Quando era adolescente recebia 100€ de mesada. Gastava tudo, mas conseguia sobreviver até ao mês seguinte. Quando começou a trabalhar, apesar de o valor subir, aconteceu exatamente o mesmo. O ordenado agora já é maior, mas o padrão não se alterou. Todo o dinheiro que recebe, mesmo que seja o dobro daquele que recebia há dois anos, é o necessário para viver — porque agora já não vai à tasca, prefere o fine dinning; já não bebe a cerveja, habitou-se ao gin tónico com pétalas de rosa.
Chama-se a isto o princípio do chapa ganha, chapa gasta, aquele em que é o estilo de vida que se ajusta aos rendimentos. “É interessante porque nos ajustamos àquilo que recebemos. Precisamos sempre desse valor, mesmo que ele aumente”, nota Bárbara Barroso, a especialista e coach financeira com quem a MAGG falou para perceber de quanto é precisamos para viver em Lisboa, sem estarmos sempre a pensar em dinheiro. Fomos à procura de um valor (já lá vamos), mas isso não basta.
Antes, é necessário aplicar uma série de boas práticas financeiras, aquelas que são fundamentais para que consiga viver acima da lei da sobrevivência. Ou seja, reservando parte dos rendimentos para lazer e para a poupança.
Fazer um diário, controlar as despesas e aumentar os rendimentos. Dicas para poupar
Uma das regras será, naturalmente, não viver segundo o princípio em que o estilo de vida se ajusta aos rendimentos. É difícil, sobretudo quando a cabeça associa o termo poupança à restrição. Mas não. Basta pensar de forma mais realista: poupar significa consumo futuro. “Em vez de consumir agora, estou a adiar para consumir lá à frente”, diz a fundadora do MoneyLab.
Mas, até mesmo para poupar, há que fazer trabalho de preparação. Não basta pensar em pôr o dinheiro de parte — tem de ter um panorama concreto na sua mente. Por isso, durante um mês, aponte todas as suas despesas, desde a renda, à conta da luz, café, bolo ou até parquímetro. “As pessoas consideram muito aborrecido, mas esta é a única forma de sabermos onde é que estamos, fundamental para sabermos para onde é que vamos”, diz. “Às vezes as pessoas acham que não têm forma de poupar, mas há coisas que parecem completamente indiferentes que nos permitem poupar imenso.”
Aqui deve ter atenção às tecnologias e subscrições. É que vivemos num tempo em que já não vemos o dinheiro sair, o que nos faz esquecer que o gastámos. São os Ubers, é a Glovo, são as compras online, Spotify premium, Netflix, HBO — que, tudo somado, ainda resulta numa boa quantia. Manter este registo é crucial para que sejamos conscientes dos nossos gastos.
Depois disto, “quando souberem quanto é que gastam e como é que gastam”, devem aplicar aquilo que são as boas práticas financeiras. “De acordo com estes princípios, para se ser considerado financeiramente saudável, as pessoas deviam poupar metade dos seus rendimentos”, diz.
No entanto, tendo em conta o panorama de Lisboa, onde há um desequilíbrio entre as rendas das casas e os ordenados da população, não conseguindo apontar a poupança para os 50%, deverá apontar para os 20%. “Se eu tiver 1000 euros de despesas, tenho de ter um rendimento que me permita pagar isso e por ainda 20% de parte. O ideal seria ter o dobro. Dá trabalho, mas consegue-se.”
Tendo o retrato real das despesas pode começar a pensar em soluções e a planear. E não precisa de viver sem um mimo de vez em quando: “Eu posso contemplar 50€ para comprar sapatos, desde que ele caiba no orçamento."
E agora está a pensar: “Mas nunca sobra nada ao final do mês”. É por isso que precisa de fazer o tal diário. E mais: há que considerar os dois lados da equação, isto é, as despesas e as receitas. “Temos de mexer num lado ou no outro. Podemos reduzir nas despesas, mas também podemos aumentar nas receitas”, explica. “Toda a gente pensa em cortar e ninguém pensa no aumento dos rendimentos.”
