Quando o pai morreu, o francês Stéphane Allix decidiu fazer uma experiência. Por culpa da morte precoce do irmão, este ex-repórter de guerra e jornalista na área do tráfico de droga e terrorismo, já andava há anos a estudar a eterna questão da vida depois da morte. Por isso, deixou seis objetos (um pincel, um tubo de tinta acrílica branca, a sua bússola, uma edição de bolso do livro "O Deserto dos Tártaros", de Dino Buzzati, e um bilhete) no caixão do pai. Garante que mais ninguém no mundo sabia que ali estavam.
Conversou com o corpo e com aquilo que poderia estar acima dele e explicou-lhe: iria visitar seis médiuns reputados e confirmar se, de facto, continuamos a existir depois de morrer, mas, sobretudo, compreender como funcionam os processos de comunicação entre aqueles que ficam e os que vão. Seria um médium capaz de descobrir quais os objetos que tinha lá posto?
Mais do que nunca, o autor acredita que a vida depois da morte é uma hipótese racional, afastada da magia e da bruxaria, e as conclusões da experiência que fez apontam nesse sentido. E é sobre isso que escreve em "A Prova", o livro que narra todo este processo, acrescentando informação relevante sobre o que a ciência, sobretudo no campo da neurociência, já sugeria. Depois de ter sido publicado em 2015, chega agora às livrarias a edição portuguesa (Clube do Autor), motivo que nos levou à conversa com o Stéphane Allix.
Comecei a trabalhar neste campo com médicos, clínicos, neurocientistas e, passo a passo, descobri que a hipótese da vida depois da morte não é assim tão estúpida"
Como surgiu a ideia de juntar os objetos ao caixão do seu pai?
Quando o meu pai morreu, em 2013, eu já estava a investigar há muitos anos, a vida depois da morte. Antes, eu era correspondente de guerra, era jornalista e fazia investigação em terrorismo e tráfico de droga, principalmente na Ásia Central. Perdi o meu irmão num acidente de carro, em 2001, no Afeganistão. Mantive o meu método de trabalho, mas, depois disto, alterei o objeto da minha investigação. Comecei a estudar o que é a vida, o que é a morte, o que é a consciência, as experiências quase morte — quando as pessoas por causa de um acidente de carro ou de um ataque cardíaco no hospital dizem que saíram do seu corpo, que se viram por cima dele, que viram um túnel de luz. São alucinações ou o início da vida depois da morte? Comecei a trabalhar neste campo com médicos, clínicos, neurocientistas e, passo a passo, descobri que a hipótese da vida depois da morte não é assim tão estúpida. Era, na realidade, uma questão muito pertinente para investigar. E foi o que fiz.
Quando o meu pai morreu, eu já sabia que era muito racional colocar a hipótese de que ele tinha ido para outro sítio. No dia do funeral, aproximei-me do caixão sem que ninguém me visse, comecei a falar com ele, como se ele lá estivesse a ouvir. Depois, falei com o vazio acima do corpo dele e expliquei o que é que queria fazer: uma espécie de experiência científica, em que ia esconder objetos no caixão e ir a vários médiuns para ver se eles saberiam do que eu tinha feito. Eu já os tinha estudado: sabia que algumas pessoas conseguiam comunicar com o espírito de pessoas mortas, sabia que conseguiam receber de uma forma muito pouco convencional informação muito precisa, afirmando que a tinham recebido de quem já tinha falecido.
Ele acreditava na vida depois da morte?
O meu pai não era crente. Ele foi educado segundo a tradição cristã, como quase toda a gente na Europa, mas ele não era crente. Ele não acreditava na vida depois da morte. Ele era intelectual, era curioso, uma mente aberta, mas não acreditava que tal fosse possível.
O que é que acha que provou com este livro?
