Miguel tem seis anos e sempre foi saudável. É uma criança muito bem disposta, jogava à bola num clube da cidade de Faro e fez todas as atividades próprias de um miúdo da sua idade.
Contudo depois de, em novembro de 2020, se ter começado a queixar de alguns problemas de saúde, em dezembro surgiu o diagnóstico de uma doença grave e rara — Miguel sofre de síndrome mielodisplásica e só um transplante de medula óssea o pode salvar.
"No final do mês de novembro o Miguel começou a queixar-se com algumas dores na boca e nós reparámos que dentro da boca ele tinha umas manchas. Na altura, ele fez um pico de febre isolado, depois voltou a fazer febre ao fim de dois dias", começa por explicar à MAGG Sandra Caeiro, referindo que levou imediatamente o filho ao pediatra e que o diagnóstico lhe parecia de uma infeção viral, ou seja, bastava tratar os sintomas e aguardar. No entanto, o pediatra que o assistiu nessa altura ouviu-lhe um ligeiro sopro cardíaco que podia estar relacionado com essa infeção geral e disse a Sandra que seria melhor ser reavaliado mais tarde.
Entretanto a infeção passou, a febre desapareceu, as lesões na boca começaram também a desaparecer, mas ao fim de pouco mais de uma semana o Miguel começou-se a queixar de dores no ouvido. "Voltámos ao pediatra, o Miguel voltou a fazer febre e tinha uma otite para a qual foi medicado. Mas o pediatra voltou a ouvir o sopro que tinha ouvido na primeira observação e achou que era melhor ele ser avaliado por alguém que percebesse melhor do assunto em concreto."
Foi nesta altura que Miguel foi visto por outro pediatra que lhe fez uma ecografia cardíaca e que lhe pediu mais análises. Desde o início das manchas até este momento passou-se quase um mês entretanto Miguel queixava-se também de cansaço. À MAGG, Sandra conta que, quando regressava da escola e nos dias em que tinha educação física, Miguel dizia que não conseguia correr, pois mesmo antes de começar a fazê-lo já estava cansado. "Aquilo despertou-me um sininho e foi logo uma das coisas que referi ao médico, até porque nesse dia subimos um lance de escadas e ele pediu-me para eu ir ao ritmo dele."
Os resultados das análises chegaram em cinco dias e mostravam uma grande percentagem de células cancerígenas. No dia em que receberam estas notícias, Miguel ficou de imediato no internamento a fazer transfusões de sangue, visto que tanto as hemoglobinas como as plaquetas apresentavam valores muito baixos, o que justificava o cansaço referido. Não demorou até ir para o IPO de Lisboa, suspeitando-se da existência de um diagnóstico de leucemia.
Depois de todos os exames realizados para confirmar de que tipo de leucemia se tratava, mais uma surpresa. "Não era nenhum dos tipos de leucemia, nem era a linfocítica nem a mieloide. O diagnóstico é o temos agora e é o de que o Miguel sofre de um síndrome mielodisplásica. Não é a leucemia convencional, o que faz com que para o problema do Miguel não haja tratamento com quimioterapia", explica Sandra, referindo que somente um transplante de medula o pode salvar.
No dia em que partiram para Lisboa, Sandra e João Caeiro tiveram de arranjar uma forma de explicar ao filho o que se estava a passar. "Disse-lhe que naquelas análises que ele fez, percebemos que o sangue dele estava fraquinho e que tínhamos de ir tentar perceber o que estava a acontecer na fábrica, no sítio onde era produzido aquele sangue. Depois fomos para Lisboa e fizemos aquelas análises que nos mostraram que os senhores que trabalham na fábrica não estão a trabalhar como deve de ser e, portanto, precisamos de arranjar alguém que tenha uma fábrica igual à dele para tirarmos todos os senhores e máquinas da fábrica dele e pormos lá um bocadinho da fábrica da outra pessoa para crescer e para começarem a funcionar bem. E que, até lá, temos de vir fazer estas análise e pôr no sangue dele aquilo que a fábrica dele não produziu", conta Sandra à MAGG.
A síndrome mielodisplásica consiste numa alteração maligna da medula óssea que atinge as células precursoras das células sanguíneas. "É uma patologia bastante rara em crianças o que faz com que os estudos sejam poucos", explica a mãe de Miguel, enfermeira de profissão. Atualmente, Miguel encontra-se a ser seguido no Hospital de Faro e no IPO de Lisboa. Os tratamentos não representam a cura, apenas servem para tentar fazer com que a doença não progrida — neste caso, para uma leucemia mieloide aguda — até ao momento em que seja possível encontrar um dador compatível.
Têm sido semanas duras para os pais que, desde o primeiro momento, tentaram apelar à dadiva através das redes sociais, onde criaram uma página própria com o nome "Todos com o Miguel" e onde têm vindo a partilhar todas as etapas pelas quais vão passando. Apesar da grande onda de solidariedade que se tem gerado e de terem sido várias as pessoas que se inscreveram como dadoras de medula depois de terem conhecimento da situação, Miguel ainda não conseguiu encontrar nenhum dador compatível.
