales do Sul, o estado mais afetado.
A devastação é total e, ainda que não tenha sido ainda feita uma correlação direta entre os incêndios e as alterações climáticas, a verdade é que a realidade vem confirmar aquilo que os cientistas têm vindo a prever: os incêndios na Austrália serão mais frequentes e mais intensos à medida que o clima muda.
A Austrália é já normalmente quente e seca no verão, mas as mudanças climáticas, que trazem períodos mais longos e mais frequentes de calor extremo, pioram essas condições e tornam a vegetação mais seca e com maior probabilidade de fogo.
Em todo o mundo, são várias as reações que relacionam a catástrofe a uma mudança do clima. “Com a Austrália a arder e o Ártico a derreter, é claro que estamos numa emergência climática”, escreveu Hillary Clinton no Twitter. Já Greta Thunberg, que também tem usado a mesma rede social para partilhar imagens da tragédia, criticou a postura do primeiro-ministro australiano, Scott Morrison.
A ativista escreveu: “Mesmo desastres como este não parecem despertar ação política". Dias depois, o responsável político responde: “Não me cabe fazer comentários sobre o que pessoas de fora da Austrália acham que a Austrália deve fazer. Na Austrália, faremos o que acreditamos que é apropriado para a Austrália, e esse tem sido sempre o princípio pelo qual me guio. Não estou aqui para tentar impressionar as pessoas de fora”.
Scott Morrison já veio também a público desculpar-se por ter ido de férias com a família para o Hawai durante os incêndios. Ainda assim, não foge às críticas quanto à orientação energética que o país assume, muito ligada à indústria do carvão. A Austrália produz um terço do carvão consumido no mundo e o primeiro-ministro não parece querer baixar esse lugar no pódio. "O que não faremos é adotar medidas destruidoras de empregos e da economia”, disse, lembrando que as alterações climáticas são “tão importantes agora” como eram antes dos incêndios.