Num canal de Youtube chamado Conversas do Karalho (uma referência ao pau da gávea das caravelas), Miguel Milhão esclareceu o post que fez este domingo, 26 de junho, na rede social LinkedIn, no qual aplaudia o fim do aborto legal nos Estados Unidos.
Ao longo de quase uma hora, o fundador da Prozis, que esteve acompanhado de uma Voz não identificada e também de um Sphynx (raça de gato sem pelo), falou sobre a sua história de vida, insultou internautas e ainda disse ser "incancelável". Repetiu várias vezes que estava a ser cancelado, que a empresa também estava a ser cancelada, e que "a Prozis não precisa de Portugal". Sobre a interrupção voluntária da gravidez (que se tornou ilegal no país onde vive atualmente, devido à reversão do caso Roe vs. Wade pelo Supremo Tribunal), o empresário compara-a ao assassinato.
Mas vamos por partes:
"Eu sou incancelável"
Ao longo de quase uma hora de direto, no qual ocupou grande parte do tempo a ler posts e comentários das redes sociais, Miguel Milhão apelidou de "filhos da puta", "canzoada" e ainda "pulhecos de merda" quem criticou o seu post e apelou ao boicote à Prozis.
O fundador da marca de suplementação alimentar lamenta que, nas redes sociais, se tenha apelado a que os influenciadores digitais cancelassem as parcerias com a Prozis. Sem referir nomes, afirma que recebeu mensagens de apoios de vários e garante que não é passível de cancelamento. "Eu sou incancelável. É impossível cancelarem-me, e a estas pessoas não. A vida delas, e o que elas fazem, a forma como alimentam as suas famílias, é a vender a sua imagem. Predispuseram-se a ajudarem-me e muitas fizeram-no publicamente", afirma.
Demarcando-se da empresa que criou e do seu País natal ("não preciso de Portugal, não preciso da Prozis, tenho recursos ilimitados"), Milhão diz que não vive "integrado na sociedade" e que não aparece porque "não quer, porque não precisa".
O empresário, que vive nos Estados Unidos, afirma que se vive atualmente uma "ditadura das ideias", mas que a Prozis não vai ser "manipulada" por "esta mob". Mas, garante, há liberdade de pensamento dentro da empresa. "Estas são as minhas ideias, não são as ideias da Prozis. É uma empresa privada, tem acionistas, tem trabalhadores e todos têm opiniões diferentes. Eu sou uma pessoa que sou contra o aborto. Há aqui um montão de gente que é a favor do aborto. Há aqui gente de certeza que já fez um aborto e eu não ando a perguntar 'fizeste um aborto?'. Que tipo de ideia é esta da destruição da mente de alguém?", questiona. Recorda a visita à Coreia do Norte, onde havia "aprisionamento da mente", situação que compara com a Lua [nota da redação: não há provas da existência de vida inteligente na Lua]. "Aquilo é tipo Lua. Não existe no planeta Terra."
Ainda sobre a empresa que fundou, Milhão diz que "a Prozis não precisa de Portugal" e que os produtos são vendidos a um preço inferior do que em outros mercados. "O pessoal aqui nunca tem recursos, isto aqui nunca arranca". A determinada altura do podcast, a Voz revela que a Prozis "dá um ano de seguro às mães para os filhos", algo que Miguel Milhão desconhecia. "O nosso seguro é top. O nosso seguro é uma cena incrível", considera.
"Eu era um candidato fixe para o aborto"
Respondendo aos comentários negativos sobre o seu aspecto físico, Miguel Milhão revela que nasceu "cego do olho esquerdo" e fruto de uma gravidez adolescente. "A minha mãe tinha 19 anos, era solteira, eu era um candidato fixe para o aborto. Ela pensou diferente. Na altura recomendaram, ela não fez e aqui estou."
Sobre o tema concreto do aborto, Miguel Milhão explicou que a sua posição é ética e não religiosa, e que "matar bebés é a pior pessoa que há". Admite que, quando fez o post na rede social LinkedIn, o que mais o impressionou, além dos comentários, foi "não haver ninguém que defenda os Estados Unidos". "É um império, é o país mais potente do Planeta, o pessoal não tem noção. Se os Estados Unidos entrassem em guerra com o Planeta, ganhavam. E não há nada de bom nos Estados Unidos?" [nota da redação: os Estados Unidos ficam no Planeta, o que tornaria tecnicamente inviável um conflito].
Sobre a sua posição relativamente ao aborto, Milhão explica que "os bebés que não nasceram estão efetivamente a ganhar direitos". "Não estou a falar das mulheres, não estou a falar de situação nenhuma dessas. Estou a falar que os bebés estão a ganhar direitos e a natureza está a curar-se. Não tem lógica nenhuma no sistema haver destruição da espécie. Esta cena começou logo a descambar", recorda, apelando a que os comentários depreciativos de que foi alvo sejam criminalizados. "Eu não posso dizer o que falo e tenho um País a atacar-me? Fosca-se", lamenta.
Depois, com a ajuda da Voz, mostra um gráfico, onde há linhas horizontais e onde estão marcados vários momentos, desde a fecundação até à morte. "Se tu matares um feto, tu roubas isto tudo. Se tu matares um embrião, tu roubas isto tudo. Depois o pessoal entra naquele debate, onde é que é o ser humano, às 10 semanas, às 12 semanas. Ó pessoal, onde é que vamos por a linha? Às 10 semanas. Se eu me atrasar com um autocarro, às 10 semanas e um dia, já não sou um embrião, já sou um ser humano. Na minha forma de pensar, matar um embrião, matar um feto ou matar um recém-nascido ou matar a criança, ou matar um adulto, é a mesma coisa", argumenta.
O empresário afirma ainda que "nos Estados Unidos houve 57 milhões de abortos e ninguém quer saber". Os dados citados por Milhão não correspondem aos oficiais divulgados pela pelas CDC (Centers for Disease Control and Prevention), o equivalente à Direção Geral da Saúde nos EUA. Esta entidade governamental documentou, em 2019, 629. 898 abortos legais. Confira aqui essa informação.
Milhão afirma ainda que "a quantidade de abortos que há nos Estados Unidos é o dobro da portuguesa", algo que também é falso. De acordo com dados do Eurostat divulgados pelo "Expresso", em 2019 foram realizados 15.264 interrupções voluntárias da gravidez em Portugal. Para efeitos de esclarecimento adicional, os Estados Unidos têm uma população de 329,5 milhões e Portugal tem 11 milhões.
Questionado relativamente à possibilidade de se poder abortar em situações como a violação, Miguel Milhão deixou ainda o seguinte raciocínio. "Se eu tivesse uma filha que tivesse sido violada, tentava falar com ela e eu cuidava da criança sem problema nenhum. Não consigo sacrificar um inocente pelos crimes de um criminoso."
Esta terça-feira, 28 de junho, várias celebridades e influenciadores digitais cancelaram as suas parcerias com a Prozis. Jéssica Athayde, Marta Melro e a cantora Diana Monteiro são os nomes mais sonantes até ao momento.