A grande esperança dos pais, Sandra e João, estava no irmão, Francisco de 2 anos, cuja probabilidade de ser compatível era a mais elevada entre os familiares. Contudo, a má notícia chegou no passado dia 22 de janeiro quando perceberam que não havia essa compatibilidade. "Nós estávamos preparados para essa notícia, e por isso é que também não esperei por este resultado para começar a apelar à dadiva. A probabilidade era pequenina, sabíamos disso, mas havia ali uma esperança, claro. Para nós isso, neste momento, seria assim a melhor das noticias que nos poderia chegar", refere Sandra.
"Na semana passada ele perguntou-me: 'mãe, com esta doença que eu tenho eu posso morrer?'."
Apesar de ter apenas seis anos, Miguel vai-se apercebendo do que se está a passar à sua volta e não gosta muito de falar sobre o assunto, utilizando também o silencioso como mecanismos de defesa. "Todas as manhãs pergunta: 'Mãe, com o que é que eu vou ter de me preocupar hoje?'. Porque ele queria organizar na cabeça dele o que o esperava, visto que sabia que vinha aí uma série de coisas novas e assustadoras", conta Sandra.
Apesar de tentar explicar sempre tudo ao filho, Sandra confessa que houve uma pergunta à qual não conseguiu responder. "Na semana passada ele perguntou-me 'mãe, com esta doença que eu tenho, eu posso morrer?', não fui capaz de lhe dar uma resposta então disse-lhe que prometia que íamos curar a doença e ele respirou de alívio."
Caso não apareça nenhum dador com compatibilidade elevada, a última opção será recorrer aos pais, ainda que os riscos para o Miguel sejam elevados devido à compatibilidade ser pouca, pois quanto menor for a compatibilidade entre o dador e o recetor, maior a probabilidade e existir uma recidiva da doença e das complicações do transplante acontecerem. "O transplante da medula é um procedimento de risco muito grande para o doente. O que eles terão de fazer é colocar o Miguel em isolamento, fazer um tratamento de quimioterapia e radioterapia intensivo para eliminar todas as células da medula, ou seja, ele vai deixar de produzir sangue, ficando sem defesas nenhumas. Portanto as complicações que podem vir daí podem ser sempre assustadoras. Assim, se for um dador com uma compatibilidade pequena o que a acontece é que temos de fazer uma medicação muito mais intensiva depois do transplante para ir eliminando aquilo que o corpo dele vai produzir para reagir contra a não compatibilidade", explica Sandra.
"A vida do Miguel depende de alguém e nós precisamos de encontrar esse alguém."
Apesar do transplante ser um procedimento de risco para o doente, para o dador não acarreta qualquer complicação. "Há duas formas possíveis de fazer a doação. Pode ser através de uma pequena intervenção cirúrgica em que é colhido da medula uma pequena amostra, ou então através de uma espécie de uma dádiva de sangue em que a pessoa tem de fazer umas injecçõezitas de crescimento das células para aumentar a produção que depois, através de uma dádiva de sangue, vai passando pelas máquinas, conseguindo-se a transfusão da medula. Qualquer um dos procedimentos não acarreta risco nenhum para o dador e no dia seguinte está pronto para voltar à sua vida normal", esclarece Sandra referindo que quando inscritos no banco de dadores, podem ser chamados a qualquer momento para salvar uma vida que não será apenas a do Miguel, visto que não é possível fazer uma dádiva para uma pessoa específica a não ser um parente próximo.
Depois de ter feito o primeiro post no Facebook, foram milhares as partilhas, mensagens de força e pessoas que se dirigiram aos serviços de sangue. "Eu não fazia ideia que tinha tantos amigos".
Sandra e o marido esperam em breve conseguir encontrar um dador compatível para o filho e apelam à ajuda de todos. "Peço às pessoas que se vão inscrever como dadoras porque a vida do Miguel depende de alguém e nós precisamos de encontrar esse alguém."
Para ser dador basta ter entre os 18 e os 45 anos, peso mínimo de 50 quilos, altura superior a 1,50m, ser saudável e nunca ter recebido transfusões após 1980. Para se registar basta preencher um impresso após tirar uma pequena amostra de sangue. Contudo, esta deverá ser uma decisão voluntária e consciente pois uma vez na lista poderá ser chamado a qualquer momento para ajudar a salvar a vida de alguém até aos 55 anos de idade.
Saiba onde se pode tornar dador se medula óssea.
Centro de Sangue e da Transplantação de Lisboa
Contacto: 217 921 000
Horário: 2ª a Sábado (8h às 19h30) e domingo( 8h às 14h30)
Hospital do Barreiro
Contacto: 212 147 340
Horário: 2ª a 4ª (9h às 12h)
Setúbal – Hospital de São Bernardo
Contacto: 265 549 049
Horário: 2ª a 5ª (11h às 13h)
Hospital de Abrantes
Contacto: 241 360 700
Horário: - 3ªs e 4ªs (9h às 13h)
Hospital de Évora
2ª a 6ª feira
Entre as 9h00 e as 13H00 e as 14h00 e as 16h00
Hospital de Faro
Contacto: 289 891 275
Horário: 2ªs feiras (08h30 às 12h)
Centro de Sangue e da Transplantação de Coimbra
Contacto: 239 791 070
Horário: 2ª a Sábado (8h às 19h30)
Centro de Sangue e da Transplantação do Porto
Contacto: 225 573 740
Horário: 2ª a 6ª feira (8h00 às 16h00)
Hospital Central do Funchal
Contacto: 291 705750
Horário: das 9h às 13h
Hospital do do Divino Espírito Santo, Açores
Serviço de Hematologia