A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) está a intensificar o combate contra as práticas de medicina estética levadas a cabo por profissionais sem qualificação para tal. Isto porque, esta segunda-feira, 3 de julho, foi anunciado que teriam sido instaurados 90 processos-crime que incidiam sobre a realização destes procedimentos em clínicas, salões de beleza e cabeleireiros.
Isto acontece na sequência de uma operação de fiscalização, através da Unidade Nacional de Informações e Investigação Criminal, já que a "oferta deste tipo de procedimentos, sem qualquer qualificação médica para o efeito", é cada vez maior, avança a ASAE em comunicado, citado pelo "Diário de Notícias". A par dos processos-crime por usurpação de funções, terão sido apreendidos diversos dispositivos médicos, equipamentos e outros utensílios clínicos, acrescenta a mesma publicação.
Em causa está a administração de toxina botulínica (popularmente conhecida como botox) ou de ácido hialurónico, bem como a realização de outros procedimentos com recurso a técnicas invasivas, tais como os fios tensores para fins de harmonização facial, que são exclusivos dos profissionais da Medicina – estando, por isso, interditas a pessoas sem habilitação legal.
A batalha para travar estas práticas indevidas pode estar a ganhar pujança nos últimos tempos, mas a verdade é que "esta história não é recente", explica Ângelo Rebelo, cirurgião plástico, dono e fundador da Clínica Milénio. "Fazer coisas em locais não habilitados e por pessoas não habilitadas já é antigo", frisa, em entrevista à MAGG.
Aquilo que leva as pessoas a recorrerem a estes locais sem certificação passa por questões monetárias, já que "é mais barato", mas há uma dúvida que subsiste: como é que se conseguem obter as substâncias e materiais necessários, se deveriam ser vendidos apenas a médicos? "É uma questão muito interessante e já houve muitas teorias", responde o cirurgião, acrescentando que há quem tenha descoberto formas de "furar o sistema".
"Em relação à toxina butolínica, houve alguém que descobriu que se arranjava uma receita de um médico e ia à farmácia comprar um frasco daquilo", explica Ângelo Rebelo, não descurando as práticas de "contrafação e marcas brancas", que se encontram no mercado. "Depois, juntavam-se a não sei quantas amigas para dividi-lo e iam a um desses locais para procederem à aplicação", continua.
E o problema ganha uma dimensão ainda maior, uma vez que até já há cursos sem certificação para a aplicação de ácido hialurónico ou de toxina butolínica. "Não sei quem é que faz esses cursos, nem sei quem é que se habilita a esses cursos, mas isso vai um bocado fora do que é habitual", afiança o cirurgião, não descurando os perigos que estas práticas acarretam.
"As pessoas estão a pôr em risco a sua integridade física e a sua saúde"
Aquilo que está em causa são atos de responsabilidade médica, pelo que, quando realizados de forma indevida, "os riscos são imensos", diz Ângelo Rebelo. "Isto tem doses, zonas e formas de aplicação próprias, tem de ser feito em ambientes esterilizados, tem de ser utilizado material devidamente acético e a pessoa tem que ter uma formação", enfatiza.
No que ao preenchimento diz respeito, o perigo passa pela aplicação num local incorreto, originando granulomas. "São uma espécie de quistos que, muitas vezes, podem ser tratados com o antagonista do ácido hialurónico", se estivermos a falar de complicações ligeiras, aponta ainda.
No entanto, esta nem sempre é a realidade, uma vez que há casos que "só podem ser tratados cirurgicamente". Já para não falar das situações mais dramáticas, em que a pele pode "perder a circulação e morrer", fazendo com que se torne "muito grave para ser tratada".
No caso da toxina butolínica, que atua na musculatura, fazendo com que os músculos deixem de mexer para não se enrugarem, há inúmeras outras complicações a que se deve atentar. E vão de "paralisias de nervos que são atingidos e que não deviam sê-lo" a uma aplicação que culmina em "resultados mal alcançados, dando origem a assimetrias" na tez.
"É a estas complicações que as pessoas devem ter atenção. Há umas que podem desaparecer com o tempo e com tratamentos, mas há outras que são irreversíveis", diz Ângelo Rebelo, deixando um lembrete: quando se submetem a estes procedimentos recorrendo a profissionais sem habilitação, "as pessoas estão a pôr em risco a sua integridade física e a sua saúde".
O que se pode fazer para combater estas práticas?
As inspeções que a ASAE tem levado a cabo resultaram, até à data, em cerca de 90 procedimentos criminais e na apreensão de diversos dispositivos médicos, de equipamentos e outros utensílios usados na prática desta infração. De acordo com Ângelo Rebelo, este é um dos passos mais certeiros que se podem dar no sentido de evitar estas práticas ilegais.
Mas nem só com isto se vai travar esta batalha. "A outra medida mais importante é a prevenção", explica, acrescentando que"criar uma legislação específica" é primordial. Ou seja, esta legislação deveria ditar "quem é que pode fazer o quê", no que aos procedimentos diz respeito – e, em caso de incumprimento, deveria resultar em "graves penalizações", na opinião do cirurgião.
Contudo, trazer este tema para o seio da sociedade também pesa na balança, seja "através da comunicação social ou das redes sociais", afirma, lembrando que "há sociedades médicas que estão a fazer um trabalho interessante" nesse âmbito. É o caso da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética e Cosmética, que tem levado a cabo inúmeras iniciativas que visam alertar o público para o intrusismo médico.
De uma coisa Ângelo Rebelo tem a certeza: "Os profissionais certificados sentem-se um bocado defraudados, porque andaram a estudar durante anos e depois sentem que as pessoas vão a um sítio qualquer, pelo dinheiro". Por isso, "tem de haver um trabalho de todos os lados para que se evitem coisas que depois são difíceis de reparar ou irreparáveis". "Cada macaco no seu galho", conclui.