Eu já tinha estudado os médiuns e quis tornar claro que um médium é uma pessoa que é capaz de receber informações muito, muito precisas de alguém que nunca conheceu. Algumas experiências científicas já tinham sido feitas e demonstraram isto. Por exemplo: pediu-se a um médium que comunicasse com os mortos ligados a uma pessoa que não conhecia, que nunca tinha visto, que nem sabia se era homem ou mulher e que estava num quarto ao lado. Conseguiram mostrar que aquele médium, que estava num contexto muito limitado, conseguiu dar informações muito concretas e detalhadas sobre aquele morto, como a profissão, a forma como tinha morrido ou ainda outros pormenores da sua vida. Aquela pessoa, em 30 ou 45 minutos, foi capaz de dar 30, 40 ou 50 informações muito concretas, que não podiam resultar de coincidência ou de outra forma convencional.
Como é que se explica isto?
Temos duas opções: ou o médium está a falar com a pessoa morta ou o médium está a receber esta informação através de perceção extra-sensorial, aquilo a que chamamos de sexto sentido. Cientificamente, não conseguimos provar qual dos dois explica o fenómeno. Por isso é que, no teste que descrevo no livro, a primeira coisa que quis mostrar foi como é que decorre o processo nas sessões médium. Também pergunto aos médiuns como é que eles sabem se estão a falar verdadeiramente com uma pessoa falecida ou se estão a receber informação via esta espécie de sexto sentido — que não iria requerer a presença da pessoa morta.
Resultado: os médiuns descrevem a presença de alguém, de uma pessoa verdadeira, invisível para nós, mas visível para eles. Esta pessoa é capaz de lhes dar informação. Às vezes, quando o médium comete um erro, quando não está a fornecer uma informação correta dada pelo morto, este pede-lhe que corrija. Portanto, não tem que ver com aquilo que sabemos sobre o sexto sentido.
Ou seja, este livro é tanto uma prova de que os médiuns conseguem obter informação muito detalhada (os objetos no caixão, mas muitos pormenores sobre a vida do meu pai e de outros familiares), como também descreve a forma como os médiuns falam e comunicam com o outro reino.
O que acontece quando morremos?
A vida depois da morte parece duas coisas: que nada muda e que tudo muda. Nada muda, no sentido em que não mudamos quem somos. Morremos com a mesma pessoa psicológica que somos na nossa vida. Mas também há uma espécie de metamorfose: dissolvemo-nos e tornamo-nos em seres não físicos, fugimos do espaço e do tempo. Muda muita coisa na forma como percecionamos o ambiente à nossa volta. E parece que toda a nossa atividade mental — medo, expectativa ou imaginação — passam a desempenhar um papel menor na forma como percecionamos o ambiente. Mas ainda percecionamos coisas, como a luz, outros seres, pessoas que parecem ser da nossa família e que nos dão as boas vindas no mundo da morte. É perigoso resumir, porque ao fazê-lo, cometemos erros na descrição da diversidade deste sítio em que entramos. É muito difícil fazê-lo em poucas frases, portanto aconselho os leitores a lerem o livro.
Para onde vamos depois da morte física?
Novamente, é um sítio, mas não é um sítio físico. É um sítio fora do espaço e do tempo, que não é fácil descrever por palavras. Há uma coisa que me impressionou muito quando comecei a investigar isto, há muito anos. Quando entrevistei pessoas que tinham tido experiências de quase morte — e tido o encontro com a luz, com o amor e com algo muito transcendental — nenhuma foi capaz de encontrar palavras para descrever aquilo por que tinham passado. Era demasiado grande, demasiado forte, uma coisa cheia de amor. Por isso, não posso descrever o sítio para onde vamos. Nós sobrevivemos à morte. Hoje estou absolutamente convencido de que há vida depois da morte, mas acho que dificilmente se consegue descrever o que é e onde é. Mas é.
O que acontece à nossa individualidade?
É uma questão enorme. Acho que parte da nossa individualidade está ligada à nossa vida física, à nossa existência física. Noutras tradições — no budismo, no xamanismo, por exemplo — diz-se que quando morremos mudamos e tornamo-nos mais em quem de facto somos. Parece que a individualidade — como a minha, a sua, como a das pessoas que estão agora a ler esta entrevista — é uma espécie de concha, uma máscara, um fato, que usamos e que nos identifica. Mas quando morremos, é como se fôssemos para fora deste fato. Por isso, a individualidade é uma espécie de limite posto a quem de facto somos.