Segundo Bárbara Barroso, há formas de ganhar dinheiro extra: além da possibilidade de ter um part-time (que até pode ser feito remotamente, através da internet), pode considerar vender coisas que tenha em casa, desde roupa, a móveis, tecnologias, tudo coisas que não lhe fazem falta — até porque “quanto mais minimalista for a vida, mais fácil é poupar e viver confortável."
Mas e a vida em Lisboa?
Há más práticas financeiras, comuns a uma grande fatia da população. Mas depois há também estruturas que denotam um desequilíbrio imenso, que não facilitam a tarefa de poupar e conseguir viver de forma autónoma e confortável. A capital portuguesa é um exemplo disso.
“Viver em Lisboa com o ordenado mínimo é muito difícil, para não dizer impossível”, diz. “Basta olhar para os preços das rendas. E, depois, mesmo que vamos viver para longe, para fora da cidade, acabamos por gastar esse mesmo dinheiro nos transportes."
Lisboa é uma cidade cada vez mais cosmopolita. "É muito bonito, mas sai caro, porque, de repente, viver nesta capital começa a equipar-se a pagar o preço das rendas de outras cidades europeias, só que os salários não acompanham esse crescimento.”
Falar em vida confortável e autónoma em Lisboa — o que inclui os tais 20% de poupança mensal — é um desafio. O dinheiro necessário para pagar renda, contas, alimentação, transportes e ter ainda algum reservado para lazer e poupar varia muito — uma pessoa solteira terá um valor, um casal outro, uma família com um, dois ou três filhos também.
Ainda assim, tendo em conta os dados divulgados pelo Ministério do Trabalho, em 2017, referentes a 2016, que dizem que os portugueses que trabalham na área da Grande Lisboa recebem em média 1.388€ por mês (mais 280,63€ face à restante média dos portugueses), a especialista aponta um valor “para se viver confortável e de forma autónoma, o que inclui momentos de lazer como viagens e jantares”.
Bárbara Barroso diz que 1.500 a 2.000€ serão o mínimo e o suficiente para uma pessoa sozinha conseguir viver em Lisboa sem estar obcecada com dinheiro — o que não quer dizer ser displicente e poder viver segundo a lei do chapa ganha, chapa gasta.
“Tendo por base estes valores do Ministério do Trabalho (que são referentes a 2016 e desde então muita coisa mudou), para que a pessoa consiga poupar entre seis meses a um ano do valor das despesas, deverá receber entre 1.500 a 2.000€.”
Mas há um senão, relacionado com o valor dos vencimentos face ao preço das casas. A autonomia e conforto com estes valores — que ultrapassam a média daquilo que os portugueses de Lisboa recebem — devem passar por partilhar casa com alguém, seja amigo ou namorado. “É muito difícil uma pessoa sozinha em Lisboa conseguir pagar uma renda sozinha.”
De acordo com dados da Confidencial Imobiliário — referentes ao terceiro trimestre de 2018 — cada metro quadrado num T2 custa, em média, 12,4€, sendo que, num T3, se paga, em média, 11,7€ por metro quadrado. Um T1 custa, em média 14,4€ por metro quadrado. Ou seja, um apartamento com 40 metros quadrados custará cerca de 576€ por mês e um com 70 metros quadrados ultrapassará os mil euros.
Depois, há ainda a questão dos ordenados. Os 1.388€ correspondem apenas a uma média, o que significa que há pessoas a receberem menos — sobretudo, se considerarmos que o ordenado mínimo português é de 600€. Portanto, além de partilhar casa, será importante tentar fazer rendimentos extra, utilizando algumas das estratégias sugeridas pela coach financeira: destralhar a casa, vender aquilo que está em excesso, fazer uma vida mais minimalista e procurar soluções online para empregos a part-time, por exemplo. Sem esquecer o primeiro passo de todos: ver onde é que gasta para saber onde é que pode poupar.
Com filhos este valor muda e aumenta, claro. "Considerando que os dois pais recebem vencimentos dentro deste intervalo de valores, a maior diferença, além da alimentação, será na escola, ou seja, se a opção recair num estabelecimento de ensino público ou privado", acredita Bárbara Barroso.