Podemos, então, comunicar com familiares falecidos?
Claro. É o que foi demonstrado pelos médiuns e por experiências que foram observadas. Por exemplo, no meu último livro ("Après"), que é uma espécie de follow-up de "A Prova", fui ver pessoas que comunicavam com pessoas mortas. Portanto, a parte médium é só um aspeto. A comunicação entre o reino da vida e da morte é algo muito mais comum à nossa volta. O problema é que na nossa sociedade não acreditamos nisso e achamos que é uma questão de crença, o que faz com que não escutemos as pessoas que têm este tipo de experiência. E, não ouvindo as pessoas que têm esta experiência, achamos que estas ligações não existem. Mas, quando nos abrimos, quando nos tornamos disponíveis para ouvir, as coisas mudam. A maioria das pessoas, quando perde um filho, um marido ou uma mulher, têm experiências estranhas, em que parece continuar a haver uma espécie de ligação, uma conexão, entre nós e a morte. É aquilo a que se chama de sinal, sentimento de presença. Às vezes, ouvimos palavras na nossa cabeça. Vemos as pessoas, sentimos a sua presença e alguns seres humanos — como os médiuns que testei — são capazes de ouvir uma frase longa e de receber muita informação dos mortos. Portanto, sim, podemos comunicar com os mortos.
A perceção do médium é como um sonho: muito frágil, muito subtil. Portanto, os nomes, os números, a informação conceptual é muito muito difícil de conseguir"
Fala em bons e maus médium. O que é que os distingue?
Para mim, um bom médium é alguém capaz de distinguir muito claramente a imaginação da perceção. E este é o grande problema dos médiuns, porque o médium é um ser humano, portanto também tem um cérebro, que está a funcionar, independentemente daquilo que esteja a fazer. Quando nso lembramos, por exemplo, de alguma coisa que aconteceu esta manhã, estamos, ao mesmo tempo, a imaginar coisas, a ter um desejo, uma ideia. Os médium não são exceção, portanto, no decorrer de uma conversa com uma pessoa falecida, eles são interrompidos, sem consciência disso. São interrompidos pelos seus pensamentos, imaginação, receios.
Um bom médium será, portanto, aquele capaz de estar sempre a questionar aquilo que está a receber. Além disso, um bom médium é alguém humilde, que não está demasiado certo de si mesmo. Às vezes, vejo pessoas absolutamente certas de que estão a comunicar com pessoas mortas, com muitas certezas. Mas quando as testo, vejo que não são, de todo, capazes de comunicar com os mortos. Estão só a acreditar que conseguem, mas na realidade não conseguem.
Outra coisa: um bom médium também é aquele que pratica este trabalho durante muitos anos. Se o fizerem só durante algum tempo e pararem, não podem ser bons médiuns, porque se afastaram da área. Um médium que trabalhe há já 30 anos, provavelmente é bom, porque as pessoas validaram o seu trabalho e consultaram-no. Mas não é fácil distinguir os bons dos maus, porque, à partida, quando consultamos um médium, estamos tão feridos, tão tristes com a morte de alguém, que queremos mesmo que a sessão funcione. Assim, neste contexto, mesmo que o médium não esteja a fornecer grandes detalhes, convencemo-nos de que foi uma boa sessão. É muito difícil e uma questão chave. Por isso é que também dou alguns conselhos sobre isto no final do livro.
Porque é que, apesar de informações muito detalhas, os médium têm mais dificuldade em transmitir nomes ou números?
A parte do cérebro do médium que recebe a informação não é a mesma que usamos para verbalizar e analisar conceitos. Ou seja, um médium a percecionar alguma coisa é o equivalente ao que nós percecionamos quando sonhamos: quando acordamos, mas ainda não nos mexemos e não abrimos os olhos, conseguimos lembrar-nos do sonho que estávamos a ter, mas assim que abrimos os olhos o sonho desvanece-se e esquecemos de 15%. A perceção do médium é assim: muito frágil, muito subtil. Portanto, os nomes, os números, a informação conceptual é muito difícil de alcançar. A maioria das vezes o médium consegue percecionar o sentimento, sensação física, imaginação e por vezes palavras, mas as palavras com muitas letras são as mais difíceis. Por isso, de forma a conseguir obter o nome da pessoa falecida — o que é possível e acontece — , o médium tem de ter o cérebro completamente desligado para que o nome possa surgir rapidamente.
Fala em evidências cientificas muito fortes sobre as capacidades dos médiuns e da vida depois da morte.
Logo no início do livro refiro diferentes experiências realizadas com médiuns, nomeadamente pelo psiquiatra Gary Schwartz do Arizona ou por Julie Beischel, que ainda trabalha nesta área. Estas duas pessoas fizeram muitas investigações sobre médiuns. Testaram vários, de formas diferentes, publicaram artigos científicos que podem ser encontrados online. Também há outras pesquisas. É um conjunto mesmo gigante. Na verdade, é sobre isso que estou a escrever agora.
Hoje acreditamos na ciência como há cinco mil anos acreditávamos em deus. Nós não nos apercebemos de que acreditamos na ciência e não nos apercebemos de que a ciência não é a única e mais objetiva forma de nos relacionarmos com a realidade"
Se está cientificamente provado, porque é que não é unanimemente aceite pela sociedade que a vida depois da morte e o contacto com os mortos é uma realidade?
Há diferentes razões. A sociedade ocidental é maioritariamente materialista. Nós fomos por um caminho em que os sinais e a validação cientifica se tornaram no único modelo de relação com a realidade e com o mundo. Tudo o que não pode ser testado ou replicado num laboratório não é suposto ser verdadeiro. O peso atribuído à ciência só foi possível devido à luta contra a religião e contra as crenças. A ciência ganhou esta guerra. Esta ideia de um reino espiritual onde estão os mortos está ligada à realidade espiritual, que é algo que tem sido destruído pela abordagem cientifica há uns séculos.
Hoje acreditamos na ciência como há cinco mil anos acreditávamos em deus. Não conseguimos ver que a ciência não é a única e mais objetiva forma de nos relacionarmos com a realidade. Vários sociólogos estudaram isto e é muito interessante. Foi o que, como jornalista, mais me surpreendeu quando comecei a estudar este assunto, que se considera do campo do sobrenatural. Comecei por achar tudo uma treta, porque o sobrenatural não é suposto ser real. Mas, para grande espanto meu, ao começar a investigar, percebi que era verdadeiro. E havia muitos cientistas a trabalharem neste tema.
Outro ponto importante: a ciência não consegue provar que não há vida depois da morte, mas também é incapaz de explicar porque é que as pessoas têm experiências de quase morte, porque é que pessoas conseguem receber informação tão detalhada sobre outras pessoas que já morreram, e tantas outras coisas sobre esta realidade. Mas é um sistema de crenças e é um sistema de crenças muito forte na sociedade atual.
Acontecendo, o contacto com os mortos pode ser perigoso?
Acho que pode ser perigoso do ponto de vista psicológico, porque quando perdemos alguém e estamos no processo de luto, temos de passar por diferentes etapas para conseguirmos algum alívio. Quando perdemos um filho ou um marido, eles vão para outro sítio, acredito fortemente nisso. Nunca mais vamos ver essa pessoa, tocar-lhe ou cheirá-la, porque ela está morta.
Portanto, o processo do luto requer que saremos lentamente a ferida, a que foi deixada no nosso corpo, no nosso espírito e na nossa mente. Se formos ver um médium todos os meses para tentar comunicar com este marido ou filho, estes processos acabam por nunca começar. Nunca passamos por eles. É como se se reabríssemos a ferida da morte a cada consulta. Em vez de ajudar, aumenta a dor, aumenta a ferida e ficamos desesperados e absolutamente tristes, mesmo anos após a morte do familiar. É por isso que no final de "A Prova", há uma entrevista a um psiquiatra que explica como é que o encontro com um médium pode ajudar no processo de luto, mas que também fala sobre como é que pode complicar este processo.